Os festejos do bicentenário da independência do Brasil deste ano foram acompanhados de perto pela imprensa internacional. Em reportagens sobre as manifestações bolsonaristas em Brasília e no Rio de Janeiro, muitos veículos estrangeiros ressaltam os temores de violência política ligada aos comícios que o presidente Jair Bolsonaro promoveu com seus apoiadores em torno dos eventos oficiais do Sete de Setembro.
Para veículos jornalísticos como Associated Press (EUA), CNN (EUA), Público (Portugal) Diário de Notícias (Portugal), Le Monde (França), Al Jazeera (Catar), Independent (Reino Unido) e El País (Espanha), Bolsonaro se apropriou de uma data nacional tradicionalmente apartidária para promover sua campanha pela reeleição.
A agência de notícias americana Associated Press (AP) afirmou que Bolsonaro transformou uma data nacional em comício eleitoral, mas "não usou sua presença para minar as eleições como seus oponentes temiam". E, apesar "dos temores de violência política, eles não se materializaram"."Ao falar no comício depois da parada em Brasília, Bolsonaro não fez referência à luta brasileira pela independência, mas focou seus feitos enquanto seus apoiadores deixavam claro que estavam ali para apoiar o candidato."
O texto da AP, assinado pelos jornalistas Carla Bridi e Mauricio Savarese, cita declarações de apoiadores de Bolsonaro, críticas do presidente ao ex-presidente Lula e a participação de militares no evento e a presença ao lado do presidente de um dos empresários investigados pela Polícia Federal sob suspeita de participação em atos antidemocráticos.
A emissora americana CNN, que cita "paranoia eleitoral e temores de revolta popular", afirma que Bolsonaro mudou a tradicional celebração do Sete de Setembro neste ano para fins políticos.
"Ainda que o Dia da Independência deva supostamente ser um feriado nacional apartidário, o presidente frequentemente se referiu a ele como um momento-chave de sua campanha pela reeleição, falando a seus apoiadores para se prepararem para 'dar suas vidas' naquele dia — uma escalada retórica até mesmo para o espontâneo líder populista", afirma texto assinado por Marcia Reverdosa, Rodrigo Pedroso e Camilo Rocha.
Para o jornal português Diário de Notícias, "Bolsonaro usa o Bicentenário como tudo ou nada eleitoral". Segundo a publicação, "os 200 Anos da Independência do Brasil foram festejados em clima tenso de campanha para as eleições presidenciais".
"Jair Bolsonaro, o chefe de Estado que busca a reeleição, pediu votos, citou o seu slogan, enumerou feitos do governo e evocou até o Golpe Militar de 1964, que resultou em 21 anos de ditadura, de que é adepto", relata texto assinado por João Almeida Moreira, de São Paulo.
Ainda segundo o Diário de Notícias, o presidente português, que estava presente no evento de Sete de Setembro em Brasília ao lado de Bolsonaro, afirmou que "seria incompreensível que Portugal não estivesse representado ao mais alto nível" nas comemorações dos 200 anos do Brasil e rejeitou a possibilidade de ficar associado à campanha eleitoral brasileira, sustentando que "são duas coisas completamente separadas".
Marcelo Rebelo de Sousa, do Partido Socialista, negou a jornalistas qualquer desconforto durante o evento em Brasília e disse, segundo o jornal português, que "de onde estava não ouvia" os gritos a favor de Bolsonaro ou contra o ex-presidente Lula.
Sousa se reuniu à noite com Bolsonaro em Brasília e negou terem tratado de política no breve encontro. "Não, não se falou. Estava ali um Presidente da República com outro Presidente da República e, portanto, não se ia falar de problemas internos nem de um Estado nem do outro."
O jornal também português Público afirmou que "Bolsonaro usa discurso oficial do bicentenário para pedir votos e defender a sua virilidade". A publicação questionou o presidente de Portugal sobre uma bandeira que Bolsonaro estendeu a sua frente com os dizeres "Brasil sem Aborto" e "Brasil sem Drogas" na bandeira nacional brasileira.
"De onde estava não podia ver o que tinha a bandeira, que não estava na tribuna e que alguém colocou algures no meio do desfile e não estava já no fim. (...) Na altura desconhecia o que se passava para além do gesto do Presidente [do Brasil], que não percebi o que significava, e daí o meu ar entre o estupefacto e o divertido", comentou Sousa.
Ainda segundo o Público, o presidente português afirmou que "Portugal tem relações diplomáticas com democracias e com ditaduras", em referência a visitas de chefes de Estado a Portugal e visitas que ele fez "independentemente de os regimes serem parecidos ou não".
"O que interessa é que há um milhão de portugueses a viver no Brasil e há 250 mil brasileiros a viver em Portugal, e esses continuarão a viver qualquer que seja o Presidente, qualquer que seja o Governo, e a minha função é representar a nação portuguesa", afirmou Sousa após encontro com Bolsonaro em Brasília.
Para o jornal espanhol El País, Bolsonaro "transformou o bicentenário da independência do Brasil em um ato eleitoral".
O jornal britânico The Guardian relata que o evento foi uma demonstração de força política numa Copacabana tomada por apoiadores de verde e amarelo em clima de Carnaval. A reportagem assinada por Tom Phillips e Caio Barretto Briso ressalta que o evento estava repleto de cartazes e manifestantes com pautas antidemocráticas, mas o temor de revolta, violência ou golpe militar não se materializou.
Em entrevista ao veículo britânico, o brasilianista Brian Winter, editor-chefe da revista Americas Quarterly, afirma que o Sete de Setembro foi eficaz para mobilizar a base de apoio de Bolsonaro, garantiu as imagens que ele buscava, "mas eu não estou certo de que isso o ajudou a ganhar qualquer voto".
A Al Jazeera, rede de notícias do Catar, destaca as críticas de que o "líder de extrema direita estava usando o Dia da Independência para impulsionar sua campanha pela reeleição".
Segundo o veículo catari, "o nacionalista de extrema direita tem há anos encorajado o patriotismo brasileiro, e sequestrou para si as cores nacionais verde e amarelo".
"O presidente Jair Bolsonaro literalmente moveu céu e terra hoje, ele está tentando mostrar sua popularidade e sua força nas ruas", relata a repórter Monica Yanakiew, da Al Jazeera, no Rio de Janeiro. Segundo ela, Bolsonaro transformou uma celebração nacional em um evento partidário porque ele está atrás de Lula nas pesquisas eleitorais por mais de 10 pontos percentuais.
O veículo do Catar afirma ainda que os ataques do presidente ao sistema eleitoral, sem provas, "têm levado seus mais radicais apoiadores a pedirem por um golpe militar, aumentando os temores de que a nação sul-americana pode ter uma eleição violenta".
O jornal britânico Financial Times afirma que Bolsonaro reiterou suas declarações de que ele não aceitará o resultado das eleições se sair derrotado das urnas em evento para apoiadores marcado por demonstração de força militar.
"Paraquedistas aterrissaram na praia de Copacabana e jatos da Força Aérea voaram na costa em espetáculo para marcar o bicentenário da independência do Brasil, mas críticos dizem que o evento foi sequestrado pelo presidente populista para coincidir com um evento de campanha no mesmo local", diz texto assinado por Bryan Harris, no Rio de Janeiro, e Michael Pooler, em São Paulo.
Para o veículo britânico, Bolsonaro imita o ex-presidente americano Donald Trump ao lançar dúvidas, sem provas, sobre a integridade do sistema eleitoral brasileiro. "Nos últimos meses, militares também fizeram questionamentos sobre o sistema eleitoral que ecoam algumas críticas do presidente, indicando que parte do alto comando (das Forças Armadas) são simpáticos a essa narrativa."
A agência de notícias britânica Reuters relata que Bolsonaro misturou paradas militares do Dia da Independência com atos de campanha eleitoral em Brasília e no Rio de Janeiro e cita críticas de opositores e especialistas de que o presidente sequestrou a celebração nacional para impulsionar sua candidatura.
Para a Reuters, em texto assinado do Rio de Janeiro por quatro jornalistas, Bolsonaro baixou o tom de seus ataques contra o Judiciário após passar mais de um ano atacando as Cortes responsáveis pelas eleições brasileiras, sob alegações "sem provas" de vulnerabilidade a fraudes.
Ainda assim, o texto da Reuters ressalta que autoridades mantiveram um firme cordão de segurança em Brasília "para impedir que apoiadores de Bolsonaro avançassem contra o Supremo Tribunal Federal, como apoiadores dele fizeram no ano passado em manifestação comparada de certa forma à invasão do Congresso americano em 6 de janeiro de 2021".
O jornal francês Le Monde afirma que "Bolsonaro usa festa do bicentenário para mobilizar apoiadores".
Texto assinado por Anne Vigna, no Rio de Janeiro, dizia que nesta quinta-feira (09/09) o Brasil finalmente voltar a respirar depois que o bicentenário da independência brasileira "foi transformado em um comício eleitoral de Jair Bolsonaro" sem sobressaltos.
O jornal britânico Independent, que publicou o material da agência AP, afirma no título: "Brasil tenso em bicentenário que Bolsonaro tomou para si".
A rede de notícias alemã Deutsche Welle (DW) relata que a comemoração do bicentenário de independência foi ofuscada pela corrida eleitoral.
"Ao falar na capital, ele usou sua habitual estratégia retórica de se referir a políticos de oposicionistas de esquerda como o mal", afirma o texto com base nas agências de notícias AP, Reuters e France-Press (AFP)
O trecho do discurso citado pela DW é o seguinte: "Sabemos que temos pela frente uma luta do bem contra o mal. O mal que perdurou por 14 anos em nosso país, que quase quebrou a nossa pátria e que agora deseja voltar à cena do crime. Não voltarão. O povo está do nosso lado, o povo está do lado do bem, o povo sabe o que quer".
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62833927
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