A diarista Ilza Ramos Rodrigues, 52, que foi humilhada por um bolsonarista por ser eleitora do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), começou a trabalhar na roça aos oito anos de idade. Hoje, ela faz bicos na área de limpeza, e a família passa por uma situação difícil, atenuada pelas marmitas que recebia semanalmente.
"A gente tem dificuldades. Então muitas vezes [aconteceu] de ficar com armário vazio, sem nada, porque a gente também paga luz, paga as coisas, né?", diz Ilza à Folha de S.Paulo.
Na casa em que mora com os filhos de 19, 22 e 24 anos, num bairro pobre de Itapeva, no interior de SP, ela expressou o temor de que sua vida seja arrastada para o meio de um cenário político polarizado.
"Ela é Lula [PT]. A partir de hoje não tem mais marmita", afirmou o empresário Cassio Cenali, gravando o vídeo que viralizou no sábado (10), após ser divulgado pelo portal Jornalistas Livres.
"Agora a senhora peça para o Lula", disse ele, negando-se a dar marmitas depois de descobrir a intenção de voto de Ilza.
Depois da repercussão, Cenali fez um vídeo no qual se diz arrependido. "Aquilo ali [o pedido de desculpas] não foi sincero", afirma a diarista, para quem o caso ainda é muito recente para poder falar em perdão.
"Fica guardado na cabeça. Tem gente que, porque tem um dinheirinho a mais, acha que pode falar o que quiser para o humilde. E a gente fica triste por isso", disse ela, que afirma não ter a intenção de processar o empresário. Para ela, Cenali já está pagando pelo mal que fez, devido à repercussão negativa.
A diarista disse ainda lamentar o quadro de violência política no país. "Era uma doação, sabe? Para mim, doação é de coração. Não pode colocar política no meio, e infelizmente ele fez isso. Não precisava, né?"
Ilza diz que a situação se reverteu, após a onda de doações e apoio que vem recebendo. A irmã da diarista, Rosana Ramos, revela o receio com a repercussão do caso. "É lógico que a família fica com medo, vai saber", diz ela, que tem intermediado o contato com quem procura a irmã após o episódio.
Apesar de fugir das perguntas sobre política, Ilza pontua uma eventual conversa com Lula como um dos pontos positivos. "Ah, eu quero falar com ele. Aquele vozeirão dele. Eu admiro ele, e não é por política, é pela pessoa que ele é, ele sempre foi por nós, ele sempre foi pelas pessoas pobres."
Segundo os familiares, o apresentador da TV Globo Luciano Huck ligou e disse que manteria contato. Cestas básicas também já chegaram à casa da família, que deve conseguir reformar a casa. O imóvel, de quatro cômodos e tijolo aparente, foi colocado de pé pela família. No entanto, precisa de melhorias.
Além dos três filhos, ela vive ali com alguns cachorros. Tímida, deixa de lado a discrição ao falar de como resgatou um deles, que estava em uma rodovia. Os filhos também vivem de bicos. O caçula, de 19 anos, que pediu para não ter o nome revelado, afirma haver poucas oportunidades para os jovens da região.
"É cabeleireiro, servente ou motoboy", diz o rapaz, que atua como gesseiro e pensa em fazer faculdade. "Educação física ou agronomia." Até o momento, ninguém da família conseguiu entrar numa universidade.