O corte de cerca de 60% no orçamento do programa Farmácia Popular do Brasil, previsto pelo governo federal para 2023, preocupa organizações farmacêuticas e vira alvo de adversários da campanha de reeleição de Jair Bolsonaro (PL). A retirada bilionária de recursos afeta beneficiários que fazem tratamento contra diabetes, hipertensão, asma, dislipidemia, rinite, doença de Parkinson, osteoporose, glaucoma, anticoncepção e quem precisa de fraldas geriátricas. A tesourada no orçamento do programa foi revelada na semana passada pelo jornal “O Estado de S. Paulo”. A verba destinada ao Farmácia Popular caiu de R$ 2,04 bilhões no Orçamento deste ano para R$ 804 milhões, previstos para 2023.
De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (PróGenéricos), se confirmado, o corte trará um grande impacto para o acesso da população a medicamentos e significa um risco de sobrecarga para o Sistema Único de Saúde (SUS). Em nota, a presidente da organização, Telma Salles, aponta que a redução no orçamento restringe a oferta de 13 tipos diferentes de princípios ativos de remédios usados no tratamento de doenças crônicas como diabetes, hipertensão e asma, enfermidades que mais acometem a população brasileira, de acordo com o Ministério da Saúde.
“Reduzir verba do programa Farmácia Popular trará prejuízos imensuráveis para todo o sistema de saúde brasileiro. Estamos falando da vida das pessoas. Será oportuno saber como o governo pretende tratar as pessoas que ficarão sem esses medicamentos”, afirma a presidente do PróGenéricos.
O Farmácia Popular do Brasil é um programa do governo federal que oferece medicamentos por meio de parcerias com estabelecimentos privados. Remédios para tratamento de diabetes, asma e hipertensão são fornecidos de forma gratuita em farmácias e drogarias conveniadas. O programa também subsidia até 90% do valor de medicamentos para dislipidemia, rinite, doença de Parkinson, osteoporose, glaucoma, anticoncepção e fraldas geriátricas.
A possibilidade do corte de R$ 1,2 bilhão também preocupa os estabelecimentos conveniados ao programa. Para o vice-presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos de Minas Gerais (Sincofarma-MG), Rony Anderson, a falta de medicamentos oferecidos de forma gratuita ou subsidiada pode afastar pessoas do tratamento. “O que é mais importante com relação a esse tipo de medicamento é que eles são relativamente baratos, mas, infelizmente, com a crise que vivemos, muita gente vai deixar de tomar o remédio. Isso vai aumentar a necessidade de internações e pode causar sobrecarga no sistema, inviabilizando também o tratamento de outras doenças”, apontou em entrevista ao Estado de Minas.
Para Anderson, a economia que o corte bilionário no orçamento do programa traz ao governo federal não se sustenta. O vice-presidente do Sincofarma-MG aponta que a descontinuação do tratamento das doenças atendidas pelo Farmácia Popular implicará aumento na demanda de procedimentos dispendiosos ao Estado. “O não uso desses remédios vai gerar casos em que as pessoas têm que se internar e isso fica muito mais caro para o governo. Vai ter um impacto ainda maior na economia, são hospitalizações caras, de doenças cardíacas, de doenças respiratórias”, avalia.
O representante dos estabelecimentos também avalia que a desidratação do Farmácia Popular trará impactos econômicos para o setor varejista, já que a ausência de medicamentos implicará diminuição da circulação de clientes em farmácias e drogarias. O Sincofarma entrará em contato com o governo gederal sugerindo a revisão do corte no orçamento. Rony Anderson acredita que o governo Bolsonaro recuará da medida. “Hoje mesmo, estamos fazendo um ofício para mandar ao Ministério da Saúde. A informação que a gente tem é de que Bolsonaro vai revogar. Não é nada oficial, mas sabemos que esse é um impacto muito grande, principalmente na época da eleição”, pontua.
Impacto no SUS
Embora seja um programa que tenha estabelecimentos privados como aliados na oferta de tratamento, o Farmácia Popular do Brasil tem um impacto significativo no sistema de saúde pública do país. Para a diretora-executiva da ONG Universidades aliadas por medicamentos essenciais (UAEM), Luciana de Melo, além de oferecer tratamento para doenças que podem evoluir para formas graves, que exigem mais recursos do SUS, o programa alivia a gestão de medicamentos nas administrações municipais.
“Temos um orçamento muito pequeno na assistência farmacêutica municipal. Alguns medicamentos estão na lista do SUS, mas os municípios precisam fazer uma gestão com poucos recursos. Ter a Farmácia Popular alivia o gestor municipal em termos de priorização de medicamentos, como para doenças respiratórias no período de inverno”, diz a farmacêutica e doutoranda em Saúde Pública pela UFMG.
Luciana explica que o fato de fornecer medicamentos para condições que precisam de atenção contínua ajuda a não sobrecarregar o sistema de saúde. “São doenças que têm uma alta taxa de incidência e tem essa questão de que são medicamentos de uso contínuo. Se a pessoa não aderir completamente ao tratamento, vai interferir em toda a condição daquela doença. A falta de um antihipertensivo, por exemplo, faz com que a pessoa acabe tendo que usar mais outras portas de entrada do SUS, como atendimentos de urgência e emergência”, aponta.
A pesquisadora ainda aponta que o fornecimento de remédios em farmácias e drogarias favorece a adesão dos pacientes. Os horários reduzidos dos centros de saúde podem ser proibitivos para pessoas que trabalham todo o dia e a possibilidade de conseguirem medicamentos gratuitos ou com desconto fora do horário comercial cria mais uma opção de acesso a quem precisa do tratamento. O corte bilionário no fim de uma pandemia também dificulta a recuperação de um sistema de saúde que tenta retomar os processos após um período de foco intensivo no combate à COVID-19. “Por conta da pandemia, tivemos atrasos até de alguns diagnósticos que as pessoas deixaram de fazer porque não tinham acesso a consultas”, pontua.
Medicamentos
Ainda segundo O Estado de S. Paulo, o programa Farmácia Popular oferece 13 princípios ativos de forma integralmente gratuita. São eles: brometo de ipratrópio (asma); dipropionato de beclometsona (asma); sulfato de salbutamol (asma); cloridrato de metformina (diabetes); glibenclamida (diabetes); insulina humana (diabetes); insulina humana regular (diabetes); atenolol (hipertensão); captopril (hipertensão); cloridrato de propranolol (hipertensão); hidroclorotiazida (hipertensão); losartana potássica (hipertensão); e maleato de enalapril (hipertensão). Na lista dos remédios que são repassados aos pacientes com até 90% de subsídio estão medicamentos utilizados no tratamento da osteoporose, rinite, doença de Parkinson, glaucoma, colesterol, além de anticoncepcionais e fraldas geriátricas. Em contraste com o corte de verbas, a meta do Plano Nacional de Saúde (PNS) para o período 2020-2023 era de expandir o programa Aqui tem Farmácia Popular para 90% dos municípios com menos de 40 mil habitantes.