Jornal Estado de Minas

ENTREVISTA

Eleição de Bolsonaro não é impossível, mas é improvável

Às vésperas do primeiro turno das eleições presidenciais de 2022, os acontecimentos que rondam as campanhas dos principais candidatos são muito discutidos sob a lógica do possível impacto eleitoral. Cada passo e fala é avaliado a partir de como pode influenciar na definição de quem subirá a rampa do Palácio do Planalto no ano que vem. Para os autores do livro “A mão e a luva: O que elege um presidente”, lançado neste ano pela Editora Record, a vontade do eleitor não está tão sujeita a episódios específicos.





O livro foi escrito pelo doutor em Ciência Política, Alberto Carlos Almeida, e pelo professor e mestre em Geografia Tiago Garrido. Os autores partem da analogia utilizada por Machado de Assis em seu segundo romance e comparam a história da personagem Guiomar na escolha de seus pretendentes com a forma como a opinião pública escolhe para a presidência, o candidato (ou a luva) que melhor se encaixa aos seus anseios no momento.

“A mão e a luva: O que elege um presidente” analisa cada uma das eleições presidenciais desde a redemocratização e estabelece paralelos para apontar que os pleitos são definidos por um eleitorado menos sujeito à mudanças rápidas do que se imagina. Em entrevista ao Estado de Minas, os autores explicam como chegaram às conclusões apontadas no livro e fazem projeções para as eleições deste ano.

ENTREVISTA

Estado de Minas: Vocês apontam o controle da inflação, o aumento do poder de compra e o cenário do desemprego com grande relevância na definição de eleições anteriores. Estes são realmente os fatores mais decisivos e outros aspectos como a pauta de costumes, ser menos ou meias progressistas correm por fora?

Alberto Carlos Almeida: No primeiro capítulo a gente divide o eleitorado em três partes: a moralidade da direita, a moralidade da esquerda e o centro. Toda a sociedade você pode dividir assim, tem pesquisas mostrando isso. Tem pessoas que são mais conservadoras, que querem lei e ordem, que acham que a sociedade é frágil, que temos que seguir as regras que aí estão e os recalcitrantes tem que ser punidos. O outro lado são os progressistas, a esquerda, que assume que muitas regras são ruins para os mais fracos e elas tem que ser subvertidas e mudadas.  Existe também o pessoal do centro, aqueles que têm um pouco de cada uma dessas preferências. Essa questão dos costumes é como a base de tudo. 





Essa é a base: a pessoa mais conservadora vai avaliar melhor a economia no governo Bolsonaro do que a pessoa menos conservadora e vice-versa. Esses temas agora estão aflorados, eles foram mobilizados por Bolsonaro a partir da eleição passada para trazer eleitores explicitamente para ele. Isso é parte do jogo, mas o determinante na eleição é esse eleitor que muda de voto e esse eleitor que muda de voto está no centro, nem na esquerda nem na direita.


Tiago Garrido: Esse eleitor mais de centro, ele tem muito esclarecida a descrição do trabalho do presidente. Ele sabe o que esperar do presidente. Ele sabe que a principal tarefa do presidente é melhorar a vida dele, então quando isso não acontece ele vai punir o candidato. Ele sabe que o presidente é muito responsável pela questão do controle da inflação, pela questão do desemprego, pelo poder de compra dele. As outras questões e moralidades relativizam isso. Se for um eleitor de direita, muito afinado com essa ideia de comunidade moral, ele vai relativizar a questão da crise e se for um eleitor de esquerda, ele vai ficar também muito indignado com essa situação de crise econômica, ele vai ficar muito escandalizado com o fato de pessoas ainda votarem no Bolsonaro. Quando a gente conversa com as pessoas, elas ficam muito intolerantes com relação a existir pessoas querendo votar no presidente, a existir milhares de pessoas lá no 7 de Setembro. Agora um eleitor que muda de voto, ele nem bate palma e nem se escandaliza. Ele simplesmente entende e vai lá e ele muda o voto e vai fazendo alternância do poder acontecer.


Vocês terminam o capítulo sobre as eleições de 2014 dizendo que em disputas muito apertadas, recursos de campanha acabam sendo fundamentais para definir o resultado final. Neste ano, o cenário está próximo ao de 2014 ou mais estabilizado?

Alberto: No último capítulo do livro a gente utiliza um indicador como chave, que é o da avaliação de governo. A avaliação do governo Bolsonaro é bastante negativa. Ela vem melhorando, mas num ritmo muito lento. Bolsonaro tem um ruim/péssimo bem mais alto do que Dilma (Rousseff) tinha próximo das eleições de 2014. A Dilma tinha uma avaliação de ótimo/ bom entre 36% e 40% e o do Bolsonaro é de 28%, é bem diferente. Existe aquela ‘navalha de Occam’,  que é um critério utilizado na ciência para quando você tem duas teorias que explicam muito bem o mesmo fenômeno. Neste caso, a maneira de selecionar a melhor teoria é aquela que explica com o menor número de variáveis. No nosso caso, usamos a variável da avaliação de governo, com ela você consegue ver muita coisa. Pela avaliação do governo Bolsonaro, se ele vencer será a primeira vez que isso acontece. Nada é impossível, mas é improvável que alguém vença com uma avaliação assim. Nesse sentido, a campanha atual é diferente de 2014.






Tiago: Se você for relembrar, a eleição de 2014 foi bastante emocionante do ponto de vista das pesquisas. Em agosto, por exemplo, morre o Eduardo Campos e aí a Marina (Silva) assume uma curva de alta e lá no fim do mês já está tecnicamente empatada com a Dilma nas preferências de voto. O Aécio (Neves) ultrapassou a Marina na reta final, a Dilma foi a primeira candidata em campanha de que foi ao segundo turno com menos de 45% das intenções de voto e o resultado se deu de uma forma apertadíssima, com uma diferença de alguns poucos milhões de votos. Hoje, se você olhar a campanha no caso do Bolsonaro, ele tem tido uma melhora na avaliação, porém essa melhora é lenta. Além disso, as intenções de voto para o segundo turno vêm repetindo as intenções de voto nas pesquisas de 2006, basicamente aquela relação de 60 a 40.


No livro, vocês afirmam que a inércia é uma característica da opinião pública, que ela não se altera em curtos períodos de tempo. Nesse sentido, qual o impacto do que acontece em ano eleitoral e durante a campanha? 

Alberto: No nosso modelo de análise, nós propomos que a campanha eleitoral não muda o estado de opinião pública. Quando eu menciono o estado de opinião pública é assim: ou a maioria quer mudança ou a maioria quer continuidade. Então, o que que a campanha eleitoral consegue? Ela consegue posicionar seu candidato. Essa é a genialidade da campanha: posicionar seu candidato em função do estado da opinião pública. Recentemente eu vi o programa eleitoral de Lula na televisão e ele diz: 'o governo Bolsonaro é péssimo. No meu governo era muito diferente'. Ele tá se posicionando e dizendo: 'olha vocês comigo tem mudança do que está aí agora e mudança com a segurança de alguém que já fez isso e fez melhor'. 

Outro exemplo é se você pegar as pesquisas públicas do Ipec, você vê que vem aumentando o percentual de pessoas que avaliam o governo Bolsonaro como ótimo e bom e que votam em Bolsonaro.Isso significa que quem avaliava bem o governo e não votava no presidente passou a votar devido à campanha,  porque viu que ele é o candidato que vai dar continuidade ao que está aí. Bem como também vem aumentando a proporção de pessoas que avaliam o governo Bolsonaro como ruim e péssimo e que vota em Lula, porque ele se assumiu como a opção de mudança. Então a campanha tem esse poder de posicionar o candidato em relação à opinião pública.





Tiago: Toda mobilização ou do partido do candidato tenta criar ali um núcleo gravitacional para atrair aqueles eleitores que tradicionalmente votam no candidato de direita ou na esquerda. Porque embora as pessoas se identifiquem, que o eleitorado do Nordeste, por exemplo, se identifique mais com o PT ou que o eleitorado evangélico se identifique mais com Bolsonaro, o eleitor precisa ser lembrado disso. A campanha vai dizer: ‘olha, o candidato que cuida dos mais pobres, que se preocupa com o trabalhador é o Lula’ ou ‘o candidato que se preocupa com os valores da família é o Bolsonaro’. A campanha tem esse papel, o Bolsonaro foi lá recrutou a esposa dele, a primeira-dama para fazer campanha com o tom evangélico e tudo mais. Isso não necessariamente alcança eleitores novos, mas você não está permitindo que esses eleitores se desgarrem e vão parar em alguma outra candidatura no primeiro turno.


Uma campanha eficiente então precisa moldar o candidato ao anseio da opinião pública no momento?

Alberto: Os políticos de todos os lados vão achar que eles podem ganhar qualquer eleição. Nós estamos fazendo análise fria, de fora e está dizendo que tem eleição que não dá para ganhar. A gente utiliza até o exemplo d’O Príncipe, de Maquiavel. Um homem de virtù, que tenta controlar algumas variáveis do mundo, constrói uma barragem para evitar que uma enchente destrua o local onde ele vive. Vamos supor que o PT tenha feito isso em 94, aí vem uma enchente completamente fora do padrão e destrói a barragem, que foi o Plano Real. Não havia nada ali que levasse o PT a ganhar, assim como não tinha como PSDB ganhar em 2006 ou 2010. Durante a campanha eleitoral, todos nós, eu, você, a imprensa, a gente se comporta como se  tudo fosse controlado. Por exemplo, o Lula deu uma declaração, disse que o comício do Bolsonaro parece uma reunião da ku-klux-klan e por isso ele vai cair nas intenções de voto. O Bolsonaro falou de princesa, de imbrochável, então ele vai cair nas intenções de voto. Não necessariamente. A intenção de voto tá grudado em outras coisas, na economia, na inflação, na avaliação de governo, que vem daí. O que a gente tá dizendo é isso: tem eleição que está ganha e eleição que está perdida. A gente não está dizendo para não concorrer. Se o PT não tivesse concorrido em 2018, alguém teria ocupado o seu segundo lugar e talvez hoje fosse o favorito. Então você tem que disputar sempre.

Tiago: Recentemente, o ex-presidente do Ibope, (Carlos Augusto) Montenegro  deu uma entrevista e falou que a eleição já está decidida, só falta o eleitor ir votar. No caso do nosso livro, a gente basicamente já diz isso com um ano de antecedência. A gente faz ali uma uma leitura probabilística fundamentada em algumas ressalvas e a gente indica que, um ano antes da eleição, já é possível saber quem vai vencer no ano seguinte. É claro que está condicionado a alguns fatores. Então a gente aponta, com um ano de antecedência, uma alta probabilidade de que o Lula seja o vencedor dessas eleições. Lembrando que uma pequena probabilidade também pode acontecer. Nas eleições de 2016 os Estados Unidos, as pesquisas indicavam que a probabilidade de Trump vencer era de 30% e a barreira era de 70%. E Trump foi eleito. 






O livro trata sobre as eleições presidenciais, mas é possível aplicar a mesma lógica de análise nas disputas por governos estaduais e prefeituras?

Alberto: Ela se aplica. O prefeito é uma figura mais próxima do eleitor, quando você pega os dados de eleições municipais, a aprovação que o prefeito precisa para ser reeleito tende a ser maior que a avaliação que a de  um governador, talvez porque esteja mais próximo, não sei isso aí precisa ser mais estudado. O presidente e o governador são mais distantes do eleitor, são figuras mais distantes, na cidade o prefeito convive mais com a população. 

No caso dos governadores, dá para ver que todos os governadores que disputaram a reeleição com mais de 46% de avaliação do mandato como ótimo ou bom foram reeleitos até hoje. Pode acontecer de algum não ser? Pode, claro que pode, mas é improvável. Por outro lado, todos os governadores que tiveram menos de 33% de avaliação como ótimo e bom perderam. E entre 33% e 46% você tem governadores que ganham e que pedem. A gente utiliza isso para para um modelo analítico da eleição presidencial. Mas acontece também para Governador.