A prisão de um homem de 50 anos pela equipe da Polícia Federal que atua na segurança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sob acusação de xingar o candidato foi considerada excessiva por criminalistas ouvidos pela reportagem.
O caso ocorreu na quinta-feira (15), na passagem de Lula por Montes Claros, no interior de Minas Gerais.
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O homem foi abordado e advertido de que sua conduta seria crime de injúria --ofensa contra a dignidade ou decoro de alguém, com pena de detenção, de um a seis meses, ou multa, conforme o Código Penal.
Os policiais pediram para que ele desembarcasse do automóvel, mas o homem se recusou, repetiu as declarações e disse que tinha o direito de falar o que quisesse, recebendo, então, voz de prisão.
Embora não esteja claro se a motivação para a detenção foi o xingamento ou eventual desacato, especialistas dizem que a conduta dos agentes pode, em tese, configurar crime de abuso de autoridade, acusação já feita pelo homem detido ao prestar depoimento na delegacia.
A lei 13.869 de 2019 estabelece que é crime "decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais". A pena é de detenção, de um a quatro anos, e multa.
Aos delegados, o homem disse que não ofendeu o ex-presidente e estranhou a abordagem. Afirmou ainda que foi empurrado com violência contra o capô do carro e teve boné e óculos retirados de sua cabeça. Ele foi liberado após depor.
Professora de direito penal da FGV Direito de São Paulo, Raquel Scalcon afirma que a prisão foi indevida, pois a fala é uma manifestação válida, e que não considera desacato um crime constitucional, mas uma herança da ditadura.
"A ideia da liberdade de expressão não é individual, algo bom para quem fala, mas é importante do ponto de vista coletivo, para que as ideias possam ser confrontadas de forma franca", afirma.
"Tão grave quanto proibir chamar o atual presidente de genocida é proibir chamar o ex-presidente de corrupto. São embates públicos necessários e que não se resolvem com prisão", diz.
O advogado criminalista Adib Abdouni, fundador do Adib Abdouni Advogados, diz que houve "evidente constrangimento ilegal", previsto no artigo 146 do Código Penal, com pena de detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Abdouni diz ainda que o suposto crime contra a honra do presidente é considerado de menor potencial ofensivo, o que por si só desautoriza a prisão cautelar, como aconteceu.
Sócio do escritório Kehdi e Vieira Advogados, o advogado criminalista Fernando Gardinali afirma que o caso de Minas Gerais é semelhante ao da mulher que foi detida e levada a delegacia após xingar o presidente Jair Bolsonaro (PL) às margens da via Dutra no final de novembro, em Resende (RJ).
"Não era necessário levar o indivíduo para a delegacia, tampouco dar voz de prisão; bastaria colher a sua identificação e documentar o fato por meio de um registro policial, no caso, o denominado 'termo circunstanciado'", afirma.
Gardinali diz que a recusa em descer do veículo poderia configurar o desacato ou desobediência a depender das circunstâncias, como eventuais xingamentos, grosseria ou outra forma de desrespeito contra os policiais. Se o descumprimento foi por entender que não estava cometendo um crime, o desacato não ocorreu.
Para responder pelo crime de injúria, seria necessário que Lula movesse uma ação criminal contra o suposto agressor. Logo, os policiais agiram sem que houvesse um processo em tramitação, diz o advogado.
No caso da ofensa contra Bolsonaro, o Ministério Público instaurou um inquérito sobre a conduta dos policiais, a partir da representação feita pelo coletivo de advogados Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos, que apontaram eventuais atos de improbidade administrativa, crime de constrangimento ilegal e abuso de autoridade na conduta.
A Polícia Federal informou que foi responsável pela segurança de Lula e acionou a Polícia Militar para realizar o atendimento de ocorrência envolvendo um homem suspeito de proferir palavras ofensivas ao candidato. "Ato contínuo, a PMMG tomou as providências que considerou cabíveis e encaminhou o caso para a PCMG", finalizou a corporação.