Em 1° de janeiro de 2019, milhares de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro de diferentes regiões do país acompanharam a posse dele em Brasília.
Naquela tarde, cerca de 115 mil pessoas se reuniram na Esplanada dos Ministérios, segundo dados divulgados na época pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), da Presidência da República, e pela Polícia Militar do Distrito Federal.
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Para assistir ao momento em que Bolsonaro recebeu a faixa presidencial, eleitores dele chegaram a Brasília de diversas formas: de ônibus, avião ou carro. Caravanas saíram de diferentes pontos do país.
Mas quase quatro anos depois, muita coisa mudou entre aqueles que acompanharam a posse do presidente. Enquanto alguns demonstram apoio intenso ao presidente até hoje, outros consideram Bolsonaro uma imensa decepção.
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Nas pesquisas eleitorais mais recentes, Bolsonaro (PL) aparece atrás do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os números indicam que os seguidores mais fiéis ao presidente continuam ao seu lado e acreditam que ele é a melhor opção para governar o país, mas os dados também ilustram de modo geral que houve queda no apoio ao presidente quando comparado a 2018.
O atual cenário demonstra que muitos daqueles que votaram no presidente em 2018 se decepcionaram de alguma forma com a gestão dele, aponta a cientista política Camila Rocha, que estuda o bolsonarismo. Para ela, essa debandada no apoio ao presidente atingiu principalmente aqueles que "esperavam uma mudança muito grande no país e estavam saturados do governo do PT".
"Há o público mais convicto, que ficou com ele, que são aqueles que concordam quase totalmente com as principais bandeiras dele, como de valores familiares tradicionais, valores cristãos conservadores e esse patriotismo baseado nessas ideias de anticomunismo, antifeminismo etc.", diz a especialista.
"Agora o público que esperava mudança, condições econômicas e mais direitos é um pessoal que debandou mesmo, principalmente após a conduta do Bolsonaro na pandemia. Isso se deu especialmente entre mulheres e jovens. Essa postura do Bolsonaro foi entendida como desumana por muitas pessoas. E, claro, também há uma coisa que as pessoas falam que foi a própria continuidade de uma postura muito agressiva dele", acrescenta a pesquisadora.
Para entender um pouco mais sobre como pensam os eleitores de Bolsonaro em 2018, a BBC News Brasil foi atrás especificamente de algumas pessoas que organizaram ou participaram de grupos que viajaram a Brasília para acompanhar a posse. Entre eles, há quem mantém o apoio ao presidente, enquanto outros dizem que não votariam novamente em Bolsonaro.
'Hoje tenho asco dele'
Entre aqueles que se organizaram para acompanhar a posse de 2019 está a empresária Paloma Freitas, de 42 anos. Ela, que mora em Fortaleza (CE), conheceu Bolsonaro por volta de 2015, quando começou a admirá-lo e torcer para que o então deputado federal pelo Rio de Janeiro se candidatasse à Presidência.
"O Bolsonaro representava aquilo que a gente queria. Ele era uma voz sem medo de falar no Congresso Nacional. Ele era contra a ideologia de gênero, contra o aborto e contra a legalização das drogas. No Congresso, ele falava de uma forma simples contra tudo isso, por isso para a gente seria a melhor opção para a presidência", diz Paloma à BBC News Brasil.
Ela se juntou a outros apoiadores do Bolsonaro no movimento Endireita Fortaleza.
Quando Bolsonaro lançou a candidatura em 2018, Paloma participou ativamente da campanha em Fortaleza. "Era tudo voluntário, a gente não tinha dinheiro, mas muitos empresários ajudaram em algumas coisas, como com a casa que virou nosso local de encontro. Até adesivos do Bolsonaro eles mandaram fazer. No começo, era uma campanha pequena, mas logo começou a crescer. O nosso principal foco era nas redes sociais", afirma.
O momento da vitória de Bolsonaro é descrito por Paloma como um dia de muita emoção. "Todo mundo se abraçou, porque a gente trabalhou demais como voluntário da campanha. Quando ele ganhou, sentimos que ganhamos também", diz.
Ela foi uma das responsáveis por organizar uma caravana que seguiria de Fortaleza para Brasília para acompanhar a posse de Bolsonaro. "A gente contratou ônibus de luxo de dois andares e alojamento. Cada um pagou o seu, porque não tivemos apoio de empresários. Mas a caravana lotou, foram cerca de 60 pessoas, e até faltou lugar."
Mas Paloma conta que assistiu ao evento pela televisão, pois desistiu de acompanhar presencialmente por motivos pessoais. "A minha avó, que me criou, não estava bem de saúde. Então, eu fiquei coordenando e resolvendo as coisas da caravana a distância."
Hoje, ela classifica como positivo o fato de não ter ido presencialmente à posse de Bolsonaro. Isso porque a empresária conta que deixou de apoiá-lo ainda durante o primeiro ano como presidente.
"Ele começou a trair os aliados, como o Bebianno (coordenador da campanha e ex-ministro de Bolsonaro), que deu a alma por aquela eleição. Depois ele começou a falar besteiras cada vez mais. É até contraditório que eu me incomode, porque a gente elegeu ele pelas falas, mas ele começou a falar muitas coisas que me incomodaram."
Ela afirma que se incomodou, por exemplo, com a ofensa de Bolsonaro à aparência da primeira-dama francesa, Brigitte Macron, e também com a falta de esclarecimentos do presidente diante das investigações referentes às denúncias de rachadinha em seu gabinete e do seu filho, o senador Flávio Bolsonaro - Bolsonaro e família negam ilegalidades durante seus mandatos.
"Começaram a aparecer várias coisas envolvendo o nome dele, então comecei a perceber que talvez ele não fosse tão honesto como a gente imaginava", diz ela, que logo deixou o movimento Endireita Fortaleza.
"Por volta de maio ou junho de 2019, me afastei de vez, porque a situação estava muito chata e o Bolsonaro se metia em muitas briguinhas."
A saída do então ministro da Justiça Sergio Moro, em abril de 2020, fez com que Paloma tivesse cada vez mais certeza de que não concordava com a conduta de Bolsonaro.
Atualmente, ela classifica que sente repulsa pelo presidente. Esse sentimento surgiu, diz Paloma, durante a pandemia de covid-19.
"Na pandemia, as coisas viraram de um jeito que até hoje tenho asco dele. Ele viu as pessoas enlutadas ou sofrendo dentro de casa. Era uma tensão, mas ele fazia brincadeira com isso, dizia que não era o fim do mundo e até imitava gente com falta de ar. Ele dizia que as pessoas tinham que deixar de frescura e de ser marica. Isso não é brincadeira que se faça", declara a empresária.
"O meu voto e o do meu filho ele nunca mais vai ver", afirma ela, que hoje compartilha vídeos contra Bolsonaro em suas redes.
Para ela, neste ano acontece a "eleição mais macabra da história" porque traz Lula e Bolsonaro como os principais nomes da disputa. "É a coisa pior e a pior coisa", diz. No primeiro turno, ela afirma que votará em Ciro Gomes. "Ele é altamente inteligente e foi um excelente governador no meu Estado".
Já em um possível segundo turno entre Lula e Bolsonaro, diz que já tomou uma decisão. "É nulo na cabeça. Não tem chance de eu votar em nenhum dos dois."
'Cada dia mais alinhado ao presidente'
Entre os que participaram de grupos para acompanhar a posse de Bolsonaro há também aqueles que mantêm o apoio ao presidente nas eleições deste ano. É o caso do vereador Lincoln Drumond, de 27 anos, de Coronel Fabriciano (MG).
Lincoln conheceu Bolsonaro após participar de movimentos favoráveis ao impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Nesse período, o hoje vereador era universitário em Belo Horizonte e começou a atuar em atos da direita na capital mineira.
Na época, ele começou a administrar páginas da direita no Facebook e tinha Bolsonaro como sua maior referência na política.
"O país precisava de uma mudança e as palavras, os posicionamentos e as verdades que ele dizia eram realmente o que todos queriam falar, mas ninguém tinha coragem. Todo mundo estava desacreditado na política e veio um político trazendo esperança e patriotismo", afirma Lincoln.
A vitória de Bolsonaro é considerada pelo vereador como "a concretização de uma esperança na política".
"Queríamos tirar aquelas pessoas que estavam no poder por muitos anos e só decepcionavam. E o Bolsonaro veio como uma mudança", afirma.
Ele avalia que a ida à posse presidencial em janeiro de 2019, em uma caravana da direita mineira, foi uma forma de fazer parte da história do país. "Entendia que estava participando de um ato histórico que poderia contar pros meus filhos", comenta. "Para mim, naquele momento como um jovem militante político, era praticamente fazer história na minha vida", acrescenta.
Por causa de Bolsonaro, Lincoln iniciou a carreira política. Em 2020, ele foi eleito vereador em sua cidade, Coronel Fabriciano.
"Só entrei na política por entender o que a gente precisava e quem fez esse levante na minha vida foi o presidente Bolsonaro. Ele despertou o patriotismo em minha vida. Não entendia nada de política, não sabia o que era ser patriota. Então, através dos seus atos, das suas palavras, dos seus incentivos, me tornei patriota, defensor da pátria, da liberdade, do conservadorismo. Entendi que precisávamos de pessoas com esse posicionamento na política", diz Lincoln.
Agora, ele concorre a deputado estadual em Minas Gerais e se define como o único candidato do presidente na região mineira em que mora, conhecida como Vale do Aço.
Na sua campanha, ele exibe com orgulho uma foto ao lado de Bolsonaro. "Estou cada dia mais alinhado ao presidente", diz à BBC News Brasil. O vereador afirma que compartilha dos "princípios éticos, morais e conservadores" do presidente.
"Sigo os trabalhos do presidente, mas obviamente coloco um pouco da minha vitalidade, da minha força de trabalho, até mesmo por ser jovem. Estou começando agora e pretendo seguir a trajetória do nosso presidente."
Para Lincoln, a gestão de Bolsonaro nos últimos anos "foi o necessário para o nosso país". "Em 2018, a gente precisava de alguém com garra, força e coragem, que trouxesse liberdade para o nosso povo e tivemos isso. Agora em 2022 precisamos da continuação desse governo para continuar a mudar a realidade da nossa população. Ele foi o necessário e continua sendo o necessário pelo momento em que vivemos."
O vereador afirma não ter dúvidas de que Bolsonaro será reeleito. "Acredito que não em primeiro turno, mas em segundo turno vai ser reeleito de lavada", diz.
'Preparado para a próxima caravana'
O servidor público Rodrigues Júnior, de 39 anos, também acompanhou a posse de Bolsonaro presencialmente. Ele, que mora em Cratéus (CE), viajou por dois dias e meio em um ônibus com outros apoiadores do presidente para acompanhar o evento em Brasília.
"Levamos mais ou menos 52 pessoas no ônibus, a maioria do pessoal fez rifa pra juntar dinheiro pra passagem, principalmente os que participaram ativamente da linha de frente da campanha de 2018", relembra.
O dia da posse, que ele considera como inesquecível, é avaliado por Júnior como a concretização de um sonho que tinha desde 2014, quando conheceu Bolsonaro e passou a almejar que o então parlamentar se tornasse presidente do país.
"Ele era diferente, falava simplesmente a verdade na cara das pessoas. Muitas vezes, os políticos falam coisas para agradar, mas ele não. Ele falava realmente o que acontecia, por isso me identifiquei com o jeito dele se expressar", comenta, ao justificar porque se tornou admirador de Bolsonaro.
E Júnior mantém o apoio ao presidente. "Acho que ele tem feito muitas coisas em cada categoria da sociedade", argumenta.
"Uma das coisas principais que ele fez foi ajudar o povo quando decretos de governadores e prefeitos (no início da pandemia de covid-19) trancavam o povo dentro de casa sem poder sair pra trabalhar. Fecharam os comércios. A economia quebrou e ele mandou dinheiro para o auxílio emergencial", diz Júnior.
"Ele realmente está do lado do povo. No momento mais difícil que o povo passou (a pandemia), ele estava lá no meio do povo. Podia muito bem estar se escondendo como os outros fizeram, mas não se escondeu", acrescenta, ao se mostrar contra medidas recomendadas por especialistas para conter o avanço da covid-19, como o isolamento social.
Júnior diz ter certeza de que Bolsonaro será reeleito. "Com certeza vai ganhar no primeiro turno, seja com quem for", afirma. "Ele não é perfeito, mas entre os que estão aí é o melhor para o bem do Brasil", acrescenta.
"A perseguição é grande para tirar ele do poder, perseguindo pessoas que o apoiam porque ele tem coragem para lutar contra todo o sistema corrupto que está enraizado desde o início do Brasil. Dizem que não tem apoio da maioria, mas temos. A gente vê isso nas manifestações que temos feito", declara Júnior.
Mesmo sem o resultado da disputa presidencial, Júnior já começou a olhar os valores de contratos com ônibus para uma possível posse presidencial de Bolsonaro em 2023. "Como é uma viagem longa, requer planejamento antes das eleições. E tudo dando certo, em novembro já queremos estar com um ônibus", diz.
'Desencantei por completo na pandemia'
Enquanto alguns pensam na possível posse de Bolsonaro 2023, a advogada Joana D'Arc Valente, de 59 anos, torce para que a cerimônia do próximo ano traga um novo presidente.
E esse pensamento de hoje em nada lembra a comemoração dela em 1º de janeiro de 2019, quando acompanhou a posse de Bolsonaro presencialmente. "Brasília ficou sitiada naquele dia, parecia cinema, o povo andando na grama e eufórico. Era até perigoso estar no meio daquela multidão, não tinha nem água para beber", relembra.
Joana é de Rio Branco (AC), mas estava em Brasília a trabalho. Ela conta que ajudou a campanha do presidente no Acre, principalmente durante o segundo turno.
"No primeiro turno, me empenhei na campanha ao governo do Acre e meu candidato ganhou. Eu já apoiava o presidente, mas o meu foco era o governo estadual. Já no segundo turno, acharam que eu também poderia ajudar o Bolsonaro, então comecei a fazer lives e desafiei a população do Acre a dar a maior votação que já se viu por aqui para um presidente da República", diz a advogada.
"O Acre, que eu chamo de Amazônia Acreana, deu uma votação histórica para o Bolsonaro, acima de 77% no segundo turno", completa.
Na posse, ela liderou um grupo de 10 a 12 acreanos em Brasília que queriam acompanhar a cerimônia. "As pessoas queriam ir para Brasília em uma caravana, com muito mais gente, mas não tinha mais lugar para ninguém se hospedar", comenta.
A decepção com o governo Bolsonaro, diz Joana, surgiu ainda nos primeiros meses do governo dele. "Não houve, por exemplo, cuidado com a floresta amazônica, com os povos indígenas ou com as populações tradicionais. Não houve preocupação com estradas que são importantes para o avanço da região", diz.
Atualmente, ela enxerga que durante a presidência Bolsonaro fez "tudo o que falava que não faria e que criticava anteriormente". "Por exemplo, ele se juntou ao Centrão e se tornou refém desse Centrão", diz.
"Hoje vejo o Bolsonaro como um bon vivant carioca que tinha seus votos para se eleger deputado federal, entrou no barco para ser Presidente da República porque todo mundo queria alternar o poder, mas ele não se comporta como um presidente", afirma Joana.
Para ela, qualquer chance de apoiar novamente Bolsonaro acabou de vez durante a pandemia. "Pra mim, isso foi crucial, desencantei por completo pelo Bolsonaro. Ele não teve postura de presidente, não teve nenhum tipo de empatia ou humanidade."
E sobre a disputa presidencial deste ano, Joana afirma que prefere não manifestar apoio. "Vou ficar de camarote assistindo a esbórnia institucional que se instalou na Terra Brasilis."
"Mas não posso deixar de te falar que o Lula tem história com o Acre, conhece a região de ponta a cabeça. Já o Bolsonaro passou em Rio Branco igual a um cometa. Porém é isso, na eleição de 2018 era café com leite (PT ou Bolsonaro) e agora é leite com café (Bolsonaro ou PT)."
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62844503
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