Jornal Estado de Minas

ELEIÇÕES 2022

Polarização deve reduzir as abstenções de voto


Num confronto entre dois projetos políticos e culturais opostos, o comparecimento de eleitores às urnas tende a crescer nestas eleições presidenciais de 2 de outubro em relação aos pleitos anteriores, assim como ocorreu nas eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos. Esta é a avaliação de Solange Simões, PHD em sociologia, professora da Eastern Michigan University e delegada-líder do grupo de estudos “Sociologists for Women in Society” junto à Organização das Nações Unidas (ONU).




 
Entretanto, o aumento esperado da participação política eleitoral não se distribui igualmente entre homens e mulheres; entre eleitores de diferentes escolaridade e renda. É o que mostra um estudo inédito que analisou o perfil comparecimento dos 117,36 milhões que foram às urnas no primeiro turno em 2018, realizado pelo cientista político Jairo Nicolau, professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas/FCPDOC e autor do livro “O Brasil dobrou à direita: a radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018” (Zahar, 2019).
 
Naquela eleição, mulheres foram mais às urnas do que homens; e pessoas de baixa escolaridade - variável correlacionada à renda - participaram menos das eleições. Se no próximo domingo for mantido o mesmo padrão, Lula tende a se beneficiar, por um lado, pela maior votação de mulheres em relação aos homens. Mas por outro lado, Jair Bolsonaro colheria melhor desempenho entre eleitores de maior renda, variável fortemente correlacionada à maior escolaridade formal, estrato que em 2018 compareceu mais às urnas. 


“Além de serem maioria no eleitorado, as mulheres compareceram mais do que a dos homens às urnas no primeiro turno de 2018: 80,4% das eleitoras e 79,2% dos eleitores. A maior participação eleitoral das mulheres beneficia a candidatura de Lula. Os números são pequenos, mas lhe favorecem”, afirma Jairo Nicolau.




 
Também a escolaridade do eleitor demonstra ser um fator decisivo para o comparecimento eleitoral: o percentual cresce de maneira constante à medida que aumenta a faixa de escolaridade, analisa o cientista. “Como os eleitores de baixa escolaridade de Lula comparecem menos do que os de escolaridade alta e média, a maior abstenção daquele grupo poderá prejudicar Lula, se a campanha dele não atuar de forma decisiva para estimular este segmento a votar”, afirma Jairo Nicolau.
 
Em média mulheres votaram mais do que homens em 2018, mas esse comparecimento não se distribuiu uniformemente (foto: Alexandre Schneider/AFP - 7/12/2018)
Até agora, as pesquisas indicam que Lula lidera com folga entre os eleitores que cursaram até o fundamental completo ou não foram à escola. “Em 2018, a escolaridade foi um fator fundamental para a vitória de Bolsonaro (ele obteve amplo apoio dos eleitores de média e alta escolaridade). Este ano, a convocação para que os eleitores de baixa escolaridade (e baixa renda) saiam de casa no dia 2 de outubro pode ser decisiva para Lula”, reitera Jairo Nicolau.

Perfil das abstenções

Marcado pelo viés de classe social e de gênero, o comportamento eleitoral nesta eleição presidencial tende a ser impactado pela maior abstenção de grupos de eleitores com essas características. É assim que o estudo de Jairo Nicolau apresenta particular interesse para os prognósticos de participação política eleitoral no primeiro turno no próximo domingo. Além de apontar que em 2018 mulheres, em média, votaram mais do que homens, esse comparecimento não se distribuiu uniformemente entre diferentes grupos de escolaridade e de faixa etária.



A abstenção foi maior no grupo de mulheres de 60 anos ou mais, que nunca estudaram, associado à baixa renda familiar. A participação nas eleições de 2018 foi também crescente entre faixas etárias de 16 a 59 anos, voltando a declinar entre 60 e 69 anos e alcançando o menor patamar, entre idosos de 70 anos ou mais. A participação política foi sempre crescente e maior, à medida que aumentam os anos de estudo formal. 

Motivações e reflexos nos EUA

Em roteiro paralelo de muitas similaridades com o atual contexto brasileiro, nas eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos, quando Joe Biden derrotou Donald Trump, a polarização de pautas centrais para o eleitorado carreou às urnas o recorde de eleitores americanos: 66,7% das pessoas com direito ao voto, algo que não se via desde o início do século passado. Nos EUA, o sufrágio é facultativo.
Para além de questões locais, de cada cidade, frequentes nos pleitos municipais, nesta sucessão presidencial brasileira também estão postas motivações amplas que confrontam valores centrais de grande parte da população.




 
De diferentes maneiras, mulheres e minorias são alvos preferenciais dessa cultura da violência e por isso, tendem a se posicionar mais fortemente.
Por outro lado, entrecortado pelo voto de classes sociais média e alta, também contra-atacam os defensores de um estado de viés autoritário e personalista, assim como aqueles que se apegam ao fundamentalismo religioso como guia para vida e das narrativas em torno de pautas de retrocesso aos direitos civis e identitários. Estes convocam para seguir com a “cruzada” cultural, para aquilo que vislumbram como uma “guerra santa” de múltiplas dimensões. É desse confronto que emerge a expectativa de maior participação de eleitores. 
Além de serem maioria no eleitorado, as mulheres compareceram mais do que a dos homens às urnas no primeiro turno de 2018 (foto: Evaristo Sá/AFP - 7/12/2018)
 
Os EUA vivem cenário com muitas similaridades. “Aqui, a mobilização em torno de pautas fundantes da democracia tem levado à maior participação nas eleições. O maior comparecimento foi verificado em 2020 e também é projetado para as eleições em novembro deste ano, em que, contrariamente aos pleitos anteriores, há registro de crescimento no número de eleitores, principalmente democratas e independentes, que temem a volta de Trump e os horrores de 6 de janeiro, quando houve a invasão do Congresso”, constata a PHD Solange Simões, professora da Eastern Michigan University, integrante do Comitê Mulher e Gênero na Sociedade da Associação Internacional de Sociologia.
 
“Esse eleitorado está se mobilizando contra a ascensão da extrema direita, contra as ameaças à democracia, contra a violência política, contra a crescente imposição de barreiras à participação eleitoral de negros e também contra o retrocesso imposto às mulheres, como a recente revogação pela Suprema Corte Americana do direito ao aborto”, avalia a socióloga. 





Diferenças e tendências entre os votos

O eleitorado nos EUA, também como no Brasil, é majoritariamente de mulheres. “Em seu conjunto, as mulheres americanas, à exceção das mulheres brancas, têm por vários ciclos eleitorais votado majoritariamente em candidatos do Partido Democrata e em pautas progressistas. Podemos dizer, que nos EUA e no Brasil  há outro tipo de polarização com potencial para grande impacto nos resultados e participação eleitoral: as diferenças e tendências entre os votos das mulheres e dos homens”, afirma Solange Simões.
 
A socióloga traça o paralelo entre a ascensão de pautas antidemocráticas aos direitos civis no Brasil e nos Estados Unidos e afirma: “Há a reemergência da extrema direita voltada para o ódio na política e para o autoritarismo, com ações nos estados americanos para a intimidação do eleitor negro, visando a diminuição de sua participação e ameaças às conquistas de direitos de mulheres e minorias.

A reação a estas pautas, que na eleição de Donald Trump, em 2016, levou às urnas um maior contingente até então identificado de homens brancos e de baixa escolaridade, agora impulsionado à mobilização principalmente mulheres não brancas e pessoas progressistas que nem sempre compareciam para votar”. 





A evolução da abstenção brasileira

Depois de um longo jejum imposto pela ditadura militar em 1964, sem direito a votar para a Presidência da República, 1989 registrou no Brasil o recorde de participação político-eleitoral: 88,07% compareceram às urnas para escolher o presidente da República. Ao longo das eleições que se seguiram, o índice de abstenção variou segundo um conjunto de fatores políticos, conjunturais e burocráticos.
 
Os pleitos presidenciais de 2002 e de 2006, eleição e reeleição de Lula, apresentaram a segunda e terceira maior taxa de participação eleitoral após a redemocratização: 82,26% e 83,25%. Nas três eleições seguintes, a abstenção cresceu sucessivamente: 18,62% em 2010; 19,39% em 2014; e 20,32% em 2018.


Para além do desalento político, há outros fatores de ordem burocrática que também explicam esse aumento. “Uma parte da abstenção registrada ao longo do tempo decorre de problemas com o cadastro e também com problemas de domicílio eleitoral: o eleitor está morando em outra cidade ou estado e por diversas razões, não viaja para votar”, afirma o cientista político Jairo Nicolau, professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas/FCPDOC.




 
O recente recadastramento do eleitorado brasileiro com biometria, vai reposicionar a situação de muitos eleitores que não compareceram em suas respectivas cidades de origem, melhorando a qualidade do cadastro. Até este momento, dos 156.454.011 eleitores registrados junto à Justiça Eleitoral, 75,52% tiveram o recadastramento biométrico realizado.
 
Se por um lado, com a maior parte do cadastro eleitoral atualizado, a abstenção tende a cair - fator este que se soma à polarização eleitoral em torno de pautas centrais para a vida das pessoas - por outro, a facilidade para justificar o não comparecimento, agora em aplicativo, pode se tornar um incentivo ao eleitor menos interessado em política a se abster, considera o cientista político. “Além de uma eleição muito disputada, o que favorece a participação, o recadastramento vai ajustar os eleitores às suas seções, ambos fatores que contribuem para diminuir a abstenção.