Do futuro de Jair Bolsonaro (PL) ao da Procuradoria-Geral da República, que entre outras funções é responsável por investigações sobre políticos com foro privilegiado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem se esquivado de perguntas importantes, a menos de uma semana do primeiro turno das eleições.
Líder em todas as pesquisas de opinião, ele decidiu não ir ao debate promovido pelo SBT no sábado (24) e à série de sabatinas promovidas pela TV Record nesta semana.
O petista tem sido criticado pelas ausências, justificadas por problemas de agenda e questionamentos sobre ordem de entrevistas, já que seu partido foi particularmente crítico, em 2018, quando Bolsonaro faltou a uma série de debates, especialmente no segundo turno.
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Lula, por outro lado, participou nesta campanha de sabatinas na TV Globo e na CNN e do debate promovido pela Band. Também anunciou que estará no debate final do primeiro turno, na Globo, que irá ao ar na quinta-feira (29).
Em seus últimos encontros com a imprensa, o ex-presidente deixou de responder a temas críticos na campanha.
A BBC News Brasil procurou a campanha de Lula, que não respondeu a nenhum dos questionamentos até a publicação desta reportagem. Confira a seguir quatro perguntas importantes deixadas sem resposta pelo ex-presidente.
Lista tríplice
"Quero deixar eles com uma pulguinha atrás da orelha. Primeiro preciso ganhar as eleições. Esse negócio de prometer as coisas antes de vencer as eleições é um erro."Foi assim que o presidente respondeu à jornalista Renata Vasconcellos, no Jornal Nacional, quando perguntado se respeitaria ou não a tradicional lista tríplice da Procuradoria-Geral da República.
A lista é tradicionalmente encaminhada à Presidência da República e dos demais poderes pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República).
Ela reúne os três nomes mais votados por membros do Ministério Público Federal para ocupar o cargo de Procurador-Geral da República. Os candidatos devem ser membros ativos do órgão e precisam ter mais de 35 anos - a votação é secreta.
Desde 2003, primeiro ano de mandato de Lula, todos os presidentes com exceção de Jair Bolsonaro respeitaram a lista com indicações dos procuradores.
Até o governo de Michel Temer (PMDB), todos os presidentes escolheram o mais votado da lista. O peemedebista inovou ao escolher a segunda colocada.
Já Bolsonaro ignorou as sugestões e escolheu Augusto Aras, que não aparecia na relação.
A reação dos procuradores foi forte - em nota, à época, eles disseram que Bolsonaro ignorava "o princípio da transparência".
Em Brasília, especula-se que o mistério criado pelo presidente seja uma forma de negociar com parlamentares do chamado Centrão, que tem membros que abertamente defendem o fim da lista. Por outro lado, uma eventual recusa à lista abriria uma crise com promotores e procuradores no Ministério Público.
À Globo, Lula disse ainda defender a independência da PGR. "Eu não quero procurador leal a mim. O procurador tem que ser leal ao povo brasileiro, ele tem que ser leal à instituição".
Anistia a Bolsonaro?
O ex-presidente Michel Temer (MDB) surpreendeu a muitos ao sugerir um "pacto de pacificação" que poderia incluir uma "anistia ao passado" em nome da reconstrução do país.
A anistia poderia beneficiar Jair Bolsonaro - que à frente da Presidência não foi processado ou condenado - em caso de não reeleição.
O presidente pode ser alvo de uma série de questionamentos legais, desde supostos crimes de responsabilidade em sua gestão da pandemia do coronavírus até o patrimônio e imóveis acumulados por sua família, além de suposta interferência política em órgãos como a Polícia Federal.
"O ideal seria fazer um grande pacto nacional, como aconteceu na Espanha. E quem for eleito chama a oposição, os 27 governadores eleitos, os chefes de poderes e organizações da sociedade civil para trabalhar até a posse. Quero ver quem se oporia a isso. As pessoas respirariam aliviadas. Isso seria o ideal", disse em debate organizado pelos jornais O Globo e Valor Econômico, em 20 de setembro.
Questionado se a ideia de anistia a Bolsonaro não abriria caminho para impunidade no país, Temer foi vago.
"Quando falo nesse pacto de pacificação, estou imaginando que seria verificado, se houver anistia, o que é anistiável e o que não é. Mas seria um gesto de harmonia no país."
Temer se referia ao Pacto espanhol de Moncloa, de 1977, que inspirou a Lei da Anistia no Brasil - alvo de controvérsia entre defensores de direitos humanos, já que tornou impunes tortura e perseguição política no Brasil durante a ditadura.
"A Constituição é pautada pela paz", disse o ex-presidente.
"Outro dia eu fui em um debate e alguém me perguntou se eu ia anistiar o Bolsonaro. Eu fiquei com vontade de perguntar para o jornalista: você sabe que crime ele cometeu? Porque eu não vou tomar posse com espírito de vingança de ninguém", disse Lula recentemente a apoiadores.
Ele possivelmente se referia a sua entrevista à CNN Brasil, quando foi questionado diretamente se apoiaria uma anistia a Bolsonaro.
Em resposta ao apresentador William Waack, Lula enumerou uma série de episódios de violência política contra seus apoiadores, mas não respondeu a possibilidade de perdoar eventuais crimes de Bolsonaro.
"Desde que eu comecei a fazer política, eu nunca tinha visto, nunca assisti, e disputei todas as eleições, eu nunca tinha visto um comportamento incivilizado como eu estou vendo agora, sabe? Já houve duas mortes em 2018, já houve tiro, já houve bomba no meu escritório, duas mortes agora. Semana passada mataram mais um cidadão", disse.
Ele continuou, sem responder a pergunta sobre a anistia.
"Deixa eu te dizer uma coisa, você não vai querer presidir o país para tentar instigar, sabe, a confusão. Ou seja, esse país precisa de paz para crescer. Esse país precisa de paz para melhorar e quem pode fazer isso é o Presidente da República, é o comportamento dele que dita um pouco as regras do que vai acontecer na sociedade. E esse atual presidente vive disso, ele vive de provocar, ele vive de instigar, ele vive de desrespeitar, ele vive de ofender ministro da Suprema Corte."
Dinheiro para auxílio e plano de governo
Lula teve uma série de trocas de farpas no único debate em que se encontrou pessoalmente com Jair Bolsonaro nestas eleições.
Em 29 de agosto, no debate da Band, ambos foram questionados sobre de onde viriam os recursos para financiar a continuidade do atual Auxílio Brasill em R$ 600 reais.
A resposta do atual presidente foi vaga: "Não roubando, não metendo a mão no bolso do povo", disse, acusando o opositor de corrupção.
Lula, por sua vez, disse haver "mentira no ar", já que Bolsonaro prometeu manter o auxílio em R$ 600, apesar disso não estar previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias - que registra uma queda para R$ 400 no benefício a partir de 2023.
Assim como Bolsonaro, Lula não explicou como conseguirá financiar o benefício.
Ao contrário do anunciado pelo PT em junho deste ano, o partido também recuou em divulgar seu plano completo de governo "aos moldes das candidaturas modernas, enxuto, didático e inovador, com cerca de 50 páginas", prometido para o mês de setembro.
A equipe do presidente entregou ao Tribunal Superior Eleitoral um documento de 21 páginas, onde não aparecem algumas de suas promessas de campanha, como isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil.
Paridade de gênero
O presidente foi alvo de questionamento de apoiadores históricos, como a deputada Jandira Feghali, ao se esquivar de uma pergunta sobre equilíbrio entre homens e mulheres em seus ministérios, caso eleito.
Questionado no debate da Band sobre igualdade de gênero no comando dos ministérios, Lula disse que "vai indicar as pessoas que têm capacidade para assumir determinados cargos".
"Não sou de assumir compromisso, de me comprometer a fazer metade, indicar religioso, indicar mulher, indicar negra, indicar homem", afirmou.
Ao Estadão, Feghali disse que Lula poderia ter sido mais contundente.
"Lula sempre teve uma política feminista no governo dele. Poderia ter afirmado um porcentual mínimo, não precisava ter ficado na defensiva. Tem que ter resposta concreta", disse a parlamentar.
Em sua resposta, Lula se disse "orgulhoso" por ter indicado Joaquim Barbosa, primeiro ministro negro do STF, e a ministra Carmen Lúcia.
Recentemente, no Maranhão, o petista afirmou que vai recriar o Ministério das Mulheres, extinto por Bolsonaro.
"Não vai ser mais uma secretaria, vai ser um ministério. As mulheres são maioria nesse país, e já provaram que têm competência para exercer qualquer função e em qualquer lugar do mundo e aqui no Brasil também. Eu já tive o prazer de ter sido o presidente que indicou a primeira mulher para governar esse país."
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62796003
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