Era de se esperar que, adentrando a madrugada da antevéspera das eleições, o alvo principal do último debate presidencial fosse o líder das pesquisas, com possibilidade matemática de vencer o pleito em primeiro turno. Ataques virulentos e pessoais foram a tônica de uma maratona desgastante de quatro horas, inclusive para quem assistiu. Sobraram narrativas bizarras que até em mesa de bar causam estranhamento, aterrissadas do submundo virtual das bolhas bolsonaristas, em meio às quais ganhou destaque uma obscura personagem, que se anunciando “padre”, se comportou como político do mais “baixo clero”: padre Kelman foi o representante escalado por Roberto Jefferson, condenado e preso pela participação no Mensalão, para auxiliar explicitamente um Jair Bolsonaro - que se esforçou para não atacar as candidatas mulheres.
Não à toa, o “padre” foi chamado em diferentes momentos primeiro por Soraya Thronicke e depois por Lula, nessa ordem de “padre de festa junina”, “candidato laranja” e impostor “fantasiado de padre”, expressões que aos mais argutos observadores fazem jus à situação: antes Kelman sentou-se ao lado de Bolsonaro, com quem trocou papeis com instruções de perguntas. As imagens do flagrante circulam hoje, viralizadas nas redes. Bolsonaro e Kelman agiram em dupla, durante o evento midiático, em que as maiores vítimas foram os planos de governo e os fatos.
Bolsonaro teve ainda o apoio do candidato do Novo, Felipe d’ Ávila, que levantou a bola para que o presidente atacasse o ex-presidente. D’Ávila usou réguas diferentes para se indignar, de um lado com o “Mensalão” e o chamado “Petrolão”; e, por outro, com o Orçamento Secreto, sangria desatada aos cofres públicos no atual governo. Sobre este, como de costume, Bolsonaro lavou as mãos e lançou sobre terceiros a responsabilidade: a excrescência com a qual coopta apoio político foi atribuída à Geni, digo, ao Congresso. D’Ávila foi reiteradamente seletivo em sua indignação contra a corrupção: evitou os níveis mais detalhados de denúncias que pairam sobre o governo Bolsonaro no MEC, na compra de vacinas, para não mencionar as conhecidas “Rachadinhas” e a predileção daquela família pela aquisição de imóveis em espécie. Estas foram questões apontadas principalmente por Simone Tebet, Soraya Thronicke e Lula. D’Ávila também comprou narrativas rasteiras, tentando associar Lula a países governados por uma demonizada “esquerda”.
D’Ávila se apresentou como uma espécie de “Ken de terno”, marido da boneca Barbie: impostado, repetitivo em jargões elitistas, não transmite emoção, o que seria realmente difícil para quem tenta vender uma pauta ultraliberal a um país em que 30 milhões passam fome. Além de atacar Lula e poupar Bolsonaro, linha que daqui para frente crescentemente deverá marcar o discurso político de Romeu Zema, - que até aqui se pretendia neutro para não perder intenções de votos da base “Lulema” - , D’Ávila aproveitou os seus momentos de exposição para propagandear o seu partido Novo, que faz seleção de candidatos mediante inscrição paga: indicou o governador de Minas, que se prepara para disputar em 2026 as eleições presidenciais, como referência em probidade e gestão.
Para quem conhece e está habituado aos modos, o tom de Bolsonaro foi de falsete, de certo cinismo quando interagiu com as candidatas Tebet e Thronicke. Após uma abertura nervosa em que jorrou sobre Lula trechos de acusações desconexas, não apenas apontando o dedo que se pretende vestal, como se em seu governo e em sua família denúncia de corrupção não houvesse; mas também vocalizando velhas teorias do submundo das fake news, que tentam associar Lula ao assassinato do ex-prefeito de Campinas, Celso Daniel. Em vez de fazê-lo diretamente a Lula, Bolsonaro usou Simone Tebet para endereçar ao petista a pergunta. A estratégia foi rebatida por Tebet, que manteve uma articulada participação, coerente com a sua atuação na CPI da Covid, mas que tampouco poupou críticas aos governos do PT. Tebet sai deste show pronta para concorrer em 2026 como a principal candidata à terceira via, posto até aqui atribuído a Ciro Gomes. Este, se saiu bem quando conseguiu expor algumas de suas propostas. Mas mirando excessivamente a árvore, Ciro se perdeu da floresta, num alinhamento político ditado mais pelo fígado do que pela razão, ora em apoio a Bolsonaro para atacar Lula; tentando compensar, nos últimos blocos, em críticas menos contundentes a Bolsonaro.
Lula se defendeu com mais ênfase do que no debate da Band e, foi mais firme em diversas passagens invertendo a argumentação com a indicação de muitas das incoerências lançadas por seus adversários. Em alguns momentos se saiu bem em discurso mais propositivo, como ao defender políticas afirmativas para a compensação histórica da herança escravocrata. Mas, no frigir dos ovos, a participação de Lula foi mais defensiva, deixando a impressão de não ter conseguido capturar indecisos. Se é que alguém o fez, Simone Tebet se não foi vencedora agora, pavimentou o seu caminho para o Planalto. As narrativas não contribuíram para um debate propositivo, esclarecedor, que abordasse os verdadeiros problemas do Brasil.
O "Beabá da Política"
A série Beabá da Política reuniu as principais dúvidas sobre eleições em 22 vídeos e reportagens que respondem essas perguntas de forma direta e fácil de entender. Uma demanda cada vez maior, principalmente entre o eleitorado brasileiro mais jovem. As reportagens estão disponíveis no site do Estado de Minas e no Portal Uai e os vídeos em nossos perfis no TikTok, Instagram, Kwai e YouTube.