Banhado pelo Rio São Francisco, Itacarambi, de 18,17 mil habitantes, no Norte do estado, foi o município mineiro onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve mais votos na última eleição presidencial que disputou, em 2006. Na ocasião, Lula alcançou 81,45% votos em Itacarambi, por causa de uma união inédita na cidade, da oposição (formada pelo PT) e da situação, comandada pelo então prefeito José de Paula Ferreira, O Zé de Paula, um antigo “chefe político” da cidade, falecido em 2019. Após a eleição de 2006, na qual o petista foi reeleito presidente, a “aliança” formada em torno do nome dele em Itacarambi foi desfeita. Na eleição deste ano, tanto Lula como o seu principal adversário, o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) recebem apoios de grupos locais.
O ex-presidente tem como o trunfo o fato de que o PT sempre venceu as eleições para presidente da República no município, considerado um “reduto” do partido, assim como outras pequenas cidades de baixa renda do Norte de Minas. Com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,641, Itacarambi tem 2.654 famílias atendidas do Programa Auxilio Brasil (ex-Bolsa-Família) e 4.659 inscritos no Cadastro Único ( CadÚnico) de benefícios do Governo Federal, segundo dados do Ministério da Cidadania.
Itacarambi ganhou destaque na imprensa nacional por um fato triste ocorrido em dezembro de 2007, quando um tremor de terra, de 4,9 graus na escala Richter, dizimou a comunidade de Caraíbas, na zona rural do município, e causou a morte de uma menina de 5 anos, a primeira (e até hoje a única) vítima de um abalo sísmico do Brasil.
Em 2006, o grupo da oposição que apoiou Lula em Itacarambi era liderado pelo comerciante Sebastião Alves dos Santos (PT), o Tiãozinho do PT, que era vereador na cidade, na ocasião. Ele recorda que, dos 13 vereadores da cidade, apenas três eram contrários à gestão então prefeito Zé de Paula. “Apesar de apoiar o mesmo candidato a presidente da República, fizemos campanhas paralelas, sem subir no mesmo palanque juntos”, recorda Tiãozinho do PT. Ele reconhece que a influência de Zé de Paula era “muito forte” no município. “Mas, fomos nós que saímos nas ruas, com bandeiras, pedindo votos para Lula”.
O comerciante, que foi candidato a prefeito em 2020 e ficou em quarto lugar, não exerce hoje cargo eletivo, mas continua sendo uma das principais lideranças do PT em Itacarambi, onde coordena novamente a campanha de apoio a Lula. Ele disse que reconhece que Jair Bolsonaro tem apoio de segmentos da comunidade local, como dos evangélicos e de empreendedores, mas está confiante de que o PT terá novamente uma vitória expressiva na cidade ribeirinha, como foi na eleição presidencial anterior.
No segundo turno da eleição de 2018, O então candidato a presidente pelo PT, Fernando Haddad, teve 68,97% dos votos na cidade contra 11,03% dados a Jair Bolsonaro (então, filiado no PSL). “Acredito que Lula terá cerca de 70% dos votos no município”, diz Tiãozinho. Atualmente, o PT tem apenas um vereador na cidade, João Campos. “Mas, aqui, hoje, as pessoas não acompanham muito as lideranças”, comenta o petista.
O pedreiro Aguinaldo Soares de Oliveira, de 55 anos, morador de Itacarambi, declara abertamente que vai apartar o número 13 de Lula para presidente neste domingo, 2 de outubro. “Nossa região precisa muito de emprego. Se ele ganhar, acho que as coisas poderão melhorar”, justifica, acrescentando que é um “apoiador histórico” do PT. “Toda vida votei no PT. Trabalhei mais de 20 anos em São Paulo e passei a acompanhar o partido”, confessou.
A dona de casa Maria da Conceição de Oliveira, de 55, também revelou que vai votar em Lula neste domingo. “Acho que o Lula fez um bom governo”, afirmou Maria da Conceição, reclamando da situação de extrema pobreza em que vive em Itacarambi. Ela disse que sua família sobrevive com a renda por seus filhos, que têm deficiências e recebem o Benefício da Prestação Continuada (BPC), um salário mínimo (R$ 1.212,00) cada um.
Apoio foi pedido por ex-ministro
A grande votação que Luiz Inácio Lula da Silva teve em Itacarambi em 2006 se deve à atuação do então prefeito José de Paula Ferreira. Natural de Frutal, no Triângulo, Zé de Paula, mudou-se para Itacarambi (um antigo distrito de Januária, que se chamava Jacaré) e tornou-se o maior líder político da história do município, que administrou por quatro mandatos – era considerado “sistemático” e carismático ao mesmo tempo. Ele faleceu em 2019, aos 96 anos.
Em 2006, o grupo situacionista se juntou à oposição no apoio a Lula no município somente em função da liderança de Zé de Paula. O então prefeito decidiu apoiar a reeleição do petista em atendimento a pedido do ex-ministro Walfrido Mares Guia, com quem Zé de Paula mantinha boas relações. Familiares do ex-ministro tem investimentos na região.
A história é recordada pelo comerciante Paulo Rodrigues de Souza, o Paulão, que era vice-prefeito da cidade na época. “O Zé de Paula era totalmente contra o PT e decidiu apoiar o Lula por causa de um pedido do Walfrido. Como o Zé de Paula praticamente construiu nossa cidade, por causa dele passamos a apoiar o Lula. Mas posso dizer que foi contra a nossa vontade. Não era nossa intenção votar no Lula”, relata.
Ele disse que o então chefe do executivo não chegou obrigar ninguém do seu grupo a votar no petista. “Mesmo assim, todos os correligionários apoiaram o Lula em respeito ao Zé de Paula”, afirma o ex-vice-prefeito.
Paulão afirma que, passada a eleição de 2006, ele retornou à sua “origem” e não teve mais nenhum contato com o PT. Em 2010, apoiou para presidente José Serra (PSDB) contra Dilma Rousseff (PT). Já afastado do grupo de Zé de Paula, ele voltou a exercer outro mandato de vice-prefeito, entre 2013/2016, junto com o ex-prefeito Ramon Campos (PDT).
Na atual campanha, filiado ao Avante, Paulo Rodrigues de Souza disse que está empenhado em apoiar o atual presidente da Republica. “Sou Bolsonaro até debaixo d'água”, afirma Paulão. “O PT de hoje não é mesmo daquele de 2006”, diz
Embora o PT tenha um histórico de vitórias nas eleições presidenciais em Itacarambi, o ex-vice-prefeito diz que está na expectativa de que, desta vez, será diferente. “Acho que as pessoas vão votar contra o PT por causa do envolvimento do partido com a corrupção. Além disso, temos aqui um grupo que está muito empenhado na campanha do Bolsonaro. Se ele não ganhar a eleição em Itacarambi, vai ficar no 'quase'”, acredita.
“O Lula acostumou o povo somente a receber o dinheiro de graça sem fazer nada. Hoje, se a gente procura um servente de pedreiro aqui para fazer um serviço, não encontra. Não pode dar para o povo ribeirinho somente o peixe, mas o anzol para pescar”, critica.
Outro apoiador de Bolsonaro na cidade é ex-vice-prefeito Girleno Rodrigues de Oliveira, o Juquinha. Ele elogia as medidas econômicas adotadas pela atual gestão federal, que, na sua opinião, “organizou vários setores do país”. “Com a pandemia, se o Brasil tivesse outro governante que não tivesse adotado as medidas que o Bolsonaro tomou, o Brasil estaria quebrado”, declarou. “Acredito que o povo está enxergando a verdade e as coisas a favor do governo enquanto a mídia só mostra o contrário”, completou.