O Brasil enfrenta semanas de grande incerteza política, após um primeiro turno que derrubou as previsões das pesquisas e arrebatou as chances de Lula chegar à presidência sem a necessidade de um segundo turno contra Bolsonaro.
O ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva, de 76 anos, obteve 48% dos votos contra o presidente ultradireitista, com 43%, longe da vitória confortável prevista pelas pesquisas. Tampouco conseguiu ultrapassar os 50% necessários para evitar um segundo turno em 30 de outubro.
A vantagem de cinco pontos deixou a definição em aberto e projeta semanas de uma campanha intensa e agressiva em um país profundamente dividido, segundo os analistas consultados pela AFP.
Leia Mais
Bolsonaro sobre 2º turno: 'Nunca perdi uma eleição e não será agora'Lula recupera maioria das cidades que deixaram PT nas eleições de 20182° turno: Lula e Bolsonaro recomeçam campanha nesta segunda-feira (3)Lula e Bolsonaro vencem em cidades que tiveram recorde em eleições passadasOs números de domingo corresponderam ao cenário "otimista" defendido pela equipe de campanha de Bolsonaro, de 67 anos, deixando-o com chance de reeleição.
- "Final aberto" -
"O final está aberto e em situação equilibrada. Bolsonaro terá apoio mais forte do que Lula em estados importantes", comentou Leandro Consentino, cientista político do instituto Insper.
Ele citou os casos do Rio de Janeiro, onde o governador alinhado a Bolsonaro, Cláudio Castro, foi reeleito no primeiro turno; São Paulo, que terá um segundo turno com um ex-ministro de Bolsonaro como favorito, e Minas Gerais, onde venceu um governador com perfil anti-petista.
Os três estados reúnem 40% dos eleitores.
O bolsonarismo também saiu mais forte nas eleições legislativas e de governadores.
Bolsonaro admitiu que "tem muito voto que foi pela condição do povo brasileiro, que sentiu o aumento dos produtos. Em especial, da cesta básica. Entendo que há uma vontade de mudar por parte da população", mas disse que "tem certas mudanças que podem vir para pior",
Lula, que planejava comemorar sua vitória no primeiro turno, admitiu que terá que lutar por cada voto.
"Isso para nós é apenas uma prorrogação", "vamos ter que viajar mais, fazer mais atos públicos, mais comícios", disse o ex-presidente (2003-2010).
O esquerdista passou seus últimos dias de campanha pedindo um voto "útil" para derrotar o presidente no primeiro turno.
Por sua vez, Ciro Gomes, implacável com Lula e Bolsonaro, "desidratou" na reta final, ficou em quarto lugar com 3% e seus votos "se mostraram úteis" para Bolsonaro, explicou Adriano Laureno, analista da consultora Prospectiva.
Marco Antonio Teixeira, cientista político da Fundação Getúlio Vargas, disse que a senadora Simone Tebet, terceira com 4%, e Ciro Gomes, podem ter "papel relevante" no segundo turno se declararem apoio a Lula ou Bolsonaro.
Tebet prometeu que anunciaria sua posição no "momento certo", enquanto Ciro Gomes pediu tempo para se manifestar.
- Falta de propostas -
A campanha de Lula foi "excessivamente retrospectiva, centrada apenas nas realizações dos seus mandatos anteriores", avaliou Paulo Calmon, cientista político da Universidade de Brasília (UnB).
"Faltou uma discussão mais prospectiva, apresentando planos para o futuro e contrapondo o discurso bolsonarista centrado excessivamente na pauta de costumes e nas questões de corrupção", acrescentou.
Durante a campanha, Bolsonaro atacou, sem provas, a confiabilidade das urnas eletrônicas, o que gerou temores sobre a atitude que adotaria.
No domingo, evitou comentar sobre a transparência do processo e disse que aguardaria um posicionamento das Forças Armadas sem ser mais explícito.
O presidente, que também havia questionado as pesquisas, garantiu que derrotou "a mentira" das pesquisas.
Bolsonaro tem governado em meio a crises, principalmente com uma gestão questionável da pandemia e um constante desafio às instituições democráticas. Mantém sólido apoio entre o eleitorado evangélico, agronegócio e setores conservadores.
Lula, que presidiu o Brasil em um período de forte crescimento e deixou o poder com um índice de popularidade invejável, volta à arena política sem conseguir se livrar da mancha da corrupção, embora suas condenações no escândalo "Lava Jato" tenham sido anuladas.
Libertado em 2019 após 19 meses de prisão, conta com o apoio das classes populares, mulheres e jovens.
"O segundo turno promete ser uma disputa acirrada. O presidente vai investir para diminuir sua rejeição entre jovens e mulheres e, ao mesmo tempo, aumentar a do PT, demonizando-o", disse Calmon. "Será uma campanha agressiva e de baixo nível", acrescentou.