Em todo o país, as eleições registraram aumento no número de candidaturas autodeclaradas de indígenas em relação ao pleito de 2018. De acordo com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), elas passaram de 133 para 186, crescimento de 40%. Em 2014, eram 85. As mulheres indígenas, que compõem a maioria entre os eleitos, tiveram crescimento ainda maior no número de candidaturas: de 49 em 2018 para 82 neste ano.
No campo progressista, os movimentos indígenas elegeram Sonia Guajajara (PSOL-SP), coordenadora da Apib, e Célia Xakriabá (PSOL-MG). Ambas venceram com agenda antibolsonarista, que inclui o combate ao garimpo ilegal, a preservação da cultura dos indígenas e do ambiente e a contenção de projetos como a regulamentação da exploração do solo em terras indígenas e a tese do marco temporal, que considera territórios indígenas apenas os ocupados na promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
O PT terá em 2023 mais três parlamentares que se afirmam indígenas: Wellington Dias (PI), no Senado, e Paulo Guedes (MG) e Juliana Cardoso (SP) na Câmara. Ao mesmo tempo, o bolsonarismo elegeu dois nomes autodeclarados indígenas para o Congresso: Silvia Waiãpi (PL), para a Câmara pelo Amapá, e o atual vice-presidente, Hamilton Mourão (Republicanos), que será senador pelo Rio Grande do Sul.
Em 2018, movimentos indígenas já haviam questionado a autodeclaração de cor de Mourão. Em 2022, ele inicialmente se identificou como branco, depois atribuiu o dado a um erro de preenchimento no site do TSE e alterou a declaração para indígena, o que gerou críticas, como as de Xakriabá, para quem a inclusão de Mourão entre o grupo é um erro, já que, segundo ela, o vice não atua em prol dessa parcela.
"É uma questão antropológica. Quando o indígena se reconhece e é reconhecido pelo coletivo, a primeira coisa que faz é assumir a luta indígena. E não basta apenas estar comprometido, tem que entender a emergência dessa luta pela defesa do território e da vida indígena", afirmou a parlamentar eleita.
Já Waiãpi, que se tornou uma notória apoiadora de Bolsonaro durante a campanha de 2018, é próxima da senadora eleita Damares Alves (Republicanos) e chegou a chefiar a Sesai (Secretaria de Saúde Indígena).
Neste ano, no entanto, ela chegou a entrar com uma ação no TSE contra o próprio partido, acusando o PL de discriminação por ela ser "negra, indígena e bolsonarista".
A nova bancada indígena não deve ter convivência harmoniosa, uma vez que Guajajara já chegou a liderar um ato contra a atuação de Waiãpi na Sesai. "Quem representa Bolsonaro não representa a luta dos povos indígenas, então eu e Célia estaremos em lados opostos, mas está valendo", disse Guajajara à Folha.
Procurada, Waiãpi não respondeu até a publicação desta reportagem.
Em 2018, considerando todos os cargos em disputa, só duas pessoas autodeclaradas indígenas foram eleitas: Wapichana e Mourão. Em 2022, o número foi a nove: os sete eleitos para o Congresso e mais dois deputados estaduais. Jerônimo Rodrigues (PT) também segue na disputa ao Governo da Bahia.
Apesar da autodeclaração, algumas dessas candidaturas pouco ou nada trataram da questão indígena durante a campanha. Neste ano, após anos de resistência em entrar na política institucional, organizações indígenas impulsionaram candidaturas para tentar aumentar a representatividade no Congresso.
Em abril, o Acampamento Terra Livre, tradicional encontro indígena em Brasília, teve pela primeira vez um debate sobre candidaturas. O evento foi considerado um marco. O entendimento dos indígenas era que, sob Bolsonaro, fez-se necessário ampliar a resistência para além da atuação enquanto movimento social.
Nunca o Legislativo teve mais de uma cadeira ocupada por um indígena ao mesmo tempo. O primeiro a cumprir um mandato foi Mário Juruna, eleito em 1982. Outros candidatos ligados à pauta ambientalista foram eleitos neste ano, como a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede-SP).