Em um grupo de WhatsApp que reúne pessoas de diferentes opiniões políticas, um usuário compartilha um link para um vídeo mostrando o presidente Jair Bolsonaro (PL) fazendo um discurso no que parece ser uma loja da Maçonaria. "Que absurdo! Eu, como cristão, não voto mais!", diz ele.
Outra pessoa rebate: "Se quer ver realmente um lado religioso nas campanhas, veja matéria de ontem". O link que encaminha é de uma "reportagem" sobre um vídeo que acusa o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de ser satanista.
Esse diálogo ilustra a guerra entre campanhas que já dominou as redes nos dois primeiros dias de campanha para o segundo turno.
Eleitores devem escolher entre Bolsonaro e Lula para a Presidência do país no dia 30 de outubro.
Ataques de teor religioso repletos de desinformação foram amplamente usados contra Lula no primeiro turno.
Os episódios dessa segunda fase de campanha repetem a fórmula, dessa vez tirando informações de contexto para atacar a imagem de ambos os candidatos.
"O bolsonarismo está investindo há tempos nessa ideia de que existe uma guerra religiosa, em uma tentativa de associar Jair Bolsonaro ao evangélicos e ganhar votos", disse à BBC News Brasil a professora Rose Marie Santini, fundadora do NetLab, laboratório vinculado à Escola de Comunicação da UFRJ dedicado a estudos de internet e redes sociais."Mas agora, após tanta insistência de um dos lados, houve uma resposta dos apoiadores de esquerda."
O vídeo compartilhado por bolsonaristas foi gravado por um influenciador que se define como satanista e não tem ligação com o ex-presidente nem com suas propostas de governo.
Em frente a uma bandeira com o rosto de Lula, ele diz que apoiadores de Bolsonaro "estão arruinados". O vídeo foi publicado no TikTok, onde o influenciador tem quase um milhão de seguidores.
O vídeo viralizou quando foi compartilhado em massa por bolsonaristas, ao lado de mensagens como a de que o Brasil estaria correndo um "risco espiritual" caso Lula seja eleito.
Nesta terça (4), o influenciador publicou outro vídeo dizendo que sua fala foi tirada de contexto. "O candidato Lula não tem qualquer ligação com nossa causa espiritual".
A campanha de Lula reagiu e publicou uma nota desmentindo ligação do candidato com o satanismo.
"Bolsonaristas soltaram um vídeo que tenta ligar Lula e o satanismo. Essa relação não existe. Espalhar isso é abusar da boa-fé das pessoas de fé", disse, em nota. "Lula é cristão, católico, crismado, casado e frequentador da igreja. Não existe relação entre Lula e o satanismo."
Mas o vídeo já havia alcançado milhões por meio de páginas bolsonaristas no Instagram.
Mais de 2,2 milhões de pessoas haviam visualizado o conteúdo publicado pelo perfil da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) na tarde de segunda-feira. Sob o vídeo, ela escreveu: "A guerra é espiritual! É o bem contra o mal!".
E o mesmo conteúdo foi visto 1,1 milhão de vezes na página do pastor e deputado federal Marco Feliciano (PL-SP).
O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o senador eleito Cleitinho (PSC-MG) também publicaram o vídeo em suas redes.
Reação de apoiadores
Nas redes, apoiadores de Lula buscaram contra-atacar, divulgando um vídeo em que o mesmo influencer aparece criticando, e não apoiando, o candidato do PT.
Mas o maior contra-ataque foi a divulgação do vídeo de Bolsonaro fazendo um discurso em uma loja maçônica.
Sem data, a gravação mostra Bolsonaro se apresentando como deputado federal e dizendo que não estava "candidato a nada", indicando que é anterior a 2019.
Nas imagens, o atual presidente afirma que o Brasil vive uma ameaça tão grave, ou até mesmo maior, do que a corrupção, a questão "ideológica".
O vídeo foi compartilhado por diversos perfis em redes sociais como Twitter, Facebook, Instagram, TikTok e Kwai.
Um dos posts, compartilhado por uma página que se descreve como de notícias sobre o mundo pop, tem mais de 8,5 milhões de visualizações e 170.000 curtidas.
A mesma página também repostou algumas notícias antigas sobre aliados de Bolsonaro e a maçonaria. Uma das mensagens fala sobre a deputada Carla Zambelli, que se casou em 2020 em uma cerimônia maçônica, e outra sobre o vice-presidente general Hamilton Mourão, maçom há mais de duas décadas.
Em 2018, Mourão incluiu em sua campanha como vice de Bolsonaro visitas a templos dessa fraternidade de homens.
No Facebook, o deputado federal e ex-candidato à Presidência da República André Janones publicou um texto em que faz referência ao vídeo de Bolsonaro na Maçonaria.
"Urgente: satanistas ateus da Maçonaria pedem que Bolsonaro seja eleito para representá-los!", diz a mensagem, que já tem 3.400 compartilhamentos.
No TikTok, a hashtag sobre o assunto já tem mais de 5.000 visualizações. Já no no Twitter, tinha pelo menos 1.000 menções até o início da tarde.
A campanha de Bolsonaro ainda não se pronunciou sobre as postagens. A reportagem procurou a Presidência, mas até o momento da publicação ainda não tinha obtido resposta.
Em resposta ao questionamento da BBC News Brasil sobre o tema, o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e aliado de Bolsonaro, disse que não vê problemas no presidente visitar uma loja de maçonaria. "Ele é presidente de todos, qual o problema?", afirmou.
"Pelo que temos analisado, esse movimento está sendo ruim para a campanha de Bolsonaro, pois a associação dele à Maçonaria está pegando mais do que a de Lula ao satanismo", avalia Marie Santini, com base nos monitoramentos realizados pelo NetLab.
Muitos grupos religiosos, como parte dos evangélicos, comparam a maçonaria a uma seita. O Vaticano já afirmou que os princípios maçônicos são incompatíveis com a doutrina da Igreja Católica.
Em seu site, porém, a Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil afirma que a maçonaria não é "uma seita ou religião".
"Ela também não se enquadra como uma sociedade secreta, visto que nossas organizações têm estatutos registrados em cartório, sites oficiais, endereços com fachadas etc."
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63138847
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