Dois dias após o primeiro turno e a 26 da decisão final sobre quem será o presidente da República em 2023, Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisaram desviar a agenda da construção de pactos políticos com lideranças importantes no Brasil para prestar explicações sobre quais são suas alianças no campo metafísico. Boatos, desinformações e falsas alegações sobre a relação dos presidenciáveis com Deus, o diabo, a maçonaria e lideranças religiosas foram tema da campanha dos candidatos ontem.
Embora a religião tenha ocupado espaço central ao longo de toda a campanha, o tema ganhou força a partir de sexta-feira (30/9), ainda antes das eleições, quando um vídeo viralizou entre bolsonaristas nas redes sociais. O registro mostra o influenciador Vicky Vanilla, que se apresenta como mestre e líder da Igreja de Lúcifer do Novo Aeon, à frente de uma bandeira de Lula e falando sobre uma união de religiões e segmentos satanistas e ocultistas para garantir a eleição do petista.
Já após o primeiro turno, o vídeo foi compartilhado por lideranças bolsonaristas como Carla Zambelli (PL), segunda deputada federal mais votada em São Paulo, e Cleitinho Azevedo (PSC), eleito senador por Minas Gerais. As publicações vinham acompanhadas de mensagens apoiando a campanha de Bolsonaro.
O candidato do PT precisou declarar não ter qualquer relação com o influencer satanista. “Lula acredita em Deus e é cristão. Lula não tem pacto nem jamais conversou com o diabo”, diz texto publicado pelo petista nas redes sociais na terça-feira. A campanha ainda distribuiu panfletos para aproximar o candidato de religiosos. Em Brasília, por exemplo, um folder com o rosto do ex-presidente com um versículo bíblico traz medidas sancionadas na gestão do petista, como a criação do Dia Nacional do Evangélico, e dizendo que a possibilidade de fechar igrejas nunca foi cogitada pelo candidato.
Na noite de ontem, a campanha de Lula entrou com representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedindo a retirada de publicações que associam o nome do petista aos vídeos gravados pelo influenciador satanista.
Alegando ser alvo de propaganda eleitoral negativa, a coligação se refere especificamente às postagens feitas pelo senador e filho do presidente, Flávio Bolsonaro (PL-RJ); a deputada federal Carla Zambelli; o senador Cleitinho Azevedo; o músico Roger Moreira; o blogueiro Bernardo Kuster, entre outros nomes ligados ao bolsonarismo.
A ação alega que a veiculação dos vídeos de Vicky Vanilla, que já foi às redes negar qualquer vínculo com o PT, tem o objetivo de “macular, da forma mais reprovável, o direito ao voto livre e consciente, em prejuízo da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva”.
BOLSONARO E A MAÇONARIA Por outro lado, Bolsonaro também foi acusado em tramas faustianas após vídeos e fotos dele em eventos da maçonaria serem resgatados nas redes sociais. A circulação do material causou frustração e revolta entre eleitores evangélicos do presidente e foi utilizada por opositores para questionar a relação entre o candidato à reeleição e a religião, ponto central de sua campanha.
Os vídeos do presidente em lojas maçônicas não têm data, mas alguns trechos em que ele se apresenta como “deputado” sugerem que alguns dos registros tenham sido feitos antes de 2018. O material também tem momentos em que membros da maçonaria declaram apoio ao atual presidente. Ainda sobre a presença de Bolsonaro em lojas maçônicas, uma imagem que viralizou foi apontada como falsa por agências de checagem. A foto mostra o presidente em uma reunião ao lado de outros homens, que utilizam adereços da maçonaria. A parede do fundo da foto, no entanto, foi alvo de uma montagem para a inserção da imagem de Baphomet, criatura mística associada ao demônio.
A maçonaria não é um grupo religioso, mas o ingresso de cristãos na comunidade é proibido pela Igreja Católica e por diversas denominações evangélicas. A origem das associações maçônicas remonta ao século 14, originalmente formadas por construtores.
O pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e apoiador do presidente, minimizou a presença de Bolsonaro em eventos maçônicos. Em vídeo publicado nas redes sociais, o sacerdote também atacou Lula e religiões de matriz africana ao comentar a polêmica envolvendo o candidato do PL.
“O presidente é presidente de todos, na igreja evangélica, na igreja católica, outras religiões ou na maçonaria, que é uma sociedade. Isso é questão dele. Eu não sou maçom e não adianta querer manipular vídeo meu. Sou contra que um evangélico seja maçom (...) Por que não quer viralizar o vídeo de Lula num ritual tomando passe de uma mãe de santo e jogando pipoca em cima dele?”, disse o pastor em vídeo publicado em seu perfil no Twitter.
Deputado federal reeleito por Minas Gerais e integrante da campanha de Lula, André Janones (Avante) gravou vídeo em que diz que o ingresso em grupos maçônicos envolve rituais de “venda de alma” e questionou a presença de Bolsonaro nos eventos. “Quero alertar aos irmãos: a gente não sabe o que o Bolsonaro negociou lá na maçonaria para eles apoiarem ele. Não estou dizendo que ele fez isso, mas eu não posso garantir, por exemplo, que ele não negociou em nome dos próprios eleitores. Se no pacto que ele fez não envolveu o nome dos próprios eleitores”, disse o parlamentar, que é evangélico e gravou o vídeo em frente ao Templo de Salomão, sede da Igreja Universal do Reino de Deus, em São Paulo-SP.
ATOS RELIGIOSOS
Em meio a negociações que renderam o apoio do PDT e de Ciro Gomes a Lula e dos governadores Romeu Zema (Novo-MG), Cláudio Castro (PL-RJ) e Rodrigo Garcia (PSDB-SP) a Bolsonaro (leia mais na página 4), os candidatos separaram tempo na agenda para encontros com lideranças religiosas.
Em meio a negociações que renderam o apoio do PDT e de Ciro Gomes a Lula e dos governadores Romeu Zema (Novo-MG), Cláudio Castro (PL-RJ) e Rodrigo Garcia (PSDB-SP) a Bolsonaro (leia mais na página 4), os candidatos separaram tempo na agenda para encontros com lideranças religiosas.
Lula esteve com frades franciscanos em seu comitê central de campanha, em São Paulo-SP. O ex-presidente esteve ao lado do companheiro de chapa Geraldo Alckmin (PSB); da esposa, Janja; da presidente do PT, Gleisi Hoffmann; e do candidato ao governo de São Paulo, Fernando Haddad (PT). No Dia de São Francisco, o petista fez um aceno ao eleitor religioso em meio às acusações que circulavam nas redes sociais. Lula reforçou sua religiosidade durante o encontro e disse que não comparece a eventos da igreja durante a campanha por não gostar de “ficar fazendo carnaval” com sua fé. O petista fez também elogios ao pontífice máximo dos católicos: “O papa Francisco tem uma coragem exemplar. Ele não tem medo de defender as pessoas pelo que o nome dele representa, nosso querido São Francisco”.
Bolsonaro, também na capital paulista, teve encontros com lideranças evangélicas na Assembleia de Deus Ministério do Belém e na Assembleia de Deus Madureira São Paulo. O presidente estava acompanhado do candidato ao governo estadual, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP); do senador eleito Marcos Pontes (PL-SP); e da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, importante elo com os eleitores evangélicos, entre os quais o candidato tem maioria, segundo apontam pesquisas.
Bolsonaro e Michelle discursaram e pediram votos durante os eventos. A primeira-dama cobrou ostensivamente a participação da igreja na campanha: “A igreja precisa se posicionar, a igreja precisa aprender”, disse, se referindo à frustração pela não reeleição do marido no primeiro turno. O presidente também aproveitou o culto para atacar Lula, relembrando uma frase do petista: “Já que ele falou que lugar de pastor é na igreja e de militar é no quartel, eu diria que lugar de bandido é na cadeia”.
Remoção de fake news
O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, conseguiu uma vitória na Justiça Eleitoral em ação que versa sobre o tema religião. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou a remoção de 31 publicações de fake news que associam o petista a perseguição religiosa e ao fechamento de igrejas. Entre os links que devem ser removidos estão postagens dos filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o senador Flávio. Na decisão, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino avalia que “as publicações impugnadas transmitem, de fato, informação evidentemente inverídica e prejudicial à honra e à imagem do candidato ao cargo de presidente da República nas eleições 2022”. A medida determina que as postagens sejam apagadas em até 24 horas, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.