A gravidade do momento político por que passa o Brasil, em ameaça aos fundamentos de valores democráticos e humanos, levou o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso a declarar, neste segundo turno, de forma sucinta e taxativa, apoio à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. A avaliação é de Paulo Markun, jornalista e autor do livro “O sapo e o príncipe” (Editora Objetiva, 2004), que aborda a trajetória política das duas grandes lideranças brasileiras, que polarizaram, dentro da institucionalidade democrática, a política nacional a partir dos anos 90. “Neste segundo turno voto por uma história de luta pela democracia e inclusão social. Voto em Luiz Inácio Lula da Silva”, tuitou Fernando Henrique Cardoso, ao mesmo tempo em que publicou fotos de ambos em interação, ainda jovens e, foto de 2017, quando Fernando Henrique visitou Lula no Hospital Sírio Libanês, ao ser decretada morte cerebral de dona Marisa, ex-esposa do petista.
Na sequência, Fernando Henrique tuitou uma foto de 1978, em que ambos panfletaram juntos, quando o tucano concorreu ao Senado pelo MDB de São Paulo, com apoio do petista. “A luta contra a ditadura contou com a coragem de muitos brasileiros”, escreveu FHC, fazendo analogia histórica ao atual momento político. A manifestação de apoio de FHC a Lula, tem profundo apelo simbólico e de chamada à união de democratas do país para derrotar Jair Bolsonaro. “FHC, embora esteja com bastante idade e problemas de saúde, continua acompanhando o cenário político e certamente pesou na decisão dele o momento grave do país. Foi um apoio elegante, taxativo e sintético ao Lula”, avalia Paulo Markun.
“Quem normaliza uma eleição como essa, que chegou ao ponto de um candidato sequer se comprometer, pelo menos até agora, a cumprir o que as urnas oferecem, não pode achar que seja uma eleição normal”, afirma o escritor. “Em qualquer país democrático, um político que pregasse que tinha de matar 30 mil pessoas, inclusive um ex-presidente, um político que homenageasse um dos maiores torturadores reconhecidos da história do Brasil no impeachment da Dilma, teria sido posto fora da política. Teria sido cassado”, afirma Paulo Markun, referindo-se à declaração de Bolsonaro na década de 1990 que sugeriu fuzilar FHC e, em 2016, em sua declaração de voto pelo impedimento, elogiou Carlos Brilhante Ustra, que durante a ditadura militar comandava as sessões de tortura contra Dilma.
“Todas as questões são secundárias em relação a esta fundamental: o absoluto desrespeito aos direitos humanos e a falta de civilidade mínima, que se revela na falta de empatia diante das milhares de mortes na pandemia”, acrescenta Paulo Markun, em crítica à naturalização desse comportamento que por si, revela muito sobre o atual presidente. “Ninguém pode alegar ignorância em relação a Bolsonaro. Agora, a outra questão, diante disso, quem não pensa assim, tem de se unir. E essa união não aconteceu no primeiro turno, por várias razões. Agora ou ela se coloca, ou se perde a eleição”, acrescenta Paulo Markun, considerando que Fernando Henrique Cardoso e Lula, apesar de adversários, estiveram juntos em vários momentos críticos do país, como na luta pela redemocratização.
“O sapo e o príncipe”, título do livro de Markun, é referência ao apelido "sapo barbudo", dado por Leonel Brizola a Lula, depois de perder o primeiro turno das eleições presidenciais, em 1989. Lula, por sua vez, chamava Fernando Henrique Cardoso de "príncipe" em seus embates eleitorais e políticos, associando-o à elite brasileira. Ambos protagonizaram, em 2002, a mais civilizada transição entre governos oponentes da história brasileira, o que motivou Markun a escrever o livro.