Desde o começo da semana, a esquerda pauta a conversa nas redes sociais e em aplicativos de mensagem usando parte da tática bolsonarista, de mobilização a partir da religião e do pânico moral.
A campanha de Lula (PT) e alguns pastores aliados defendem que a comunicação oficial não se vincule à desinformação e à guerra religiosa, embora nenhum sinal tenha sido emitido à militância.
Na estratégia digital da campanha, a leitura é que Lula se opõe publicamente a fake news políticas e que o PT perde ao entrar nesse tipo de enfrentamento. Os grupos bolsonaristas são sólidos e têm alta capilaridade.
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No final de semana da votação, foram disseminadas notícias falsas de que o PT implantaria "banheiros unissex" em escolas, uma tentativa de minar qualquer voto de conservadores no petista. A equipe jurídica também recebeu denúncias de carros de som que teriam passado nas periferias relacionando o número 13 ao banheiro compartilhado e ao aborto.
Na segunda-feira pós primeiro turno, as equipes de digital e jurídico foram surpreendidas com uma avalanche de perguntas sobre como responderiam a vídeos de um satanista.
Tratava-se de um "mago e palestrante" ligado à "Igreja de Lúcifer do Novo Aeon", com quase 1 milhão de seguidores no TikTok. Ele pratica rituais para Lúcifer na internet, mas também faz dancinhas com o L na mão. O conteúdo foi combustível para o núcleo próximo de Bolsonaro, que passou a associar Lula ao satanismo nas redes sociais.
Vários influenciadores entraram na onda, assim como o senador Flávio Bolsonaro (PL) e os deputados federais Carla Zambelli (PL-SP) e Gustavo Gayer (PL-GO).
"Nosso país está se unindo cada vez mais! Líderes cristãos se pronunciando a favor de quem está com Deus", dizia a legenda de uma foto do mago com a bandeira de Lula, divulgada pelo filho do presidente.
Nesta quarta (5), o TSE determinou a remoção dos conteúdos que ligam a figura do petista ao satanismo por propaganda eleitoral negativa.
Em uma possível resposta a essa ofensiva, a militância da esquerda desenterrou um vídeo de Bolsonaro em loja maçônica, gerando um curto-circuito em alguns grupos de apoiadores do presidente, em especial evangélicos.
O assunto entrou para os mais comentados do Twitter no dia e fez com que Silas Malafaia se pronunciasse. Ele disse que "o presidente é presidente de todos" e tudo bem "ir na igreja evangélica, na igreja católica, outras religiões ou na maçonaria, que é uma sociedade, isso é questão dele".
Também houve um movimento de criação de perfis falsos e de infiltrados lulistas em grupos pró-governo, que aos poucos foram identificados pelos administradores.
Além da maçonaria, duas entrevistas de Bolsonaro foram reavivadas, uma de 2000 à Istoé Gente, em que disse que o aborto era uma decisão do casal, e outra de 2016 ao New York Times, relatando que quase teria comido carne humana em um ritual antropofágico mas não o fez por falta de companhia.
Para o pastor Oliver Costa Goiano, da Coordenação Nacional dos Evangélicos do PT, os militantes devem vencer o bolsonarismo "sem usar das mesmas armas", mas não se pode silenciar diante de fake news religiosas. Ele não se mostra insatisfeito com a exposição de Bolsonaro na maçonaria.
"Eles criticam quando Lula está com uma mãe de santo, mas não vão criticar quando Jair Bolsonaro está na maçonaria? Isso é discriminação religiosa", diz.
Mesmo que Bolsonaro estivesse em agenda política costurando apoio para candidatura de 2018, Goiano acha que ele precisa dar explicações: "Precisa explicar porque critica Lula com mãe de santo, porque diz que o PT persegue cristão e porque fala de aborto mas não se preocupa com crianças negras morrendo de bala perdida".
Bolsonaro se pronunciou nesta quarta sobre o caso. Disse que foi em uma loja maçom, "acho que uma única vez". "Fui de novo? Não fui. Agora, sou presidente de todos. Isso agora a esquerda faz estardalhaço. O que tenho contra maçom? Tenho nada."
Outra liderança religiosa da esquerda, Ariovaldo Ramos, coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, diz que é preciso a todo custo evitar uma guerra religiosa.
"Não é estratégico entrar nesse tipo de confronto, isso não é argumento para o debate político institucional. O Estado é laico e tem de manter-se desse jeito", afirma.
Segundo ele, discussões sobre a maçonaria estiveram entre os motivos da criação da Igreja Presbiteriana Independente, que em 1903 deixou a Presbiteriana do Brasil. A Igreja Católica também tem parecer negativo sobre essa fraternidade.
"Os fiéis que pertencem às associações maçônicas estão em estado de pecado grave e não podem se aproximar da Sagrada Comunhão", disse em 1983 o então cardeal Joseph Ratzinger, futuro papa Bento 16 em documento.
Nos grupos bolsonaristas de Telegram, parte das mensagens desta quarta-feira pedia o encerramento do assunto. "Estou tendo que desmentir para várias pessoas que mandam essa porcaria que os esquerdistas estão montando sobre presidente na maçonaria", escreveu uma mulher.
A militância da esquerda foi chamada de "milícia digital", termo que ela própria usa para se referir a ativistas pró-Bolsonaro que visam destruir reputações nas redes.
"FIQUEM ESPERTOS, agora já sabemos exatamente que a esquerda estará envolvida em todas as próximas narrativas, eles declararam guerra explicitamente", escreveu Leandro Ruschel, um ativista conservador influente no campo bolsonarista, cujo post foi amplificado em vários grupos.
A live do deputado federal André Janones (Avante-DF), feita em frente ao Templo de Salomão, é intitulada: "Bolsonaro faz pacto com seita maçônica para vencer eleição!" e reúne mais de 1,7 milhão de visualizações. Janones recorrentemente fala em guerra nas redes, mas o PT já avaliou que ele "trabalha como frila".
Para Victor Piaia, sociólogo e professor da FGV ECMI, o segundo turno tende a aumentar a circulação de propaganda negativa e de ataques diretos em relação ao primeiro.
"Os temas que pautaram o primeiro turno foram segurança, corrupção e economia, e nos três primeiros dias deram lugar a discussões de outra ordem, como a religiosa", diz.
No PT, o comando da campanha avaliou a hipótese de exibir o vídeo da maçonaria em inserções, mostrou a Folha, mas a ideia não é consensual diante da sensibilidade do tema.