A intenção de aumentar a quantidade de integrantes do Supremo já foi fruto de PECs (propostas de emenda à Constituição) apresentadas no Congresso na última década, mas que nunca avançaram concretamente.
Professores, estudiosos em direito constitucional e o ministro aposentado do STF Celso de Mello, no entanto, apontam que a interferência sugerida pelos aliados do presidente no Poder Judiciário, além de autocrática, abre margem para que uma norma nesse sentido seja invalidada, por eventual desrespeito à separação de Poderes.
"Qualquer emenda à Constituição que desrespeite tal princípio [da separação de Poderes] mostrar-se-á impregnada do vício gravíssimo de inconstitucionalidade."
Outro ministro aposentado, Marco Aurélio, disse à BBC Brasil que a intenção dos bolsonaristas é "saudosismo puro" da ditadura.
"A ingerência direta do Executivo ou Legislativo para aumentar ou diminuir a quantidade de vagas na Suprema Corte é medida de caráter autocrático e pode ser caracterizada como constitucionalismo abusivo", diz Georges Abboud, professor de direito Constitucional da PUC-SP e do IDP.
"Assim, uma emenda constitucional nesse sentido contraria a cláusula pétrea da separação de Poderes e pode ser declarada inconstitucional pelo próprio STF."
A advogada e mestre em direito público pela FGV Vera Chemim afirma que "o tema é polêmico", especialmente por "estarmos testemunhando uma conjuntura de turbulência político-institucional, o que provocará muitos debates acerca do tema".
"Existem juristas que são contra essa mudança, sob o fundamento de que se trata de uma ‘cláusula pétrea’", diz ela.
Lenio Streck, professor de direito constitucional, vê com ressalvas a possibilidade de o Supremo decidir pela inconstitucionalidade de um aumento do número de ministros.
"O STF poderia declarar a inconstitucionalidade? Até poderia. Mas criaria um looping político, porque geraria reação do Legislativo. Democracia é como um cristal. Cuidado ao manejá-lo. Elefantes não sabem o que é cristal. Podem quebrar tudo", diz.
Após o primeiro turno das eleições deste ano, a ideia de aumentar a composição do STF foi defendida pelo vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos), que se elegeu senador pelo Rio Grande do Sul.
Em entrevista à GloboNews na qual fez críticas ao STF, Mourão sugeriu mudanças no número de magistrados, duração de mandatos e da idade de aposentadoria dos ministros, além de limitações às decisões monocráticas.
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), também disse à GloboNews que há "necessidade de enquadramento de ativismo do Judiciário".
Bolsonaro, em campanha para a reeleição, disse no domingo (9) que deve avaliar a proposta somente após a eleição e disse que sua decisão sobre o tema vai depender da temperatura na corte.
Mudanças na composição da corte suprema brasileira aconteceram, no passado, em governos autoritários.
Após a Revolução de 1930, o governo provisório de Getúlio Vargas reduziu o número de ministros de 15 para 11. Em 1965, na ditadura militar, o Ato Institucional nº 2 aumentou o número de integrantes do Supremo para 16 e, em 1968, o Ato Institucional nº 5 aposentou três ministros.
Em 1969, o Ato Institucional nº 6 restabeleceu a composição de 11 ministros. O número de 11 ministros foi mantido pela Constituição de 1988.
A possibilidade de mudança na composição do STF devido à insatisfação de aliados do governo com as decisões é vista como uma tentativa de corroer a democracia por dentro por pessoas que estudam cortes constitucionais.
"Essa história de mudar composição da corte é como se fosse receita de bolo de como você destrói a democracia. É fazer com que a instituição que guarda a Constituição seja desmobilizada", diz o professor da FGV Direito Rio Álvaro Jorge, autor do livro "Supremo Interesse (Synergia)", sobre o processo de escolha de ministros do STF.
"Nas democracias, as cortes constitucionais têm um papel contramajoritário, de frear a vontade das maiorias e do governo para garantir os direitos fundamentais", diz o professor.
Ele cita como exemplo alterações no Judiciário de países que vivem em regimes cuja democracia é questionada, como a Venezuela, a Hungria e a Polônia.
"Em 2004, o Hugo Chávez fez isso na Venezuela. Ele passou de 20 para 32 o número de ministros e jogou para dentro da corte os aliados", diz.
"A Polônia fez uma série de intervenções no Poder Judiciário e restringiu os poderes da corte constitucional, chegando a não publicar decisões da corte, justamente para tirar o poder de ela atuar no controle do governo."
Propostas de reformas mais profundas no Supremo já foram sugeridas no Congresso por partidos de esquerda e de direita, em tentativas de reformas do Judiciário mais amplas e diferentes do proposto por Bolsonaro.
As sugestões previam, inclusive, mudanças no formato de indicação dos seus integrantes da corte.
Em 2013, a deputada Luiza Erundina (de SP, à época no PSB e hoje no PSOL) e o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) apresentaram propostas que previam o aumento do número de ministros de 11 para 15.
No seu texto, Erundina queria a redução das atribuições do Supremo, com o objetivo de limitar as causas julgadas pelo tribunal apenas às questões diretamente ligadas à interpretação da Constituição Federal.
Em sua proposta, os novos membros seriam aprovados pelo Congresso a partir de listas tríplices votadas pelos conselhos nacionais da Justiça, do Ministério Público e pela OAB.
Procurada, Erundina afirma que é, atualmente, contrária à possibilidade de sua proposta ser colocada em pauta e afirma que seu sentido original, de mudar "a própria natureza do Supremo", foi deturpado pelos bolsonaristas para "um uso antidemocrático e para servir ao interesse de uma disputa do Executivo com o Supremo".