Embora parte significativa da sociedade com voto cristalizado se encontre exausta do embate eleitoral que mobiliza antibolsonaristas e antipetistas, o primeiro debate presidencial organizado em parceria com a TV Bandeirantes, TV Cultura e Folha de São Paulo teve o seu interesse pelo formato diferenciado. Houve a eliminação de ruídos e das marolas provocadas por coadjuvantes cooptados, como foi o caso do falso padre e ainda da linha auxiliar do bolsonarismo, o Novo – representado no último debate do primeiro turno por seu candidato periférico que pela artificialidade, lembra Ken (marido da Barbie). Os dois protagonistas da disputa ganharam autonomia para, frente a frente, atuarem em blocos desenhados para a gestão do tempo, das pautas, da movimentação no palco, digo estúdio, e emprego da linguagem corporal.
Para distintos públicos, o espetáculo alcança significados diferentes. Os profissionais da área, analisam exaustivamente os lances do jogo de narrativas e gestos, acompanhado por diversos grupos qualitativos de eleitores e por métricas das redes digitais que consolidam nível de menções, sentimentos e clusters em que as temáticas viajam fora das “bolhas”. Os profissionais envolvidos na estratégia comunicacional das campanhas revisam os melhores lances para distribuí-los nas redes digitais e no horário eleitoral gratuito, potencializando o alcance do debate. Quem está com voto cristalizado, contudo, não mudou - os mais enfáticos, inclusive, acompanharam como uma torcida à beira do estádio, passando pano para as “faltas” de seus candidatos. Reproduzem material das campanhas que recortam e manipulam trechos de análises, para exaltar em suas próprias redes, como o seu candidato “venceu o debate”.
Entre os símbolos não mencionados diretamente mais marcantes do confronto estão, de um lado, Lula com o broche da campanha “Faça Bonito”, de combate à violência sexual contra crianças e adolescentes, já que, por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não poderia mencionar as mais recentes declarações de Jair Bolsonaro. Este, por seu turno, carregou ao lado o agente político, agora eleito senador, que foi juiz da Lava Jato e ex-ministro da Justiça, exonerado ao denunciar intervenção de Bolsonaro em órgãos de controle para proteger os próprios familiares. Bolsonarismo e lavajatismo voltam a se unir, dada a conveniência do momento, demonstrando que o combate à corrupção, embora o que na prática seja aquilo que menos importa, esteja, ao lado da religião e da manipulação grosseira de temas relacionados aos valores cristãos, assunto que importa para arrancar votos dos eleitores de Lula.
Os dois contendores tiveram bons momentos. Lula melhor no primeiro bloco, ao atacar a incompetência de Bolsonaro e má gestão na pandemia da COVID, além da insensibilidade do presidente ao debochar de pessoas doentes e com falta de ar, da total ausência de empatia com as mortes. Lula também deixou Bolsonaro sem ação ao indagar quantas universidades e institutos técnicos teria implantado nesta gestão. Bolsonaro se esquivou lançando a culpa por não ter feito à pandemia e à guerra na Ucrânia. Por seu turno, Bolsonaro foi melhor no terceiro bloco, em que insistiu na temática da corrupção, evocando a sua narrativa sobre o tema, que foca no PT e exime os partidos que hoje estão em seu governo do esquema.
No campo da temática da corrupção, Lula falha, a esta altura da campanha, ao não apontar com quem estão, nesta eleição, os políticos envolvidos no núcleo do escândalo do Petrolão. Nesse terceiro bloco, Lula, pela má gestão de seus 15 minutos de fala, entregou a Bolsonaro cinco minutos finais corridos, em que o presidente deitou e rolou em suas associações espúrias que misturam religião, comportamento, Deus, satã e gestão. São assuntos que fazem o deleite daqueles eleitores menos informados, com falhas no repertório de informação, devidamente preenchidas por uma comunicação hábil em construir o Brasil paralelo. De fato são eleitores que já estão com Bolsonaro.
O debate envolveu uma miríade de temas e narrativas já conhecidas de quem acompanha a conversa, com destaque de programas de distribuição de renda. Ao mesmo tempo em que Bolsonaro tentou desqualificar o Bolsa Família e enaltecer o Auxílio Brasil calibrado pelo Congresso Nacional; escorregou ao reiterar preconceitos contra moradores das comunidades vulneráveis, associando-os ao narcotráfico. As campanhas miram, nesse enfrentamento, algo próximo entre 3% e 5% do eleitorado indeciso, que poderá definir uma eleição apertada. Se o debate, no momento em que corria não alcançou esse público, os seus recortes disseminados nas redes poderão alcançá-lo, não se sabe ainda com que potencial para influenciar votos. Da disputa entre Lula e Bolsonaro, inequívoca é a desigualdade de recursos econômicos e abusos de poder político em apoio ao segundo, sob a letargia de segmentos importantes dos órgãos responsáveis por apresentar denúncias, tão ativos em passado recente.
No mais, o jogo segue sendo jogado, em Minas Gerais, com pastores invocando Deus e o diabo, pressões de empresários sobre empregados, cooptação de prefeitos sob recados sutis de que quem não se envolver e mudar votos não será contemplado com nada além das transferências constitucionais obrigatórias. Claro, que, a dois anos da próxima eleição, há prefeitos cautelosos, não tão dispostos a se expor em defesa de uma candidatura que poderá perder o pleito, tornando o desgaste em vão. Mas esses são os lances que, para além da ribalta dos debates sem evidentes “colapsos” de uma das partes, de fato têm potencial para fazer a diferença. Mas claro, estes, não são exibidos pelas câmaras.