A mulher do ex-juiz Sergio Moro, a deputada eleita Rosângela Moro (União Brasil), a filha de Roberto Jefferson, Cristiane Brasil (PTB), e o ex-BBB Adrilles Jorge (PTB) escolheram a empresa de um dirigente do próprio PTB para a prestação de serviços como produção de materiais impressos e de camisetas, marketing, filmagem e transporte.
As campanhas dos três repassaram um total de R$ 1 milhão à ALK Ronzani Publicidade, Propaganda e Marketing.
Segundo o cadastro na Receita Federal, a empresa pertence a Roberto Soares Ronzani. Ele é presidente do PTB em Guarulhos (Grande SP) desde março do ano passado, com mandato até novembro deste ano. Também é membro do diretório estadual da legenda em São Paulo.
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A reportagem esteve no endereço da empresa na última terça-feira (11) e encontrou uma placa do PTB na fachada do prédio.
A reportagem procurou por Roberto Ronzani no local, mas ninguém atendeu ao interfone na sala indicada como sede municipal do partido.
Em seguida, a reportagem tocou em outra sala e perguntou para vizinhos, que afirmaram que apenas o partido funciona no local e que desconhecem a existência da empresa ALK.
Alguns minutos depois, Ronzani chegou de carro e, questionado sobre o tema, pediu para que a reportagem enviasse as perguntas por escrito. Ele também mostrou fotos dos materiais que diz ter produzido —as imagens, depois, foram enviadas à reportagem.
Segundo dados da Junta Comercial de São Paulo, a ALK foi fundada em 2018 e tem capital social de R$ 10 mil.
Na eleição de 2018, a empresa prestou serviços de fornecimento de materiais gráficos no valor de R$ 40 mil, segundo a Justiça Eleitoral. Neste ano, além do salto para R$ 1 milhão, houve grande ampliação da gama de serviços prestados pela empresa.
Na declaração de Adrilles Jorge, os gastos incluíram R$ 125 mil em marketing qualificado, R$ 25 mil em filmagem e R$ 10 mil em transporte. O total repassado à empresa foi de R$ 200 mil. O ex-BBB obteve 91.485 votos e não conseguiu se eleger.
Cristiane Brasil, que só recebeu 6.730 votos e ficou de fora da Câmara, repassou R$ 370 mil à empresa.
Apesar da votação pouco expressiva, a filha de Roberto Jefferson recebeu R$ 2,8 milhões de recursos do fundo da direção nacional e estadual do PTB para sua campanha.
Já Rosângela Moro recebeu R$ 2,8 milhões de seu partido, a União Brasil, e repassou R$ 499 mil à ALK Ronzani. O valor representou a maior despesa de campanha. Ela foi eleita.
Roberto Ronzani já se candidatou a vereador em Guarulhos em 2004, pelo PP. Na ocasião, ele declarou ser comerciante e ter ensino médio incompleto. Ele também já atuou, entre 2010 e 2011, como agente de segurança parlamentar da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).
Em entrevista ao canal D´Lotus Podcast no Youtube em março deste ano, o empresário disse que, ao assumir o cargo no PTB, aceitou o desafio "de ajudar a reestruturar o partido em São Paulo e Guarulhos" e que "estava trabalhando nisso".
Disse também que tinha "um pessoal legal para puxar votos", "com bandeira conservadora de direita e na linha da família".
Acrescentou que estava à procura de recursos para lançar candidatos e que ele mesmo não se candidataria nestas eleições. Segundo ele, seria desleal, como presidente do partido, buscar recursos nas direções estadual e municipais, e ele mesmo se candidatar.
Ronzani disse à reportagem que indicou alguns nomes para compor a chapa de deputado estadual e federal.
Questionado se ele receber pelo próprio partido não configuraria conflito de interesses, Ronzani afirmou que é presidente do diretório municipal do PTB e, como atende outras legendas, "acabou recebendo solicitações de alguns orçamentos".
Ele disse que sua empresa opera no mesmo endereço do PTB desde a sua fundação e que o partido "funciona em sala diferente".
"Não tem nenhuma previsão que impeça o fornecimento de material de propaganda eleitoral desde que seja praticado o valor de mercado, como nada consta na resolução 23.607", acrescentou.
Ele se referiu à resolução 23.607, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidaturas, além da prestação de contas.
Ronzani afirmou que foi procurado pela coordenação da campanha de Rosângela Moro para efetuar orçamento de itens como "santinho", "santão", "adesivos" e outros materiais.
A assessoria de Rosângela afirmou que a ALK foi responsável pelos materiais gráficos da campanha e que a escolha do fornecedor foi feita pelo coordenador-geral da candidatura, Guto Ferreira.
Segundo a campanha, a prestação de contas dela "será entregue respeitando o prazo e a forma da legislação eleitoral".
Já Cristiane Brasil afirmou que a gráfica foi escolhida por ter melhores condições de preço, prazo e qualidade. Ela nega conflito de interesse na escolha do fornecedor.
"Não vislumbro qualquer conflito de interesse na contratação da empresa, uma vez que, como já explicitado, ela ofertou as melhores condições com relação ao preço, prazo de entrega e qualidade do material. Ademais, verifica-se que a empresa forneceu não só para candidatos do PTB como também a candidatos de diversos outros partidos."
Ela disse ainda que a sede é apenas o escritório comercial da empresa e que sua equipe visitou o parque gráfico situado em outro local, onde verificou haver funcionários e máquinas funcionando.
A reportagem procurou Adrilles via número de WhatsApp descrito em suas páginas, mas não obteve resposta.
O diretório do PTB em São Paulo, que também contratou os serviços da ALK para serviços de marketing, material gráfico, artes para propaganda de televisão, "entre outros", afirmou que a empresa foi escolhida por ser conhecida dos contratantes.
A sigla negou conflito de interesses, afirmando que não há irregularidades e que, se o serviço for qualificado, não há problemas na contratação.
"Ao prestar serviço qualificado, a preço de mercado, com entrega em dia, não há problema algum em contratá-la", respondeu, por nota.
Para Denise Goulart, professora de direito eleitoral e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), todos os indícios do caso "são muito suspeitos" e podem ser apurados pelo Ministério Público Eleitoral para uma posterior análise da Justiça Eleitoral, caso sejam encontradas ilegalidades.
"A preocupação da legislação eleitoral é sempre com a legitimidade do gasto. O MP pode investigar, por exemplo, se este fornecedor tinha capacidade de realizar o serviço. Se configurar alguma ilegalidade, isso pode caracterizar desvio de finalidade e o recurso ser devolvido ao Tesouro Nacional", disse.
O advogado de campanhas e integrante da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP Fernando Neisser avalia que há no caso elementos a motivar uma apuração, embora ressalve que seja prematuro concluir pela existência de irregularidade.
"Não há uma proibição formal para que se contrate empresas com esse tipo de vínculo. O que não pode acontecer e precisa ser verificado é se o serviço é fantasma, se não foi prestado, principalmente quando é dinheiro público envolvido", disse.