Um esforço recomendado pela senadora Simone Tebet fez com que o PT (Partido dos Trabalhadores) pedisse aos apoiadores que usassem branco em vez do clássico vermelho que representa o partido em ato que ocorreu em 11 de outubro em Belford Roxo (RJ).
Para Tebet, é preciso "tirar o vermelho da rua", pois as imagens assustariam eleitores do "interior de SP" e de "Estados no Centro-Oeste, Sul e Norte", conforme noticiado pela coluna da Mônica Bergamo, no jornal "Folha de S.Paulo".
A BBC News Brasil questionou o Partido dos Trabalhadores sobre se há uma orientação clara de mudança dentro do partido, mas a assessoria de imprensa não respondeu até a publicação desta reportagem.
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Adotado pelo PT como a principal cor, o vermelho, em diferentes tons, foi utilizado por partidos comunistas, socialistas, trabalhistas e sociais democratas em uma origem que remonta ao século 19.
O uso inicial do vermelho pela esquerda se deu quando a cor passou a estampar a bandeira do Partido Comunista — e por isso ainda é ligada à uma esquerda radical, embora já tenha sido incorporada por partidos socialistas e sociais-democratas.
Quebrando a regra, milhares de parisienses se reuniram para exigir a destituição do rei Luís 16, no Campo de Marte em 1791. O então prefeito de Paris, Bailly, ordenou que uma grande bandeira vermelha fosse colocada no alto para reiterar a ordem. Mas uma multidão tomou a praça e a polícia entrou em conflito com os manifestantes, matando mais de 50 pessoas.
Em seu livro Le petit livre des couleurs ("Pequeno livro das cores"), o historiador e antropólogo francês Michel Pastoureau afirma que a mesma bandeira vermelha que era usada para impedir que o povo francês se manifestasse, passou desde então a ser o emblema do povo oprimido e da revolução em marcha. Ele diz que isso é uma "surpreendente inversão simbológica".
"Temos vários outros episódios históricos, como Primavera do Povos [revolta contra regimes autocráticos em diferentes países europeus] e a Revolução Russa de 1917, onde a bandeira vermelha também foi usada como símbolo de luta", diz o professor de história contemporânea Lincoln Secco, que leciona na Universidade de São Paulo (USP).
"Mas com o passar dos anos, os partidos operários e sociais democratas que existem até hoje aderiram à bandeira vermelha."
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PT já usou outras cores antes
Secco, que é autor do livro A História do PT, explica que o uso de outras cores na campanha do partido não é exatamente uma novidade.
Oficialmente, o PT tem uma bandeira vermelha com uma estrela branca, que às vezes aparece também em amarelo.
"A cor do partido foi escolhida pelo grupo ter surgido no campo da esquerda, como resultado de uma confluência de vários grupos socialistas, trabalhistas, comunistas, mas também com setores da igreja… É um partido bastante plural."
Parte do eleitorado de Bolsonaro propaga agora a narrativa de que a bandeira do Brasil seria substituída por uma "bandeira vermelha", e que o país se tornaria comunista caso o PT fosse eleito.
"Esse é um discurso já bastante antigo, muito mais antigo do que o próprio PT. Durante a ditadura militar, por exemplo, era muito comum falar, pejorativamente, que algumas pessoas eram 'verde e amarelo por fora e vermelho por dentro' — o que significava que eram traidores da pátria. É uma alegoria que tem lá a sua eficácia em determinados grupos", diz o cientista político Cláudio Couto, coordenador do Mestrado Profissional em Gestão e Políticas Públicas da FGV.
A ditadura militar passou a usar símbolos nacionais, como a camisa da seleção brasileira de futebol.
"Fizeram isso tentando forjar uma unidade nacional que era falsa, porque é claro que todas as pessoas são brasileiras e compõem o mesmo país, mas elas não têm que ter a mesma opinião política", avalia Secco.
Em 1989, o ex-presidente Fernando Collor de Mello, durante a primeira eleição presidencial pós-ditadura, seguiu essa tendência, mas usando uma narrativa mais específica: era a bandeira verde e amarela contra a bandeira vermelha do PT.
Para contrapor-se à ideia de um governo de esquerda radical, como os adversários tentavam pregar, Secco explica que o PT procurava moderar o tom dos discursos e acrescentar outras cores e simbologias às campanhas, o que vemos acontecer de novo agora.
"O partido nunca aboliu o vermelho completamente das campanhas, mas durante algumas eleições, houve a produção de camisetas do Lula sem nenhum tom de vermelho", diz o historiador.
Outro exemplo dado pelo professor é a campanha de Luiza Erundina, do PT, para o cargo de prefeita da cidade de São Paulo em 1996.
"Dentro do partido, ela estava em uma posição mais moderada, sutilmente mais à direita. Então ela passou a usar um slogan que dizia 'Diga sim', contrapondo a ideia de que o PT seria um partido de grande rejeição. Historicamente, o partido misturou cores e slogans para se aproximar do eleitor de centro."
Que efeito a troca de cores tem?
Na avaliação de Cláudio Gonçalves Couto, a orientação de troca de cores nesta altura da disputa, há poucos dias do segundo turno, tem mais relação com o envolvimento de aliados de Lula do que com a intenção de angariar novos votos.
"Se formou, ao lado de Lula, uma frente ampla. Acredito que [o uso do branco] seja muito mais uma questão de acenar a eles. Várias lideranças, economistas, Simone Tebet, e o próprio vice, Geraldo Alckmin, estão historicamente fora do espectro de esquerda. As cores da campanha, para os eleitores, é mais um detalhe, mas é representativo para essa frente ampla. Avalio que é nesse caminho que essa mudança tenha peso. "
Assim como Couto, Lincoln Secco acredita que a estratégia tenha efeito muito limitado na conquista de novos votos.
Para os analistas, eleitores "mais impressionáveis" com a narrativa de que o vermelho representa comunismo ou parte do eleitorado de Tebet, que teve 4,16% dos votos no primeiro turno, podem se agradar com a mudança.
"Não existe pesquisa científica que comprove que uma mudança do tom de cor na campanha resultaria em muitos novos votos. No caso da esquerda, ela serve como uma identificação de grupo dos próprios militantes, então não deixará de ser usada, e quem já é antipetista não vai mudar o voto porque mudou a cor", aponta Secco.
O aceno moderado do PT
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil acreditam que, caso eleito, o PT transforme esse aceno ao centro em uma forma mais moderada de governar.
"A figura do Alckmin como vice já é um indicativo disso, e o movimento não fica só na campanha. Uma das razões para isso é que o PT é um partido com pouca representatividade no Congresso Nacional, o que requer que façam alianças com lideranças que hoje chamamos de 'centrão', mas que são historicamente de partidos de direita ou centro-direita", afirma Couto.
"Então será um governo de centro, social-democrata, e podemos dizer que em certos pontos, é de se esperar até que seja social-liberal, em termos de políticas públicas."
Para Lincoln Secco, há uma grande parcela do espectro político central que está comprometida com a democracia, e embora alguns desaprovem as políticas do PT, essa parcela se "assustou mais" com o governo Bolsonaro.
Historicamente, o professor Secco avalia que, embora o PT tivesse um discurso mais próximo à esquerda radical nos primeiros anos de existência e quando chegou ao poder, as políticas foram mais voltadas ao centro, e em alguns casos, até mesmo liberais.
"Até o período de 2016, que os historiadores chamam de Nova República, havia um jogo de oposição entre o PT e o PSDB e os aliados de ambos para conquistar cargos, mas na realidade havia muita convergência especialmente no modelo econômico."
Como exemplo, ele cita que o Partido dos Trabalhadores não aboliu o tripé de política econômica do governo de Fernando Henrique Cardoso e manteve o governo de responsabilidade fiscal, mas deu mais peso para as políticas sociais.
"O PT não é um partido de esquerda radical. Pelo contrário, se tornou cada vez mais moderado exatamente por causa da crise política e para conquistar o espaço onde não coube a extrema direita, que está cada vez mais radicalizada."
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63260840