A ofensiva dos presidenciáveis em Minas Gerais neste segundo turno busca disputar voto a voto a vitória no estado. Desde 1955, vencer nas urnas mineiras significa chegar à presidência e, por isso, Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) focam na influência de prefeitos para capilarizar as campanhas nos mais de 800 municípios mineiros. No primeiro turno, o petista conseguiu a maioria dos votos em 630 cidades contra 223 do atual presidente. As equipes dos candidatos se movimentam para que a atuação nos pequenos recortes influenciem em um cenário de triunfo no cômputo geral.
Romeu Zema (Novo) demorou menos de 48 horas para declarar apoio a Bolsonaro no segundo turno. Reeleito para o governo de Minas, ele atuou também rapidamente para aliar sua influência entre os prefeitos do estado à candidatura do atual presidente. Logo na primeira semana de campanha, o candidato do PL se reuniu com centenas de mandatários municipais em Belo Horizonte durante evento da Associação Mineira de Municípios (AMM), articulado pelo governador.
Do outro lado, a campanha do PT em Minas também se mobiliza para tentar frear a movimentação de prefeitos para o lado do presidente. O senador Alexandre Silveira (PSD), que assumiu a coordenação da campanha de Lula em Minas, disse em entrevista ao Estado de Minas que conversa com dezenas de prefeitos diariamente, mas não da forma como Zema e Bolsonaro fazem, classificada como “circense” pelo parlamentar. Segundo Silveira, as eleições municipais podem ser um empecilho para um engajamento incisivo na campanha do candidato do PL.
“Os prefeitos sabem que as eleições municipais estão logo aí à frente. Sabem, também, que o presidente ganhou em mais de 600 municípios mineiros. Dificilmente esses prefeitos vão querer travar uma batalha com seus eleitores, que deram uma larga vantagem a Lula na maioria desses municípios”, afirmou Silveira.
É esse cenário de disputas localizadas que pesquisa divulgada pelo Instituto Atlas no domingo passado (16/10). A distância entre Lula e Bolsonaro, que foi de cerca de 5 pontos percentuais no primeiro turno, caiu para menos de três. Cientistas políticos também se dividem na avaliação de como os esforços das campanhas podem influenciar o resultado das urnas no dia 30 de outubro.
Para o cientista político e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Adriano Cerqueira, o avanço de Bolsonaro sobre os prefeitos, com o apoio de Zema, pode render bons frutos ao candidato à reeleição. Ele explica que a reeleição do governador e a nova composição da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) pode trazer a sensação de segurança e angariar aliados nos municípios.
“O eleitor leva muito em consideração a opinião de pessoas próximas e que ele julga importantes e ele pode sim mudar essa orientação, às vezes ele até gosta do Lula, mas reverte o voto por orientação do prefeito. Além disso, Lula ainda é uma promessa, enquanto Zema já é uma realidade e, para o prefeito em Minas, vale mais o apoio do governador do que o apoio longínquo do presidente. Outro ponto importante é que o novo Congresso Nacional e a Assembleia Legislativa já são uma realidade. É fato que o PT tem uma bancada expressiva, mas tudo indica que o Zema terá uma maioria na assembleia”, analisa.
Para o professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da UFMG e membro do Observatório das Eleições, Carlos Ranulfo, a receita do sucesso da campanha bolsonarista não é garantida. Entre outros fatores, ele acredita que os prefeitos não irão se indispor com os eleitores na missão de virar votos em uma eleição tão polarizada.
“É uma estratégia muito descentralizada. O fato do prefeito comparecer ao evento do Zema não quer dizer que ele vai se engajar na campanha, Zema é o governador e os prefeitos precisam ter uma boa imagem com ele. O que não significa que o prefeito vá correr o risco de se indispor com os eleitores da cidade tentando mudar um voto que foi dado em Lula. Virar voto não é fácil”, aponta.
Bolsonaro tem dificuldades em municípios pequenos
Minas Gerais tem 853 municípios, desses, 477 têm menos de 10 mil habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Embora tenham menos eleitores, a vitória massiva de candidatos do PT em pequenas cidades nas duas últimas eleições podem ser um entrave para Bolsonaro vencer no estado e conseguir uma virada no país. Tanto em 2018 como 2022, o atual presidente conseguiu vitórias em municípios com mais habitantes.
Na eleição de 2018, Bolsonaro conseguiu vencer em Minas nos dois turnos contra o candidato petista, Fernando Haddad. No 1º turno de 2022, Lula recuperou a dianteira no estado para o Partido dos Trabalhadores e conseguiu também uma remontada, com larga margem, na contagem do número de municípios. O que os números sugerem, em ambos os casos, é que o atual presidente tem mais dificuldade em vencer nas pequenas cidades e é justamente onde o apoio em massa dos prefeitos pode significar o ponto de virada no segundo turno.
No primeiro turno da última eleição, Bolsonaro venceu em 481 cidades mineiras contra 372 de Haddad. Nos números gerais, porém, o então candidato do PSL foi muito superior, somando 48,3% dos votos contra 27,7% do petista. Como comparação, nesta eleição, Lula conseguiu um percentual dos votos mineiros similar ao do atual presidente em 2018, com 48,29%, mas ganhou em 630 cidades contra 223 do candidato do PL.
No primeiro turno deste ano, Bolsonaro teve cerca de 2,2 milhões de votos a mais que Haddad em 2018 e, ainda assim, o petista venceu 149 cidades a mais. A discrepância pode ser explicada pelo fato de que o PT consegue ser hegemônico em cidades menores, ao passo que Bolsonaro conseguiu, nas duas eleições, vencer em municípios que concentram mais eleitores.
A média de votantes onde cada candidato venceu explica o cenário. Em 2018, as cidades onde Bolsonaro venceu tiveram 18.531 eleitores, enquanto nas vencidas por Haddad, a marca foi de 5.575. Já na votação deste ano, Lula venceu em municípios onde a marca média foi de 8.928 eleitores ante 25.846 onde o atual presidente conseguiu a maioria.
Em um recorte das 245 cidades mineiras onde foram necessários menos de 2 mil votos para conseguir a maioria neste segundo turno, Lula levou 193 contra 52 de Bolsonaro. Os municípios estão divididos entre 12 mesorregiões do estado, com mais de 65% deles concentrados no Sul/Sudoeste, Região Metropolitana de Belo Horizonte, Vale do Rio Doce e Zona da Mata.
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Para Adriano Cerqueira, a estratégia da campanha de Bolsonaro ao acumular apoio de prefeitos pode render frutos pela proximidade com a população, em especial em cidades com poucos moradores. “O prefeito, muitas vezes, tem contatos familiares, pessoais. Ele tem também os vereadores que fazem esse contato mais direto, mais pessoal e costuma fazer muita diferença”, avalia o professor da Ufop.
Já Carlos Ranulfo avalia que a estratégia é muito dispendiosa e os resultados, imprevisíveis. De acordo com o professor da UFMG, há um grande número de variáveis que podem influenciar na transformação do esforço de campanha em votos.
“É um plano que tem um problema que é virar poucos votos. É mais fácil ter resultados em cidades com mais eleitores. Além disso, é uma campanha muito descentralizada, que envolve muitos fatores, a popularidade do prefeito, o quanto ele vai se engajar. O fato que temos é que a campanha de Bolsonaro em Minas está muito forte, mas o resultado é incerto”, explica.
Prefeitos engajados
Presidente da AMM e prefeito de Coronel Fabriciano, no Vale do Aço, Marcos Vinicius Bizarro, não esconde o apoio a Bolsonaro e anunciou sua desfiliação do PSDB após quadros históricos do partido declararem voto em Lula. Outros prefeitos bolsonaristas repetem a estratégia de reunir representantes municipais, como feito durante visita do presidente a BH, para descentralizar os esforços de campanha.
- Bolsonaro com prefeitos, em BH: 'Minas é um exemplo para todos nós
Em Ipatinga, o prefeito Gustavo Morais Nunes (PL) é correligionário de Bolsonaro e arregaçou as mangas para ajudar na campanha do segundo turno. Na cidade em que governa, o atual presidente bateu Lula com larga margem, 59,4% contra 33,88% dos votos no primeiro turno. Seguindo a lógica do estado, a vitória se repetiu em Coronel Fabriciano e Timóteo, maiores municípios da região, enquanto o PT venceu cidades menores como Ipaba, Marliéria, Antônio Dias, Ferros, Belo Oriente, Mesquita, Joanésia e Vargem Alegre.
Com cenário favorável em Ipatinga, Nunes agora tenta conquistar votos para Bolsonaro também nas cidades vizinhas. Na quinta-feira (20/10), ele organizou uma reunião com os prefeitos da região para traçar estratégias de campanha.
“É uma reunião com os prefeitos e vereadores de toda a região do Vale do Aço para traçar algumas estratégias até o dia 30. Todos os prefeitos foram convidados para participar, justamente com o intuito de traçar os planos para virarmos nessas cidades onde Bolsonaro não teve a vitória no primeiro turno”, afirma Nunes, que também disse que tenta uma visita do presidente à região antes da votação.
Entre as contrapartidas do apoio, o prefeito de Ipatinga cita a duplicação da BR-381, uma das promessas de campanha de Bolsonaro e relevante para toda a região. Ele avalia que o apoio de Zema é crucial para tentar a virada em Minas e diz que o foco é ganhar o voto de quem não votou no primeiro turno.
“No primeiro turno, os prefeitos estavam mais engajados na eleição dos seus candidatos ao parlamento e houve um número muito grande de votos em branco e abstenções. Justamente nesses votos é que os prefeitos são cruciais, não para virar o voto, mas para que se posicionem de fato na eleição para presidente. Particularmente, eu acho que não vamos conseguir virar o voto, o que nós acreditamos que pode acontecer é trabalhar com aquelas pessoas que votaram branco, nulo ou não compareceram, para que elas tomem uma posição”, disse.
Do outro lado, prefeitos petistas tentam convencer colegas a não se engajar de forma intensa na campanha pró-Bolsonaro. Margarida Salomão (PT), prefeita de Juiz de Fora, contemporiza o papel de Zema na campanha, mas ressalta o possível risco que contrariar ostensivamente o voto da população no primeiro turno pode significar aos mandatários municipais.
“Temos conversado com os prefeitos na linha de que o mais sábio é não assumir uma postura tão agressiva na campanha. Não estamos dizendo para ir contra o governador, até porque muitos não tem energia política para isso, mas que não é interessante também entrar em confronto com o desejo do povo”, disse a prefeita.
Para Margarida, os prefeitos de cidades pequenas têm necessidades políticas de se aliar ao governador para conseguir recursos, mas a população desses municípios não necessariamente segue o posicionamento de seu governante. Ela analisa porque Lula consegue maioria em cidades menores e acredita na manutenção do cenário.
“A prefeitura de municípios pequenos realmente tem muita dependência do governo do estado, mas a grande demanda dos moradores é por programas federais. A população sobrevive com previdência, aposentadoria, transferência de renda, programas como Minha Casa Minha Vida e com o reajuste do salário mínimo. O prefeito pensa em seu governo, mas a pessoa pensa na vida dela. As mensagens de Lula de voltar com a Farmácia Popular e com programas sociais são música no ouvido de quem mora em cidades pequenas”, analisa a prefeita.
A cidade na Zona da Mata recebeu Lula na última sexta-feira (21/10). O ex-presidente também esteve em Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, governada pelo petista Daniel Sucupira.