Integrantes da Polícia Federal foram recebidos a tiros de fuzil e granada quando cumpriam a ordem de prisão do ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) em sua casa no município de Comendador Levy Gasparian (RJ) neste domingo (23/10). A agente Karina Oliveira e o delegado Marcelo Vilella ficaram feridos por estilhaços.
Após horas de resistência, o ex-parlamentar se entregou à polícia no começo da noite — o presidente Jair Bolsonaro determinou que o ministro da Justiça, Anderson Torres, fosse ao Rio de Janeiro e encerrasse a crise que envolve o aliado político.
Durante o tempo em que resistiu à prisão, o ex-deputado gravou um vídeo sobre a chegada dos policiais a sua casa em que dizia: "não vou me entregar porque acho um absurdo. Chega, me cansei de ser vítima de arbítrio".
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Segundo informações da TV Globo, Jefferson seria levado à sede da PF no Rio para depois fazer exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal e seguir para a prisão de Bangu 8.
Durante a tarde, apoiadores de Jefferson e Bolsonaro em Comendador Levy Gasparian se reuniram em torno da residência e chegaram a agredir um cinegrafista de uma afiliada da TV Globo na região.
Segundo a emissora, Rogério de Paula, de 59 anos, levou um soco, caiu no chão, bateu a cabeça e teria tido um início de convulsão. A câmera que ele usava quebrou. O cinegrafista foi levado para um hospital e estava lúcido e sem sangramento.
Por que Jefferson voltou à prisão
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, havia ordenado a revogação da prisão domiciliar de Jefferson após ele proferir uma série de ofensas à ministra Carmen Lúcia, do STF.
Uma das condições para o benefício da prisão domiciliar era de que Jefferson não fizesse postagens na internet.
Ele gravou no sábado (22) um vídeo chamando a ministra de "Carmen Lúcifer" e afirmava que a magistrada "lembra aquelas prostitutas, aquelas vagabundas arrombadas".
Em sua decisão, Moraes justificou que "está largamente demonstrada, diante das repetidas violações, a inadequação das medidas cautelares (...) o que indica a necessidade de restabelecimento da prisão".
O ex-parlamentar é investigado em um inquérito sobre a atuação de uma organização criminosa que tem como objetivo "desestabilizar as instituições republicanas".
Após Jefferson reagir com violência, o ministro do STF emitiu no domingo uma segunda ordem para que "diante de todo exposto, independentemente do horário" se efetuasse a prisão.
E afirmava que "a intervenção de qualquer autoridade em sentido contrário, para retardar ou deixar de praticar, indevidamente o ato, será considerada delito de prevaricação".
Associações de policiais reagem
A Polícia Federal emitiu nota em que relata que "durante a diligência, o alvo do mandado reagiu à ordem de prisão anunciada pelos policiais federais. Na ação, dois policiais foram feridos por estilhaços de granada arremessada pelo alvo e levados imediatamente ao pronto socorro. Após o atendimento médico, ambos foram liberados e passam bem".
A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) emitiu nota para "manifestar o seu mais veemente repúdio ao ato de violência".
"A reação violenta contra policiais é um atentado contra o próprio Estado e uma ofensa incomensurável à ordem jurídica."
Tania Prado, presidente da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Fenadepol), disse no Twitter que "os fatos ocorridos hoje são gravíssimos, trata-se de tentativa de homicídio qualificado praticado contra policiais federais".
Bolsonaro e Lula se pronunciam
Candidato à reeleição, Bolsonaro (PL) fez um primeiro comentário sobre o episódio no começo da tarde.
"Repudio as falas do Sr. Roberto Jefferson contra a Ministra Carmen Lúcia e sua ação armada contra agentes da PF, bem como a existência de inquéritos sem nenhum respaldo na Constituição e sem a atuação do MP".
Bolsonaro ainda disse ter determinado "a ida do Ministro da Justiça ao Rio de Janeiro para acompanhar o andamento deste lamentável episódio".
Horas mais tarde, com a prisão de Jefferson, o presidente gravou um vídeo postado nas redes sociais em que mudou o tom e chamou o aliado político de "criminoso" no texto do post.
"Como havia determinado ao ministro da Justiça, Anderson Torres, Roberto Jefferson acaba de ser preso. O tratamento dispensado a quem atira em policial é de bandido. Presto minha solidariedade aos policiais feridos no episódio."
O candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando eram veiculadas as primeiras informações sobre o caso, declarou que "não é um comportamento adequado, não é um comportamento normal" a reação de Jefferson.
"Antes de ontem eu estava em Minas Gerais, e Marina estava jantando em um hotel e quando ela levantou, um cidadão, que estava com a sua esposa, levantou e começou a chamar ela de vagabunda. Isso não acontecia na política brasileira nunca. Nós disputamos tantas eleições a gente nunca viu uma aberração dessa, uma ofensa dessa, uma cretinice dessa que esse cidadão, que é o meu adversário, estabeleceu no país."
Alexandre de Moraes se solidarizou em postagem no Twitter com os integrantes da PF feridos.
"Parabéns pelo competente e profissional trabalho da Polícia Federal, orgulho de todos nós brasileiros e brasileiras. Inadmissível qualquer agressão contra os policiais. Me solidarizo com a agente Karina Oliveira e com o delegado Marcelo Vilella que foram, covardemente, feridos."
Anteriormente, ele havia se pronunciado sobre a ofensa de Jefferson à ministra.
"As agressões machistas e misóginas contra a Min Carmen Lúcia, exemplo de magistrada, demonstram a insignificante e covarde estatura moral daqueles que pretendem se esconder em uma criminosa 'liberdade de agressão', que não se confunde com a liberdade de expressão."
A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) havia solicitado a revogação do regime domiciliar de Jefferson. Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Eliziane Gama (Cidadania-MA) também tinham feito o pedido ao STF.
Jefferson gravou o vídeo para criticar um voto de Carmen Lúcia no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em janeiro, Moraes determinou que Jefferson ficasse em regime domiciliar e com tornozeleira eletrônica. Na época, o ministro do STF já havia advertido que o descumprimento das medidas poderia ocasionar o restabelecimento da prisão preventiva.
O ex-parlamentar estava preso desde agosto de 2021 pela suspeita de participação na milícia digital que faz ataques a instituições democráticas.
Em uma das entrevistas transcritas, Jefferson afirma que é preciso "concentrar as pressões populares contra o Senado e, se preciso, invadir o Senado e colocar para fora a CPI a pescoção". Em outra, diz que o Brasil necessita "fazer uma limpeza, começando pelo Supremo, ninho de bruxas e urubus".
Mais reações
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que "o Brasil assiste estarrecido fatos que, neste domingo, atingiram o pico do absurdo. Em nome da Câmara, repudio toda reação violenta, armada ou com palavras, que ponham em risco as instituições e seus integrantes. Não admitiremos retrocessos ou atentados contra nossa democracia".
Sergio Moro, ex-ministro da Justiça e senador eleito, fez um breve post: "Coisa mais sem noção esse ataque aos agentes da PF. Espero que estejam bem. Minha solidariedade".
A BBC News Brasil fez contato com representantes do PTB para saber o posicionamento do partido do qual Jefferson foi presidente sobre o episódio e aguarda resposta.
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63366892