O que você faria se o mesário de sua seção eleitoral não deixasse você votar?
Há 22 anos, a promotora de Justiça aposentada Ana Silvia Romanini foi diagnosticada com esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença degenerativa que afeta neurônios motores e reduz gradualmente a mobilidade do paciente.
E, há 22 anos, ela vota em todas as eleições. Nas últimas, acompanhada por Marina Gomes, sua cuidadora, que entra com Ana Silvia na cabine para apertar as teclas da urna eletrônica em seu lugar — permissão assegurada em lei pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No primeiro turno das eleições deste ano, porém, ela relata que os mesários não permitiram que sua entrada com a acompanhante.
Ana Silvia, que se comunica por meio do sistema de rastreamento ocular Tobii, conta que os mesários não demonstraram conhecer a norma do TSE que permite que eleitores com mobilidade reduzida possam ter o auxílio de uma outra pessoa no momento do voto, regra facilmente encontrada no site do tribunal.
Ela diz que "queria ter filmado as explicações fajutas" que ouviu: o presidente da seção chegou a alegar que não poderia fazer essa "concessão" em uma eleição "tão polarizada como essa".Nádia Romanini, mãe da eleitora, chegou ao local um pouco depois e tentou argumentar pelo cumprimento do direito da filha. Depois de 20 minutos de discussão sem conclusões, conta ela, "um dos mesários disse que não poderia impedir Ana Silvia de entrar acompanhada, mas que ela poderia cometer um crime eleitoral se fizesse isso".
Segundo Ana Silvia, sem sua autorização, ele preencheu sua declaração de justificativa do voto e lhe pediu que voltasse para casa.
Procurado pela BBC News Brasil, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) diz que foi instaurado um expediente na 1ª Zona Eleitoral para apuração do caso da eleitora, e que o respectivo juiz eleitoral foi comunicado do ocorrido.
Segundo turno
Apesar de reduzir progressivamente os movimentos do corpo, a esclerose lateral amiotrófica não interfere na capacidade cognitiva.
"Ela tem plena capacidade eleitoral e direito líquido e certo de voto", explica Rafael Magdaleno Tubone, advogado de Ana Silvia.
Ele foi procurado pela eleitora, que queria assegurar seu voto no 2º turno e tentar evitar que outras pessoas que vivem com a mesma doença passassem por situações semelhantes.
A questão foi encaminhada extrajudicialmente: o cartório eleitoral de Ana Silvia, após pedir um atestado de sua limitação física, emitiu uma certidão garantindo seu direito a votar acompanhada.
"É um caso um pouco contraditório, já que eleitores com mobilidade reduzida, pela lei, não precisam de certidões para realizar o acesso conjunto à cabine", diz Roberto Rigato, também advogado de Ana.
Segundo o TSE, os mesários recebem instruções específicas para essas situações, como recolher o número do documento de identificação do acompanhante e registrar as ocorrências em ata.
Voto obrigatório
O voto também é obrigatório para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Nas eleições deste ano, 1,2 milhão de eleitores possuem algum tipo de deficiência, sendo 426 mil deles do Estado de São Paulo — mais de um terço do número total.
Diferentes ferramentas buscam garantir a acessibilidade no dia da votação, como urnas com sistema braile e fones de ouvido para eleitores com deficiência visual ou rampas e elevadores que facilitam a mobilidade.
O eleitor também pode fazer ao TSE solicitações específicas que possibilitem o exercício do voto.
Apesar disso, são comuns relatos de locais de votação com rampas degradadas e elevadores quebrados, por exemplo; ou de seções eleitorais que, por serem mais acessíveis, concentram um alto número de eleitores idosos ou com mobilidade reduzida, o que prolonga excessivamente o tempo das filas.
Ao chegar em casa no dia do 1º turno das eleições, Ana Silvia viu a notícia sobre o momento em que o general Villas Boas, ex-comandante do Exército que também vive com esclerose lateral amiotrófica, foi registrar seu voto.
Ela revela que iria votar em Simone Tebet (MDB) — também por conta de Mara Gabrilli (PSDB), candidata a vice-presidente da chapa, que usa cadeira de rodas e tem a luta pela acessibilidade como uma de suas principais bandeiras.
Sobre esse ponto, o advogado Rafael Magdaleno conclui: "Ao ser impedida de entrar na cabine acompanhada, Ana Silvia teve negado não apenas seu direito de voto, que ela já tem; mas também a possibilidade de lutar pela ampliação de seus direitos por meio desse voto".