Gustavo Werneck e Daniel Barbosa
No abraço entre dois velhos amigos do ensino médio uma demonstração de que, mesmo com as diferenças partidárias, é possível manter laços fraternos para garantir a união do Brasil e superar a polarização política. Enquanto todo o país ia às urnas, na tarde de ontem, na Avenida Brasil, em Belo Horizonte, o administrador Lee Disney Pena, morador do Bairro Funcionários, e o advogado Diogo Papa, morador de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, lembraram diante do Colégio Arnaldo, na Região Centro-Sul da capital, onde estudaram e votam, que esta segunda-feira é outro dia e deve prevalecer o respeito – e, dependendo do cenário familiar, ambiente de trabalho, contato com a vizinhança e demais relações cotidianas, deve-se buscar o entendimento.
Perto da placa da Avenida Brasil e diante do Colégio Arnaldo, Lee, apoiador do presidente Jair Bolsonaro, mostrou a tatuagem que traz no antebraço: o mapa do Brasil com Minas Gerais e um foguete, símbolo das startups, sendo lançado de BH. “Sou um patriota. Favorável ao liberalismo econômico e contra a mão pesada do Estado interferindo na vida das pessoas”, afirmou Lee Disney, casado e sem filhos. Para ele, esse pensamento se reflete na geração de empregos.
A partir de suas postagens nas redes sociais defendendo posicionamentos de apoio a Bolsonaro, Lee Disney conta que perdeu muitos seguidores. “Embora o Diogo pense diferente, continuamos amigos”, afirmou ao lado do colega, com quem se formou em 2006, no ensino médio. “Temos muitas histórias de vida e dos tempos de colégio”, acrescenta Diogo, com um adesivo do ex-presidente Lula. Casado, pai de duas meninas (de 9 e 5 anos) e de um menino de 1 ano e meio, Diogo espera do governo petista de Luiz Inácio Lula da Silva que haja melhoria social e um olhar mais cuidadoso com os vulneráveis. “Que seja feito o que não pôde ser feito antes”, disse o advogado.
CIDADE EM MOVIMENTO Nas duas pistas da Avenida Brasil, que pode ser vista como um retrato do país que escolheu ontem seu presidente, pontuavam ontem, aqui e acolá, cenas envolvendo apoiadores de Bolsonaro ou Lula. Carros com bandeiras, faixas nas janelas de apartamentos, eleitores com camisas vermelhas ou verde-amarelas, bandeiras do Brasil ba- lançando ao vento, ao longo de seus dois quilômetros de extensão, da Praça Marechal Floriano, no Bairro Santa Efigênia, até a Praça da Liberdade.
A movimentação de pessoas, no entanto, foi pouco expressiva a partir do cair da tarde, quando veio uma chuva fina persistente. No início da noite, os bares situados no primeiro quarteirão da avenida, no Bairro Santa Efigênia, estavam todos fechados. Por volta das 18h30, havia apenas um grupo de meia dúzia de apoiadores do presidente eleito.
Na outra extremidade, na Praça da Liberdade, também poucos eleitores com camisas, bonés e bandeiras vermelhas dividiam espaço com um grupo de aproximadamente 30 pessoas que ostentavam o verde e amarelo associado à campanha bolsonarista. O grupo cantava o Hino Nacional e entoava em coro "já ganhou" e "vai embora", se dirigindo aos eleitores de Lula.
Em toda a extensão da avenida, apenas dois bares estavam abertos. Em um deles, um pouco mais cheio, havia uma mesa na calçada com um grupo de aproximadamente oito eleitores do candidato vencedor do pleito e outras duas com casais trajando a camisa da Seleção Brasileira.
Quando quase todas as urnas já haviam sido apuradas e a vitória de Lula estava tecnicamente consolidada, os apoiadores de Bolsonaro pediram a conta e foram embora. Poucos minutos depois, a mesa com os clientes que trajavam vermelho comemorava. Usando um boné do MST, a designer Luana Cardoso dosava a alegria pela vitória de seu candidato com a preocupação com as condições de governabilidade. “O estrago feito ao longo dos últimos quatro anos foi grande. Não vai ser fácil botar o país nos eixos, ainda mais com um Congresso cheio de bolsonaristas. De qualquer forma, acho que a ameaça maior passou. Fico com a sensação de que estamos começando a sair de um pesadelo”, disse.
Mais cedo, em outro ponto da mesma Avenida Brasil, a professora Christiene Gomes, formada em direito e educação física, falou de sua admiração pelo ex-presidente Lula. “Espero que tenham continuidade todos os programas do governo petista, especialmente na área da educação”, contou a professora, na- tural de Rio Paranaíba, na Região do Alto Paranaíba. Espe- rançosa com novos tempos, Christiene acredita que seja revogada a flexibilização de armas no país.
Na hora do almoço, bares e restaurantes estavam bem movimentados, com famílias inteiras curtindo o domingo. “Estávamos comendo uma picanha”, brincou a auditora Luciana Madureira, que estava com o marido, Bruno Grossi, e os filhos Guilherme, de 7, e Gabriela, de 5. No carro da família, bandeiras do Brasil de todos os tamanhos.
Já na Praça da Liberdade, uma cena comovente. Pedindo anonimato e sem falar sua preferência, uma mulher aposentada comprava uma bandeira do Brasil e avisava que era para estendê-la no seu coração. “Peça a Deus pelo nosso Brasil, que nada de mal nos aconteça. Precisamos de paz,
tranquilidade e detrabalho para o povo. Esse é meu desejo”, revelou a mulher, que guardou a bandeira em um saco plástico e depois seguiu para casa, em completo silêncio e enxugando as lágrimas.
Como na maior parte do país, com exceção de ocorrências pontuais, o retrato deste Brasil no domingo de eleições mostrava uma avenida de duas vias aparentemente aliviadas pelo fim da batalha eleitoral; uma delas provavelmente mais feliz que a outra, mas ambas seguras de que venceu a normalidade democrática em um país que precisa ser de todos os brasileiros.