Luiz Inácio Lula da Silva retorna à Presidência da República com grandes desafios em diferentes áreas e tendo à frente um conhecido sentimento político que está inflamado pela disputa eleitoral: o antipetismo. A vitória sobre o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) se deu em uma eleição apertada, com uma diferença de pouco mais de 2 milhões de votos (50,9% a 40,1% dos votos válidos).
Presente desde os primeiros anos da fundação do partido — em fevereiro de 1980, em São Paulo —, o antipetismo se reconfigura conforme a época: há pouco mais de cinco anos, a Operação Lava Jato e o mote do combate à corrupção representavam o centro do movimento. Atualmente tem sua maior relevância como um dos núcleos vitais do bolsonarismo, que capturou e reuniu o sentimento conservador de parte significativa da população brasileira.
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Após derrota, Bolsonaro e Michelle deixam de se seguir nas redes sociaisBolsonaro vence Lula por apenas 1 voto em cidade no interior MinasEx-aliada, Hasselmann debocha da derrota de Bolsonaro"A tendência é que esse antipetismo se transforme em uma espécie de disposição antissistema. Porque o PT será o sinônimo do sistema. Difícil prever o que vai acontecer, mas, uma vez que o PT se torne vidraça, um sentimento difuso se concentrará na figura do partido", diz Pablo Ortellado, professor de gestão de políticas públicas na USP e pesquisador do eleitorado bolsonarista.
"Já funciona assim no discurso, mas acho que vai ficar ainda mais forte e é razoável esperar que isso seja o motor de uma mobilização bolsonarista nos anos vindouros."
O tamanho e as características do antipetismo atual
Em abril e maio de 2022, pesquisa com 5 mil pessoas conduzida pelos professores de Ciência Política César Zucco (FGV-SP), Fernando Mello (Universidade da Califórnia) e David Samuels (Universidade de Minnesota) constatou que 24% do eleitorado se declara petista enquanto 29% afirmam ser antipetistas.
É um número bastante próximo ao captado (30,2% que se declaram "antipetistas") pela pesquisa Atlas da semana passada, com 4,5 mil entrevistados. Já a rejeição a Lula como candidato presidencial esteve em um patamar superior, variando entre 40% e 45% em diferentes institutos.
Antes da consolidação do bolsonarismo, que serviu de guarda-chuva para diversos setores conservadores, o antipetismo mais radicalizado reunia algumas características básicas:
"O antipetismo é uma espécie de coração dessa oposição populista ao globalismo, ao que chamam de marxismo cultural e ideologia de gênero e a tudo isso que é percebido como obra das elites culturais. Um ódio generalizado aos partidos e aos atores políticos e contra progressistas nos costumes: os artistas, o pessoal do teatro, a Rede Globo, a academia e a universidade", analisa Ortellado.
Entre 2005 e 2015, escândalos de corrupção fizeram o antipetismo crescer entre as classes médias e altas e entre pessoas mais escolarizadas. O ápice desta fase ocorreu com a ascensão do ex-juiz Sergio Moro e do procurador Deltan Dallagnol na operação Lava Jato.
Moro se tornou ministro da Justiça de Bolsonaro, aproximando lavajatismo do nascente bolsonarismo. O grande estremecimento se deu quando o ex-juiz fez denúncias de interferência na Polícia Federal por parte do presidente e se demitiu do governo. Na reta final da eleição de 2022, Moro se reconciliou com Bolsonaro e até fez parte da equipe do presidente para os debates do segundo turno.
"O lavatismo hoje foi cooptado pelo bolsonarismo. Pouco tempo atrás os dois se diferenciavam. Os setores que eram contra a uma reaproximação entre Moro e Bolsonaro eram bastante minoritários dentro do lavajatismo", diz o cientista político Vinicius do Valle, diretor do Observatório Evangélico.
"Mas numericamente o lavajatismo não se compara aos evangélicos, que são o principal segmento popular de hoje. É a força social de maior tamanho, de maior volume dentro do eleitorado brasileiro e que tem o comportamento de uma ideologia. E de uma ideologia antipetista."
A eleição de 2022 teve a religião como uma de suas grandes protagonistas e os evangélicos como fiel da balança na disputa.
Um conjunto de pesquisas analisado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) mostra os evangélicos como o fôlego que a campanha bolsonarista precisava para se manter na disputa.
Alguns pastores de denominações neopentecostais fizeram pressão por voto no atual presidente e ameaçaram fiéis com punição divina e medidas disciplinares caso optassem por Lula. Notícias falsas circularam dizendo que o petista proibiria pregação de pastores, criminalizaria a fé evangélica e até retiraria o nome de Jesus Cristo da Bíblia.
"Esta eleição foi muito traumática no universo evangélico. A derrota política pode se combinar com uma derrota moral com Lula mostrando que essas lideranças não estavam falando a verdade em relação à perseguição religiosa", diz Valle.
Dessa forma, na análise do cientista político, há condições para uma aproximação entre Lula e os evangélicos.
"Lula pode fazer essas sinalizações de estar presente, de participar de reuniões e tudo isso quebrando um pouco o estigma", afirma.
"É possível também que as próprias instituições, para se aproximar do governo, façam uma recomposição das suas lideranças. E se haverá líderes que vão tentar se aproximar do campo lulista como já ocorreu no passado. O ônus de permanecer na oposição será perder o acesso ao poder."
O poder de articulação de Lula
Outro fator que pode pesar na relação com o antipetismo são as características políticas de Lula.
A socióloga Esther Solano, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), analisa que o presidente eleito tem mais habilidade na articulação se comparado a Dilma Rousseff em seu tempo de Planalto, período em que a sigla viveu sua maior crise.
"Lula tem uma capacidade de trânsito e negociação política maior e, assim, mais condições de manter a governabilidade. Agora, claro, vai depender obviamente de fazer um bom governo. De conseguir os resultados econômicos pragmáticos."
Para a cientista política Flávia Biroli, professora da Universidade de Brasília (UnB), ainda que a direita tenha maioria expressiva no Senado e na Câmara, é preciso observar como setores menos alinhados ao bolsonarismo e que integram o Centrão vão se posicionar em relação a Lula — e como o presidente eleito vai compor alianças estratégicas para avançar suas políticas de governo.
"Concedendo vantagens a esses grupos será que haverá uma disposição de manter uma oposição direta a Lula no sentido de enfraquecê-lo? Para o bolsonarismo vai ser importante bloquear o governo. Mas eu apostaria que para boa parte dessa direita vai fazer aquilo de manter na corda para obter vantagens. Essa direita vai operar de vez em quando com o bolsonarismo na sociedade, mas nem sempre isso vai interessar."
Victor Araújo, pesquisador vinculado ao CEM (Centro de Estudos da Metrópole) da USP, afirma que "o PT sempre teve que conviver como antipetismo durante os seus governos e isso não o impediu de governar. Os desafios agora serão outros e maiores. O PT vai encontrar uma economia estagnada, uma situação fiscal delicada e um país dividido no plano dos afetos (polarização afetiva). Esses são os verdadeiros desafios para a próxima gestão".
Lula terá que encontrar saídas sob a perspectiva de retração da economia mundial devido à Guerra da Ucrânia e herdará um rombo nas contas públicas que em agosto avançou 406,7% em termos reais e teve o pior resultado desde 2020.
O bolsonarismo já se sobrepõe ao antipetismo?
"O antipetismo foi um fator muito importante para o surgimento de Bolsonaro e para a sua eleição em 2018. Mas hoje o bolsonarismo absorve e ultrapassa o antipetismo", analisa Biroli, da UnB.
A compreensão do novo cenário político brasileiro passa por observar como o movimento se estruturará nos próximos meses. A cientista política observa que o bolsonarismo é menor do que a quantidade de votos que atual presidente recebeu, mas se tornou mais extremo durante a eleição.
"É um movimento muito mais consolidado que em 2018, mais radicalizado e mais claramente concentrado em setores que se dispuseram não só a se manterem alinhados a Bolsonaro depois de tudo que ocorreu nesses quatro anos, mas que também definiram com mais clareza uma posição mais radical."
"Que força terá esse movimento menor, mas mais radicalizado, para criar instabilidade no país?", pergunta Biroli.
Valle, do Observatório Evangélico, recorda que o resultado dos processos envolvendo Bolsonaro e o bolsonarismo na Justiça podem determinar zigue-zagues no cenário político.
"Bolsonaro vai ser preso, vai ser punido por alguma coisa? Vai ser provado alguma coisa contra ele ou não? É disso que vai decorrer o espaço que o bolsonarismo vai ter de atuação."