Meses atrás, a pensionista Márcia*, de 67 anos, recebeu o diagnóstico de câncer de mama.
Ela entendeu que teria pela frente uma corrida contra o tempo para iniciar o tratamento o quanto antes para evitar a expansão da doença.
"Comecei a sentir as dores em agosto, aí em setembro fiz exames e tive a notícia de que era câncer", conta Márcia à BBC News Brasil.
Moradora de Itaboraí (RJ), ela começou a fazer acompanhamento em um hospital do Instituto Nacional do Câncer (Inca) na capital fluminense, para o qual foi encaminhada pelo sistema público do seu município.
Nesta terça-feira (1/11), Márcia tinha um exame fundamental: uma biópsia que apontaria exatamente o tipo de câncer que ela tem. Isso será importante para que os médicos tracem o melhor tratamento para ela.
"Todos os lugares que a gente passaria para ir ao Rio de Janeiro foram fechados (pelo bloqueio)", lamenta. Ela telefonou para o hospital para informar a situação e desmarcou o exame.
Assim como Márcia, há inúmeras histórias de pessoas que tiveram suas vidas afetadas de diferentes formas em razão dos bloqueios nas rodovias do país.
O movimento é liderado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) que contestam a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — e tomou conta de centenas de rodovias pelo país.
O setor da saúde foi um dos que foram duramente afetados. Nas redes há inúmeros relatos de pacientes que enfrentam a consequência da manifestação, que continua em diversos pontos mesmo após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) para desobstrução das vias.
Em alguns lugares, hospitais receberam alertas de que a entrega de oxigênio, um insumo básico necessário para manter vivos pacientes que estão internados em situação mais grave, pode sofrer atrasos.
'Ela tem sentido muitas dores no peito'
O atraso no exame de Márcia causou preocupação em familiares dela. "A minha avó tem sentido muitas dores no peito. E ela é idosa, hipertensa e diabética", diz uma das netas dela.
"E nós fomos informadas de que, para conseguir o tratamento pelo SUS (Sistema Único de Saúde), os exames deveriam ser feitos lá (na unidade do Inca em que Márcia faz acompanhamento)", acrescenta a neta.
Após desmarcar a consulta desta terça-feira, Márcia pediu ajuda para que o procedimento fosse remarcado para o período mais próximo possível.
"No hospital, eles são muito atenciosos e a moça disse que entendia a minha situação. Ela me falou que iria tentar remarcar para a semana que vem, mas não confirmou ainda se conseguiria. Agora é aguardar."
Cada dia sem um diagnóstico exato é uma preocupação a mais para Márcia. "A doença vai aumentando, né, meu filho. Quanto menos tempo até começar o tratamento, melhor. E eu já estou há mais de três meses sentindo dores."
O câncer de mama é o tipo mais comum da doença, com mais de 2,2 milhões de casos em todo o mundo todos os anos, segundo dados mais recentes, de 2020, da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Estima-se que cerca de uma em cada 12 mulheres vai desenvolver câncer de mama ao longo da vida — a doença é a principal causa de morte entre elas.
Por enquanto, uma das poucas informações que Márcia tem sobre o seu tratamento é de que passará por uma cirurgia na mama esquerda em breve.
Ela acredita que já deveria estar fazendo quimioterapia, mas afirma que perdeu tempo ao ser encaminhada inicialmente a um outro hospital, que não tinha o tratamento que ela precisava.
Além de lamentar o problema que viveu em razão do bloqueio das rodovias, Márcia frisa que a sua preocupação referente ao atual cenário do país não se resume à dificuldade que viveu nesta terça-feira.
"Eu também fico triste com tudo isso no país, porque eu já vivi 67 anos e nunca vi uma situação tão tumultuada, um governo tão tumultuado e com tantas ofensas aos mais pobres. E tudo o que vier de ruim do governo também me atinge", declara.
*Nome alterado a pedido da entrevistada.
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63479376