Eleito presidente com a maior coligação já montada pelo PT e formalmente apoiado por outros nove partidos, Luiz Inácio Lula da Silva contempla, na equipe de transição que vai ampará-lo até a posse, representantes das diversas forças que endossaram sua campanha.
Além de quadros petistas e de filiados a legendas aliadas de primeira hora, como o PCdoB, o conselho político e os grupos temáticos do processo de transferência de poder contam com apoios importantes que aderiram à coalizão de Lula no segundo turno — a senadora Simone Tebet (MDB-MS), por exemplo, foi escalada para a área de desenvolvimento social e combate à fome.
Há mistura de visões também entre os economistas da transição. A equipe tem Guilherme Mello e Nelson Barbosa, ligados à cúpula do PT, mas também conta com Persio Arida e André Lara Resende, de origem liberal e idealizadores do Plano Real.
Os desafios de Lula ao formar uma coalizão de frente ampla e ainda contar com a adesão de economistas do Plano Real são analisados por especialistas ouvidos pelo Estado de Minas diante a pressão do PT histórico.
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Para o cientista político Alberto Carlos Almeida, autor do livro “A mão e a luva: O que elege um presidente”, os nomes escolhidos para a transição refletem os apoios angariados por Lula no primeiro e no segundo turnos, mas não apenas isso. Segundo ele, a diversidade de pensamento dos interlocutores presentes no grupo representa também um estilo próprio do petista. “Isso já aconteceu. Não é novidade quando se trata de Lula. Ele fez exatamente assim em 2002 e 2003”, diz, ao Estado de Minas, citando a diversidade de nomes presente na Esplanada dos Ministérios durante a fase inicial do primeiro mandato do petista.
“Foi exatamente assim que começou o primeiro governo Lula. Havia (Luiz Fernando) Furlan, empresário de São Paulo, como ministro da Indústria e Comércio; Roberto Rodrigues na Agricultura; e (Antônio) Palocci na Fazenda”, lista. Furlan e Rodrigues, citados por Almeida, tinham trajetórias ligadas ao empresariado, enquanto Palocci, na outra ponta, era, à época, um dos mais relevantes quadros políticos do PT.
Almeida crê que as diferentes correntes seguidas pelos conselheiros econômicos de Lula evidenciam que o caminho a ser seguido pelo futuro governo na área vai ser aquele que o presidente eleito determinar. “Isso, para Lula, é importante. Ele quer ter essa decisão somente nas mãos dele. Há Guilherme Mello e Nelson Barbosa, considerados próximos do PT; e, distantes do PT, André Lara Resende e Pérsio Arida. Ele agrada a todo mundo: tanto aos críticos do PT quanto aos petistas”, aponta.
ALCKMIN
Reginaldo Nogueira, mestre em economia e diretor-geral do Ibmec em São Paulo, tem opinião diferente. Para ele, embora a escolha de Geraldo Alckmin para o comando da transição ilustre o desejo de Lula por um movimento ao centro, há mudanças recentes que alteram a percepção sobre o tom ampliado da passagem de bastão. “A pressão do PT tem sido forte demais em Alckmin e não parece mais que essa é uma frente ampla. Ela volta a parecer um pouco o que eram os governos do PT antes. Eram, basicamente, governos do PT com alguns poucos nomes de partidos da base aliada, com muito pouco espaço para quem vem de fora, inclusive para o MDB”, contesta.
Na semana passada, o presidente eleito questionou a necessidade de manter o debate sobre a economia orbitando em torno de tópicos como o teto de gastos públicos. Durante discurso em Brasília, na quinta-feira, o petista defendeu o combate à fome como prioridade sobre a estabilidade fiscal. “Por que as pessoas são levadas a sofrer por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal neste país? Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gastos? É preciso fazer superávits? É preciso fazer teto de gastos? Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gastos não discutem a questão social do país?”, perguntou.
A fala gerou ruídos entre parte das forças que apoiaram Lula. Conselheira econômica de Tebet, Elena Landau criticou a avaliação do petista. “As pessoas tinham um pouco de esperança de ter um Lula de 2003, pragmático, entendendo a importância da questão fiscal para se atingir a responsabilidade social. O que vimos foi um discurso populista, que traz o monopólio da virtude para a esquerda”, criticou ela em entrevista à CNN Brasil, afirmando que os pobres são os mais afetados por irresponsabilidades fiscais. Armínio Fraga, outro liberal a embarcar no bloco liderado pelo PT, também demonstrou irritação.
Por isso, para Nogueira, o campo econômico é, justamente, o setor capaz de comprovar a existência de dissonâncias entre as forças da frente lulista. “Isso mostra claramente o seguinte: na prática, não parece ser uma frente ampla e parece ter pouco espaço para uma discussão além do campo de esquerda tradicional do PT”.
Conselho político une 14 partidos
O conselho político da equipe de transição tem lideranças de 14 partidos. Além de PT, PSB, Agir, Avante, Solidariedade, Psol, Rede, PCdoB e PV, que apoiaram Lula no primeiro turno, indicaram representantes PDT, MDB, Cidadania e PSD. Mesmo partidos que nomearam representantes para aconselhar Lula, como o Psol, que apontou para a função o presidente nacional da sigla, Juliano Medeiros, não sabem se vão compor oficialmente o governo. Como mostrou na semana passada o Estado de Minas, os pessolistas, que formam uma federação com a Rede, deixaram para dezembro a decisão sobre o embarque na base aliada. A presença, na transição, dos partidos que sinalizaram possível apoio a Lula, porém, é vista como essencial pela direção do PT. “Achamos muito importante ter os partidos institucionalmente, formalmente nesse processo”, afirmou, na semana passada, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), presidente nacional da agremiação.
Os aliados do petista têm feito questão de destacar também que a presença na transição não significa convite para algum dos ministérios do novo governo. O recado já foi dado publicamente por Geraldo Alckmin e, também, por outros interlocutores de Lula. “O grupo de transição é, sobretudo, mais técnico, para juntar informações para subsidiar as decisões do presidente e do vice”, garantiu, na semana passada, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). "Nenhum dos nomes que constam na transição, vinculadamente, vai assumir qualquer cargo no governo futuro. Isso foi deixado claro pelo presidente (eleito), pelo vice-presidente (eleito)", completou.
De Minas, ao menos quatro nomes devem fazer parte da transição. O deputado estadual André Quintão (PT) vai colaborar na área de desenvolvimento social, enquanto a ex-ministra Nilma Lino Gomes, das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, e o sociólogo Martvs das Chagas vão atuar no setor que trata, justamente, da igualdade racial. Embora o comitê de educação não tenha sido anunciado, a deputada estadual eleita Macaé Evaristo vai participar dos debates a respeito do ensino.