Afirmando que o PT caminha para não ter candidato, Lopes diz que Lira tem adotado uma postura "extremamente colaborativa". "Arthur Lira sempre tem viabilizado e tentado contribuir com os governantes, com os presidentes."
O sr. defende que o PT faça uma aliança com Arthur Lira?
Eu tenho defendido que o PT tenha uma pauta legislativa, que vai ao encontro do programa vitorioso do presidente Lula, e que o partido apresente essa pauta para os candidatos a presidente da Câmara.
O próprio Lula tem dito que as disputas da Câmara e do Senado são uma questão interna das Casas e que cabe às bancadas do PT [no Congresso] conduzir esse processo.
O PT vai ter candidato?
Caminha para não ter candidato. O partido compreende que o mais importante neste momento é estabelecer parcerias na Câmara que deem a Lula governabilidade. Essa governabilidade se dará a partir de uma pauta pública, transparente, que represente os anseios do povo brasileiro para esses próximos quatro anos.
Qual é o cerne dessa pauta?
Primeiro, evidente, é viabilizar o governo de 2023. O Orçamento que foi enviado pelo governo atual tem furo em vários ministérios, em várias ações das políticas públicas. É impossível governar com a proposta orçamentária que veio.
O que nós estamos construindo nesse primeiro momento é apoio para tramitação e aprovação da PEC da Transição. Essa PEC permite ao presidente Lula honrar o compromisso do Bolsa Família de R$ 600 e também o apoio às famílias que têm mais crianças.
O presidente Lula, nos debates e na sua campanha, deixou muito explícito que é preciso resolver o problema da fome; e valorizar o salário mínimo para a economia voltar a crescer.
Também resolver a carência de recursos no Ministério da Educação para várias iniciativas, entre outras ações.
Qual foi a receptividade de Arthur Lira a essas ideias?
Uma postura extremamente colaborativa. O presidente Arthur Lira reafirmou sua trajetória política de 30 anos, que sempre foi republicana, comprometida com os interesses do país. E reafirmou ali [encontro entre Lula e Lira, em Brasília, em 9 de novembro] o que ele manifestou na noite da eleição, reconhecendo imediatamente a vitória do presidente Lula.
Disse que a partir desse reconhecimento ele entendia que é muito legítimo que aquilo que foi vencedor nas urnas possa ser viabilizado ainda nesta legislatura, e que ele era um colaborador dessa agenda.
Que formato de PEC o sr. defende que seja aprovado?
Por princípio, e não estou falando em nome do governo, acho que o Brasil deveria modernizar a sua legislação fiscal. Trazer para as metas fiscais o debate sobre as metas sociais. Acho que transferência de renda deve ser um princípio que, tanto nas atuais como nas futuras regras fiscais, deveria ficar de fora [do teto de gastos].
Nós temos quatro regras fiscais: meta primária, regra de ouro, Lei de Responsabilidade Fiscal e o teto de gastos. Acho que o presidente Lula pode debater no próximo ano unificar em uma única regra, mais moderna, e que possa ter previsibilidade e credibilidade.
O que o sr. achou da reação do mercado às declarações de Lula sobre a política fiscal? Eu não compreendi. O presidente Lula repetiu o que ele tem defendido desde a criação da regra do teto de gasto. Por que se tornou inviável e em seu segundo ano já foi alterado?
Porque o Brasil perdeu o controle da inflação, teve um aumento da despesas obrigatórias, que ocupou o espaço das despesas discricionárias.
Então, se essa regra não for revista ou se não abrir uma excepcionalidade igual o Bolsonaro abriu três vezes, você para o país. Você vai ter o professor recebendo salário, mas não vai ter energia, água, insumos na saúde etc.
O mercado precisa ter essa compressão e essa sensibilidade. A menos que todo mundo ache normal um dos países que mais exportam alimentos no planeta deixar as pessoas morreram com fome, deixar 10 milhões de crianças dormir com fome; ou que a universidade não pague conta de luz, de água.
A PEC da Transição será um laboratório do que vai ser a futura base de Lula no Congresso?
Sim, parte dela. Temos duas grandes tarefas. A primeira, ajustar o Orçamento a partir dos desejos manifestado pelo povo brasileiro nas urnas. A segunda, já na nova legislatura, consolidar uma base sólida que dê ao presidente Lula quatro anos de governabilidade.
Essa base sólida é possível sem o centrão e Lira?
Parte dos políticos que compõem o centro ou o centrão sempre são muito sensíveis às manifestações populares, às manifestações das ruas. Eu acredito que é possível que parte desses parlamentares vote pontualmente em algumas propostas do governo ou tenha um reposicionamento e componha em definitivo a base do governo do presidente Lula.
O sr. vê alguma incoerência ou obstáculo em Lira fazer parte dessa base?
Eu acredito que não. Arthur Lira sempre tem viabilizado e tentado contribuir com os governantes, com os presidentes. Fez assim no passado, com a própria presidenta Dilma [Rousseff], e ajudou muito o governo do Bolsonaro.
O que ele pediu em troca desse apoio?
Nada. Ele falou que via no gesto do presidente Lula o diálogo. Ou seja, eu também concordo com o presidente Arthur Lira. Lula reinaugurou uma nova fase na República brasileira, que é o respeito às instituições, aos Poderes, às lideranças.
Quando, antes de apresentar o projeto [da PEC], ele procura o presidente da Câmara dos Deputados, depois procura presidente do Senado, o Supremo, o Tribunal Superior Eleitoral, isso demonstra como o presidente Lula estabelece uma nova relação da democracia brasileira - que é uma relação de respeito e de muito diálogo. Isto derruba qualquer dificuldade de governabilidade.
É bom lembrar que a primeira fotografia que o presidente Lula buscou no momento em que ele decidiu ser candidato foi a fotografia de um antigo adversário, o governador Geraldo Alckmin [vice eleito]. Ele sinalizava ali que queria ser presidente de um amplo movimento que pudesse reconstruir o Brasil e reafirmar os valores da democracia.
Qual é a diferença do PT de 2003 para o PT de 2023?
É um partido mais maduro, mais calejado, um partido que sabe que não pode errar em nada. Que precisa fazer mudanças mais estruturantes do que foi feito no passado e avançar ainda mais.
É evidente que o Brasil tem ainda alguns desafios do passado. Por exemplo, é muito rico para deixar algum brasileiro passando fome. Isso é inaceitável.
A gente pode melhorar muito mais ainda no próximo governo. O próprio presidente Lula sabe disso, que se ele fizer igual ou empatar, ele perde o jogo. Ele precisa fazer mais do que já fez no passado.