A equipe do presidente eleito, Lula (PT), tenta costurar com a base aliada do presidente Jair Bolsonaro (PL) um acordo para aprovar, o mais rapidamente possível, o texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, cuja minuta foi entregue ao Congresso no último dia 16. Aquilo que, de início, parecia contar com a colaboração e boa vontade do Centrão, diante da urgência na tramitação, empacou.
A futura oposição ao governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) antecipou a ida para outro lado do balcão e já colocou os primeiros obstáculos. Na semana passada, os líderes na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), e no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), deixaram claro que a atual base do governo não dará todos os pontos da PEC de mão beijada ao PT.
Leia Mais
Randolfe convocará ministro do TCU no Senado para explicar insinuaçõesPGR trava acesso da PF a dados da CPI da COVID em investigação a BolsonaroComo psicólogos têm tratado o adoecimento político na//www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/11/21/interna_politica,1423616/amp.html>Damares promete combater a 'erotização de crianças' no SenadoTebet sobre apoio a Lula: 'Decisão mais arriscada da minha vida política'Ministro do TCU explica áudio vazado: 'Mal interpretado'Governo de transição encontra dificuldade na mobilidade, diz RandolfeGleisi reclama sobre novos bloqueios bolsonaristas: 'Pessoas cruéis'Alessandro Vieira propõe PEC de valor alternativo à PEC da Transição
Portinho, por sua vez, apontou que o Auxílio Brasil fora do teto permanentemente será "muito difícil". Fontes do atual governo afirmam que "não tem chance" de a gestão Lula conseguir apoio para aprovar a PEC nesses termos. A base bolsonarista argumenta que a PEC não pode se tornar "um cheque em branco" para o governo eleito, que atribui a formatação da proposta de emenda ao Orçamento enviado por Bolsonaro ao Congresso.
Carimbo
"É um dinheiro carimbado, não é um cheque em branco. Tem um destino, um propósito verdadeiro. O cheque em branco é mais uma alegoria para dizer que o governante sempre terá uma desculpa que vai dar para não cumprir o teto dos gastos. É mais da questão do princípio do que da quantia", explica o economista e analista político Másimo Della Justina.
Para o relator-geral do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), colocar medidas fora do teto de gastos é necessário, "independentemente do vitorioso nas urnas". Ele classificou o texto remetido pelo governo de transição ao Congresso como "PEC da salvação". O parlamentar destacou, ainda, diversos pontos de defasagem que o Orçamento enviado pelo atual governo possui.
Na área da saúde, estão previstos cortes de R$ 3,3 bilhões. Programas como o Farmácia Popular, além de tratamentos para HIV e câncer, serão duramente impactados caso o Orçamento não sofra alterações. Na educação, a merenda escolar não é reajustada desde 2017 devido a um veto de Bolsonaro para corrigir tais recursos pela inflação. Também há um bloqueio de R$ 796,5 milhões para a compra de livros didáticos — cerca de 70 milhões de instrumentos de ensino para alunos e professores dos primeiros anos do ensino fundamental deixaram de ser comprados. Cerca de 12 milhões de estudantes correm o risco de iniciar as aulas em 2023 sem material didático.
Castro também faz diversas críticas ao Orçamento previsto para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Segundo o senador, a autarquia não terá capacidade de manter as estradas com o orçamento previsto de R$ 6 bilhões. A peça orçamentária para 2023 prevê R$ 63 bilhões a menos nos gastos para despesas obrigatórias em comparação ao ano de 2016, quando o Congresso aprovou o teto de gastos no governo do presidente Michel Temer.
Negociação
Na avaliação do professor de ciência política Valdir Pucci, o governo deve conseguir colocar o Bolsa Família fora do teto de gastos, mas somente para o próximo ano. Mas ele vê espaço para negociação.
"Não será fácil. Entretanto, acredito que o governo transitório conseguirá, pelo menos, a aprovação de colocar o Bolsa Família fora do teto de gastos em 2023. Um período maior só virá com os novos parlamentares eleitos, no ano que vem, e com uma política econômica mais clara, ou seja, conseguirá para o próximo ano, mas deverá negociar mudanças mais profundas com o novo Congresso", analisou.
A tramitação da PEC começará no Senado. Castro estima que a votação na Casa ocorra dia 29. Além das divergências no Legislativo sobre o teor do texto, há pressão do mercado financeiro, que pode levar a um enxugamento ainda maior da proposta.
"Do ponto de vista econômico, os mercados, principalmente de ações, gostam de fazer dinheiro em cima de fatos políticos. Quando a bolsa reage, está especulando. Pega um fato político que não é novidade, mas aproveita isso para derrubar a bolsa para elevar o valor do dólar", explica Della Justina.
A expectativa é que a tramitação no Senado seja rápida. Na Câmara, deve ser apensada à PEC 24/2019, já sujeita à deliberação do Plenário, segundo Castro. A matéria deve ser aprovada até 16 de dezembro para ir à sanção presidencial.