A equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), discute fixar no texto da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição o valor exato de gastos extras no ano de 2023 para ampliar o Bolsa Família e recompor o Orçamento do ano que vem.
A referência atual para essa cifra é o cálculo de R$ 150 bilhões feito pelo time da transição como indicativo da margem de expansão das despesas para igualar o que deve ser gasto em 2022, último ano da administração de Jair Bolsonaro (PL).
No entanto, uma ampliação de despesas na magnitude pretendida pelo PT, sem compensação com elevação de receitas ou corte de outros gastos, teria como consequência a elevação do déficit das contas em 2023. O Orçamento projeta oficialmente um rombo de R$ 63,5 bilhões, mas o atual governo atualizou essa estimativa para um número menor, embora ainda negativo em R$ 40,4 bilhões.
A existência de déficits públicos indica que o governo está financiando despesas por meio de emissão de um volume maior da dívida brasileira. O custo fica próximo da taxa básica de juros da economia, a Selic, hoje em 13,75% ao ano.
A costura dessa saída ganha força no momento em que o PT tenta destravar o avanço da PEC em meio a críticas do mercado financeiro e de algumas lideranças no Congresso.
Esses setores temem que o formato atual da proposta, excluindo o programa Bolsa Família do teto de gastos sem um valor pré-determinado, signifique um "cheque em branco" para o novo governo. A estimativa do próprio partido é que o programa social custaria R$ 175 bilhões, mas os críticos veem na ausência de uma trava explícita uma brecha para que o número fique ainda maior.
A incerteza sobre o tamanho da fatura tem causado bastante ruído no mercado financeiro e contribuído para a elevação das taxas de juros - que servem de balizador para o custo da dívida pública.
Há o reconhecimento entre os negociadores de que a fixação de um valor na PEC pode ajudar a minimizar a repercussão negativa da proposta. O formato também estaria mais alinhado à lógica que vem sendo defendida pelo grupo de economia na transição.
A expansão do teto de gastos poderia ser feita por prazo determinado e vir aliada de um dispositivo para restaurar a possibilidade de rever a regra por projeto de lei complementar, que tem tramitação mais simplificada do que uma PEC. É mencionada a intenção de a revisão ser feita já em 2023, com validade a partir de 2024 - dando tempo ao novo governo para debater as propostas.
A leitura feita pela equipe de Lula é que a inclusão do instrumento reforçaria o compromisso do novo governo com a reformulação do arcabouço fiscal. Há a possibilidade de serem previstas diretrizes para o novo regime a ser instituído, como revisão periódica de despesas.
O senador eleito Wellington Dias (PT-PI), interlocutor do novo governo nas discussões do Orçamento, já incorporou em seu discurso a necessidade de buscar a estabilidade no nível de gastos em relação ao PIB.
A proposta orçamentária do ano que vem foi enviada com uma despesa de 17,58% do PIB - um corte de 1,4 ponto percentual em relação a este ano, algo considerado pelo partido como impraticável diante do risco de colapso nas políticas públicas.
"Há necessidade de a gente garantir a PEC do Bolsa Família, que ela seja a PEC do social, a PEC dos serviços públicos funcionando, a PEC também para os investimentos, e é claro, a PEC da responsabilidade fiscal. Com isso, o primário, aquele limite base de 2022 de 19% das despesas como proporção do PIB seja também uma referência para 2023", afirmou Dias em vídeo gravado e distribuído por sua assessoria de imprensa.
O senador eleito conversou na quarta-feira (23/11) com o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), autor de uma proposta para elevar o teto de gastos em R$ 80 bilhões em 2023. Após o encontro, o petista disse que o texto apresentado por Tasso deve ser analisado "com muita atenção" e indicou a possibilidade de convergência entre as propostas, embora com mudanças no valor.
Segundo negociadores ouvidos pela reportagem, o modelo sugerido pelo senador tucano de expandir o teto de gastos, mantendo as despesas sob esse limite, pode ser incorporado à PEC da Transição. A avaliação é de que isso reduziria o ruído em torno do formato, além de favorecer a fixação de um valor.
O modelo também não inviabiliza o desejo dos parlamentares de carimbar os recursos adicionais para programas sociais, uma forma de construir o discurso político para ampliar a aceitação da PEC no Parlamento.
Outra possibilidade é seguir excluindo o Bolsa Família do teto de gastos, mas limitado ao valor definido no texto.
A margem calculada para a expansão das despesas em 2023 também pode mudar. Como mostrou a reportagem, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revisou o PIB de 2020, indicando que houve uma queda menos intensa da atividade econômica do que o calculado inicialmente. A incorporação dessa mudança na base de cálculo deve deflagrar uma onda de revisões nos dados dos períodos seguintes, interferindo na relação despesa/PIB verificada em 2022 e esperada para 2023.
A divulgação da revisão será feita pelo IBGE em 1º de dezembro. Ainda que isso resulte em margem superior aos atuais R$ 150 bilhões calculados pela transição de Lula, o valor pode ser modificado na PEC durante a tramitação no Congresso Nacional.
Por outro lado, o ganho pode ser menos intenso se prevalecer um cenário de menor crescimento da economia no ano que vem. Por enquanto, o Orçamento de 2023 está sendo formulado com uma estimativa de alta de 2,5% do PIB, cenário considerado otimista pelo mercado (que espera 0,7% em média). O Ministério da Economia revisou sua projeção na semana passada para 2,1%.