As emendas de relator, identificadas como RP9 nos dados do Congresso Nacional, são uma ferramenta que permite aos parlamentares o requerimento de verba da União sem detalhes como identificação ou mesmo destinação dos recursos.
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A mais simples de resolver é a falta de transparência, origem das primeiras críticas feitas ao obscuro mecanismo criado pelos líderes do centrão no governo Jair Bolsonaro (PL) para azeitar barganhas políticas e repassar verbas a bases eleitorais de deputados e senadores.
O esquema criado pelo centrão permite que o relator-geral da Comissão Mista de Orçamento reserve uma parte das verbas no Orçamento da União para despesas indicadas pelos parlamentares e lhe dá poderes para definir quais despesas serão de fato executadas ao longo do ano.
O QUE SÃO EMENDAS DE RELATOR?
A Constituição de 1988 permite a criação de emendas parlamentares, visando descentralizar a gestão orçamentária e tornar os projetos federais mais acessíveis em escala local. Hoje, temos quatro tipos de emendas —individuais, de bancada, de comissão e de relator— algumas obrigatórias, e outras optativas.
Entre as vinculativas, estão as emendas individuais e de bancada: uma é destinada aos parlamentares, podendo ele decidir onde alocar o dinheiro, e outra é destinada às bancadas estaduais, que também possui autonomia para deliberar sobre os investimentos.
Já entre as opcionais estão as emendas de comissão e de relator —enquanto a primeira destina valores às comissões temáticas do Congresso, a segunda permite ao relator-geral da Comissão Mista de Orçamento alterar ou incluir despesas nas finanças públicas anualmente.
QUAL O PROBLEMA?
Os recursos separados pelo relator no Orçamento são distribuídos durante o ano de acordo com indicações dos parlamentares, sem transparência e sem critérios claros para divisão do dinheiro.
Uma questão que os ministros do STF terão que enfrentar é a falta de critério para distribuição do dinheiro reservado pelas emendas do relator, que têm sido usadas para favorecer parlamentares alinhados com o governo e a cúpula do Congresso, em detrimento de seus adversários.
Além disso, as regras das emendas estabelecem certos limites para aplicação dos recursos, exigindo que a maior parte seja destinada a ações na área de saúde, e restringem os valores reservados para as emendas a uma fatia das receitas federais, para impedir sua expansão sem controle.
Nada disso existe no caso das emendas do relator, que são reguladas por normas internas do Legislativo, alteradas todos os anos. Essas regras ampliaram muito o campo de atuação do relator, autorizando o uso das suas emendas para financiar quase todo tipo de despesa.
QUANDO ESSAS EMENDAS FORAM CRIADAS?
A emenda de relator iniciou-se no Palácio do Planalto, no gabinete de Luiz Eduardo Ramos, o então ministro da Secretaria de Governo, que resgatou um dispositivo incluído pelo Congresso na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), mas que havia sido vetado por Bolsonaro três semanas antes.
Em dezembro de 2019, o ministro assinou o documento que criou a emenda chamada RP9. A nova lei, que alterou o orçamento de 2020, foi aprovada e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro.
Durante as eleições presidenciais, Bolsonaro, que concorria à reeleição, disse ter vetado a emenda de relator. O que aconteceu, porém, foi o veto de Bolsonaro a uma tentativa do Congresso de viabilizar a emenda de relator por meio da LDO.
No entanto, o presidente, temendo a perda de governabilidade, recuou da decisão e mandou ao Congresso um texto próprio sobre a emenda, aprovado e sancionado.
Com o mecanismo existente hoje, o relator do Orçamento continua trabalhando depois que a lei orçamentária é sancionada pelo presidente da República, interferindo o ano inteiro na execução das despesas ao definir onde os recursos reservados por suas emendas serão gastos.
QUAL O VALOR DAS EMENDAS?
Quando implementada, em 2020, as emendas de relator custaram aos cofres públicos um total de R$ 7 bilhões. No ano seguinte, foram empenhados R$ 10,5 bilhões para a modalidade.
Já neste ano, R$ 16,5 bilhões foram aprovados e destinados ao uso de deputados e senadores por meio das emendas RP9.
A proposta do Executivo para o Orçamento de 2023, ainda em discussão, reserva R$ 19,4 bilhões para emendas individuais e de bancadas estaduais e separa outros R$ 19,4 bilhões para as emendas do relator.
QUEM QUESTIONA A LEGALIDADE DAS EMENDAS NO STF?
Quatro partidos políticos moveram ações em 2021, sendo eles o Cidadania, PSB, PSOL e PV.
Segundo as ações, as emendas do relator violam os princípios constitucionais que exigem publicidade, impessoalidade e moralidade na administração pública.
As três primeiras siglas entraram com petições contra a ferramenta no ano passado e questionavam o uso dos recursos em tratativas do governo Bolsonaro com o Congresso. A quarta ação, do PV, foi apresentada neste ano, e reforçava os argumentos anteriores.
Já a ação do PSOL é mais ampla. A legenda afirma que as emendas de relator em si são inconstitucionais porque permitiram "o uso da execução orçamentária como instrumento de barganha e troca de apoio político".
COMO SERÁ O JULGAMENTO?
O julgamento em plenário pelos ministros do STF está previsto para começar nesta quarta-feira (7), e todas as quatro ações de inconstitucionalidade serão analisadas conjuntamente.
Reportagem da Folha de S.Paulo mostrou haver receio de petistas de que eventual decisão do Supremo contra as emendas prejudique a relação dos aliados do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Uma das possibilidades é que a corte declare a legalidade das emendas, mas impondo limitações a ele –por exemplo, determinando mais transparência e menos direcionamento político aos recursos, em consonância com a decisão do ano passado.
Não será surpresa, porém, que um dos ministros peça vista (mais tempo para análise) e suspenda o julgamento por tempo indeterminado.
O QUE O STF JÁ DECIDIU?
Em 2021, o STF determinou que o Congresso criasse um sistema para divulgação dos patrocinadores e dos beneficiários das emendas do relator. O sistema criado deu mais transparência às emendas, mas ainda oculta muitas informações.
HÁ DESVIOS?
As emendas têm sido usadas para barganhas políticas entre o governo e a cúpula do Congresso, favorecendo aliados da base aliada do Planalto. Há suspeitas de fraude na execução das despesas, mas a falta de transparência dificulta o controle.
Como a Folha de S.Paulo revelou, a gestão Bolsonaro passou a usar em larga escala uma manobra licitatória para dar vazão aos recursos bilionários das emendas parlamentares.
A estratégia deixou em segundo plano o planejamento, a qualidade e a fiscalização, abrindo margem para serviços precários, desvios, superfaturamentos e corrupção.
A essência do emendoduto é o afrouxamento do controle sobre obras de pavimentação da estatal federal Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), hoje sob o comando do centrão.