Depois de semanas de especulação, o ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação Fernando Haddad foi anunciado nesta sexta-feira (09/12) para o comando da área econômica do terceiro governo Lula, que se inicia em 1° de janeiro de 2023.
Haddad, um quadro do PT que ganhou destaque e força dentro do partido a partir da década passada, enfrentará desafios complexos em um setor que será vital para o sucesso do próximo governo.
O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro perdeu força no terceiro trimestre, os juros básicos estão um patamar bastante elevado (13,5% ao ano) e há uma perspectiva de recessão internacional no horizonte.
A área econômica do governo eleito começou a ser testada logo após a confirmação da vitória no segundo turno.
Declarações de Lula colocando programas sociais entre suas prioridades levaram o mercado a dar sinais de preocupação sobre responsabilidade fiscal a partir do ano que vem — embora o governo Jair Bolsonaro tenha estourado o teto de gastos em quase R$ 800 bilhões em quatro anos.
Houve pressão para uma definição rápida do futuro responsável pela área econômica, mas Lula segurou o anúncio até se aproximar do momento de sua diplomação como presidente da República, que ocorre na próxima segunda-feira (12/09).
O setor deverá ter uma composição diferente no governo. O superministério da Economia sob Paulo Guedes voltará a ser desmembrado em três pastas diferentes: Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio.
Haddad, de 59 anos, tem mestrado em Economia. É também graduado em Direito e possui doutorado em Filosofia — todos os cursos pela Universidade de São Paulo (USP), onde atualmente é professor de Ciência Política.
Foi analista de investimentos do Unibanco e consultor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), onde foi um dos responsáveis pela criação da Tabela Fipe, até hoje uma das principais referências para o valor de negociação de carros.
Os desafios de primeira hora
Juliana Inhasz, professora do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), afirma que Haddad "tem uma bomba na mão".
Ela diz que a ampliação do teto de gastos do governo em R$ 145 bilhões (aprovada no Senado e que agora segue para a Câmara) não resolve as limitações que o novo ministro da Fazenda terá que encarar.
"A expansão do teto contempla uma quantidade de recursos para o Bolsa Família [atual Auxílio Brasil], para um certo aumento do salário mínimo e algumas outras coisas. Mas o programa do governo, olhando para o social, é bem mais ambicioso. Então a gente vai ter que entender como é que se coloca todas essas demandas para dentro da conta, considerando que muito provavelmente 2023 não é um ano de crescimento econômico grande."
Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV), considera que "a maior dificuldade para Haddad será lidar com um conjunto grande de reformas estruturais para garantir uma situação fiscal de solvência. O Estado brasileiro tem uma receita inferior do que o que precisa para fazer frente às obrigações de manter a dívida num nível controlado".
Inhasz aponta que Haddad terá que criar espaços para a economia crescer sem a ajuda do setor externo. A perspectiva é de um crescimento global baixo em 2023.
"É um cenário muito diferente de 2003, no primeiro mandato do Lula. É um Brasil de inflação alta, juros elevados e que não vai ter espaço para contar com o setor externo."
Já para o economista e professor da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo, Haddad terá que reconstruir as condições para executar uma política econômica "eficaz do ponto de vista de objetivos maiores".
"E o objetivo imediato é o enfrentamento da pobreza extrema e da situação de precarização de um contingente muito elevado de trabalhadores."
Na visão de Belluzzo, é necessário recuperar o investimento público, "muito demonizado nos anos anteriores", e que caiu para um nível muito baixo, de 0,21% do PIB.
"Tem que fazer tudo isso com muito critério e uma visão perspicaz a respeito das relações entre o gasto do Estado, a recuperação da renda e os efeitos sobre a receita fiscal. Como todos sabem, ou deveriam saber, a receita fiscal decorre da renda."
"A arrecadação do imposto de renda aumenta, assim como o valor das transações também de mercadorias, sobre as quais incide cerca de 50% da carga tributária. Isso ajuda a recuperar a receita fiscal."
Nelson Marconi, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e coordenador do programa de Ciro Gomes nas últimas duas campanhas presidenciais, analisa que o desafio mais amplo do governo é reestruturar o país do ponto de vista produtivo, "inclusive para reduzir essa polarização política".
"Eu entendo que se não tratar essa questão do ponto de vista econômico como prioridade, a gente vai continuar tendo uma sociedade bastante polarizada, muito desigual, com poucas pessoas tendo uma remuneração adequada, e a tendência é a gente ver posicionamentos cada vez mais radicais".
Marconi diz que se discute muito a questão fiscal, mas ele defende dar protagonismo ao setor produtivo.
"Para chegar nesse cenário de modernização produtiva uma das pedras principais está na questão tributária e fiscal. Eu entendo que, a cargo do Ministério da Fazenda, vai ficar muito clara essa tarefa de melhorar a situação fiscal e encaminhar a reforma tributária. Acho que é o maior desafio dele. E para isso precisa ter trânsito bom no Congresso."
Haddad e a negociação com o Congresso
No período antes da oficialização de Haddad, o deputado federal petista Alexandre Padilha foi apontado como um possível candidato ao comando da área econômica. Um dos traços apontados a favor de sua indicação era o de bom negociador político.
"Haddad vai ter que mostrar que está disposto a negociar, a ser um pouco mais político", diz Marconi.
Inhasz, do Insper, afirma que Haddad "é um cara muito pacífico e quem vai para a mesa de negociação vai ter que bater mais forte na mesa. Muitas vezes para fazer o parlamentar entender que não é a emenda dele que tem que sair, mas é a emenda que faz com que os objetivos que estão dados para a política econômica aconteçam".Para Belluzzo, o novo ministro "é muito disposto ao diálogo. Não tem nada de ser uma pessoa autossuficiente, que acha que sabe tudo".
Pessôa, da FGV, diz que "Haddad não é uma pessoa forjada na política. É um intelectual. Agora, ele já tem experiência política suficiente. Trabalhou no Ministério da Educação, aprovou diversas leis. Depois foi prefeito de São Paulo e candidato a presidente. Já tem o treinamento".
Qual é a 'escola' de Haddad?
O novo chefe da área econômica tem uma visão que não se encaixa perfeitamente na tradicional divisão entre as escolas liberais (favoráveis a controle e corte de gastos governamentais e que preveem mais liberdade ao mercado) e desenvolvimentistas (que defendem um papel mais ativo do estado na economia, com mais investimentos estatais).
"Não é um desenvolvimentista clássico mas tampouco é um liberal", diz Inhasz.
"Ele é um desenvolvimentista que entende o funcionamento do mercado, qual é a regra do jogo. Muito provavelmente não vai ser um ministro que pensa em política econômica porque ele não é um policy maker [que cria ou adota linhas econômicas mais bem definidas].
"Eu acho que ele fica no meio do caminho", afirma Marconi.
"Ele tem muitas ideias que são mais liberais. Tem uma preocupação com estratégias de desenvolvimento, mas ao mesmo tempo ele fala de estratégias mais liberais. Não fica muito claro."
Para Belluzzo, Haddad "tem uma concepção bem social-democrata, progressista, que é a de quem compreende as relações desenvolvidas ao longo da história entre o Estado e o mercado".
"Todas as experiências que foram feitas com a tentativa de suprimir o mercado não deram muito certo, como a economia do comando soviético por exemplo. Até os chineses entenderam isso rapidamente e transitaram por uma outra forma. Imagino que essa seja a visão do do Haddad, que compreende quais são as conexões, as relações e qual é a dinâmica que está implícita nisso."
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63912216