O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, mandou a Polícia Federal investigar os institutos de pesquisa eleitoral com base em uma representação assinada por Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido de Jair Bolsonaro, mostram documentos obtidos pelo UOL com base na LAI (Lei de Acesso à Informação).
Ao encaminhar o caso para a PF dois dias depois do primeiro turno, Torres alegou existir um "histórico de erros absurdos" dos institutos que influenciaria o resultado das eleições.
As investigações da PF foram suspensas pelo ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, que apontou:
- a falta de justa causa para a investigação;
- a ausência de competência da PF para conduzir o caso.
O pedido de acesso feito pelo UOL pedia a íntegra da representação na qual o ministro afirmou que baseou seu despacho à PF. A solicitação foi inicialmente negada pelo governo, que alegou sigilo.
No entanto, após recurso feito pela reportagem, também por meio da LAI, a gestão disse que não havia razão legal para impedir o acesso aos registros.
Por que esses documentos são importantes?
- Porque demonstram que um ministro do governo atendeu a um pedido feito pela campanha de Bolsonaro, então candidato à reeleição, para investigar institutos de pesquisa eleitoral;
- O ataque aos institutos alimentou a narrativa de Bolsonaro e seus aliados no segundo turno das eleições;
- Torres disse publicamente que o documento apontou "condutas" que caracterizariam a "prática de crimes" dos institutos, mas a representação tinha somente uma planilha com o resultado de pesquisas em comparação com o resultado das urnas;
- A representação de Valdemar somente mencionou pesquisas que davam Lula na frente de Bolsonaro, ignorando institutos que pregavam vitória de Bolsonaro.
Integrantes do Ministério Público Federal e da PGR consultados reservadamente pelo UOL, além de especialistas em direito penal, veem como atípica a conduta de Torres e possível "dobradinha" de Valdemar com o ministro. Valdemar só citou pesquisas com Lula na frente.
A representação assinada pelo presidente do PL pedia uma investigação contra institutos de pesquisa sobre as divergências entre os votos recebidos por Bolsonaro e as intenções de voto divulgadas nos dias anteriores. O documento foi entregue ao Ministério da Justiça em 3 de outubro -um dia depois do primeiro turno.
"É consabida a importância que as pesquisas eleitorais têm no processo eleitoral, bem como a absoluta e efetiva influência que possuem nos eleitores, sobretudo naqueles ainda indecisos", afirmou Valdemar.
O presidente do PL poupou no pedido institutos de pesquisa que davam Bolsonaro na frente de Lula, como a Brasmarket, cenário que não se confirmou nas urnas. Estratégia semelhante foi adotada pela campanha eleitoral ao questionar os institutos no TSE, como mostrou o UOL em outubro.
O documento também não traz nenhuma prova de atuação dos institutos de pesquisa para prejudicar Bolsonaro. O pedido só anexou uma planilha com a diferença entre as pesquisas de nove institutos e a porcentagem de votos recebida pelo presidente no primeiro turno.
Foram citados os seguintes institutos: Ipec, DataFolha, Ipespe, Quaest, Atlas, PoderData, Ideia, MDA e Paraná Pesquisas.
Torres criticou institutos ao cobrar investigação. Após receber a representação de Valdemar, o ministro expediu um ofício diretamente ao diretor-geral da PF, Márcio Nunes de Oliveira.
O assunto: encaminhava o pedido de Valdemar para que fosse conduzida "competente investigação" de crime de divulgação de pesquisa fraudulenta -que pode levar a prisão de 6 meses a 1 ano, além de multa de R$ 100 mil. O ministro da Justiça ainda apontou no documento, sem apresentar provas, que "não é de hoje" que se discute "erros crassos e em série" cometidos por "alguns institutos de pesquisa".
Torres ainda deu exemplos de que as pesquisas teriam falhado ao captar votos nas disputas regionais -em todos os casos, porém, ele só mencionou aliados do governo.
Os casos foram:
O desempenho do ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), que foi para o segundo turno contra Fernando Haddad (PT), que liderava as pesquisas para o governo de São Paulo;
A reeleição em primeiro turno do governador Cláudio Castro (PL) no Rio de Janeiro; A eleição do ex-ministro Marcos Pontes (PL) ao Senado por São Paulo;
A eleição do vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) ao Senado pelo Rio Juristas veem atuação incomum e possível "dobradinha" Os especialistas avaliam que a conduta de Torres é incomum e foge do padrão que se espera do titular da Justiça.
Embora o ministro possa -e até deva- encaminhar representações à PF, essas situações são consideradas excepcionais e não enquadram o caso das pesquisas eleitorais.
Além disso, apontam que Torres exprime a opinião sobre o caso, apontando "erros grosseiros" mas sem que a representação ou seu ofício apresentem elementos mínimos de prova.
"Ele carrega na tinta, ele extrapola e dá um norte. Ele está flagrantemente querendo conduzir a investigação, dando a linha para que a Polícia Judiciária atue. Nisso, ele atua com abuso de poder", diz Wálter Maierovitch, ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, professor de direito processual e penal e colunista do UOL.
Para o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles, "não é uma atitude comum". Na sua avalição, o PL também poderia ter procurado outro órgão, e não o Ministério da Justiça, para apresentar a representação.
"O presidente do partido político bem poderia dirigir-se diretamente à Superintendência da PF", diz Claudio Fonteles, ex-PGR.
O advogado criminalista Davi Tangerino, professor de direito da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), diz que, ao procurar o Ministério da Justiça, Valdemar poderia ter buscado dar mais peso ao pedido de investigação, diferentemente do que poderia ocorrer se fosse diretamente à PF ou ao MP.
"Foram bater na porta do ministro da Justiça porque sabiam que esse seria o caminho ideologicamente falando mais tranquilo, não tenho dúvidas", diz Davi Tangerino, advogado criminalista
Ele pondera, porém, que a manobra não é irregular. E o que Torres e Costa Neto têm a dizer? A reportagem entrou em contato com o Ministério da Justiça, que não respondeu às perguntas até a publicação deste texto.
O UOL também enviou e-mail ao PL e procurou contato com Valdemar Costa Neto por meio de assessores do presidente do partido, mas não teve resposta.