Como a localização sugere, eles servirão para prover capacidade de interceptação de aeronaves intrusas no coração do poder, Brasília, a meros 150 km da base conhecida como Ala 2 da FAB (Força Aérea Brasileira). Hoje, o trabalho é de cansados F-5 americanos, comprados nos anos 1970 e modernizados pela Embraer.
"O início das operações é um marco, ao dotar a FAB de uma plataforma multimissão de última geração", afirma o comandante da FAB, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior. Ele já havia acelerado o processo de aquisição de mísseis para dar dentes aos caças, no caso os europeus Iris-T (curto alcance) e Meteor (além do campo visual do piloto).
O Gripen, ainda que um avião monomotor de pequeno porte, é visto como no topo da chamada quarta geração de caças —a quinta sendo de modelos furtivos ao radar, como o americano F-35.
Ele foi comprado em sua terceira geração, a E/F, por 39,3 bilhões de coroas suecas (R$ 20 bilhões hoje), em 2014. O valor foi financiado em 25 anos, apesar de etapas de desembolso inicial a serem abatidas de quase R$ 1 bilhão anualmente.
O Brasil adquiriu um pacote completo, com aviões e transferência de tecnologia, além de toda a parafernália de apoio em solo —dois simuladores de voo, uma estação que emula todos os sistemas do avião, ferramentas e computadores. Já foram treinados cerca de 20 pilotos e 20 técnicos na base.
As quatro unidades que chegam nesta segunda evidenciam os riscos de tal empreitada de longo prazo. Na programação revisada da FAB, seriam seis aviões operacionais neste ano, além do caça de matrícula 4100, que chegou em 2020 e segue como modelo de testes que garantiu o chamado Certificado de Tipo Militar das Aeronáuticas brasileira e sueca.
"Tivemos uma leve discrepância, mas sempre trabalhamos em sintonia com o cliente", relativizou Mikael Franzén, chefe de marketing e vendas aeronáuticas da Saab, a fabricante do Gripen. Ele diz que o prazo final de entrega dos 36 aviões iniciais está mantido para 2027, e que dois novos caças serão desembarcados no começo do ano.
É uma peculiaridade de programas militares brasileiros. O Gripen já teve diversos atrasos: mesmo sua escolha ocorreu após 13 anos de idas e vindas do governo brasileiro, algo de resto comum em países em desenvolvimento.
Franzén indica uma mudança importante. O Brasil comprou 28 modelos E, de um lugar, e 8 F, de dois, que estão sendo desenhados em conjunto com a Embraer em Gavião Peixoto (SP). A expectativa inicial era de que esses bipostos seriam fabricados no Brasil, até porque partes de sua fuselagem já estão sendo feitas na unidade da Saab em São Bernardo do Camp (SP).
"Vamos concentrar a produção de 15 aviões [dos 36] no Brasil. Mas, de acordo com a curva de aprendizado que tivemos e de forma acordada, faremos eles com um lugar, o modelo E", disse Franzén.
Compra de caças é 'questão de Estado, não de governos'
Em relação ao comprometimento brasileiro com o projeto, o executivo disse não estar preocupado com a mudança de governo —até porque o Gripen foi comprado, após longa novela, no governo petista de Dilma Rousseff, e até mesmo o eleito Luiz Inácio Lula da Silva foi acusado de fazer lobby pelo avião.
"Compra de caças são negócios de Estado, não de governos. A FAB é a cliente", afirmou Franzén. Escaldado pelos atrasos no cronograma por faltas de verbas no passado, ele fez o reparo: "Vamos aguardar e ver."
"O não aporte de recursos financeiros acaba por obrigar repactuações em ciclos mais constantes do que o desejado, ocasionando eventuais e indesejadas extensões na vigência contratual originalmente estabelecida", disse o comandante da FAB.
Com efeito, a Força cortou parte da encomenda de aviões de transporte KC-390 da Embraer em favor de manter o fluxo financeiro do projeto Gripen e outros, o que gerou certa polêmica no meio militar.
Diz Baptista Junior: "O Gripen vem a substituir vetores aéreos que já foram desativados ou que já ingressam na quinta década de operação pela Força Aérea, estando com seus respectivos processos de desativação planejados ou em curso".
O comandante, que deixará o cargo em janeiro, defende sua proposta para um aditivo de compra de quatro caças no contrato atual, e a realização de uma nova rodada para adquirir 26 novos aviões, como a Folha revelou em fevereiro. "Estamos negociando", diz Franzén.
Com 36 aviões do contrato inicial, diz Baptista, o país teria três aeronaves para cada milhão de km quadrados a serem defendidos, incluindo o mar territorial. É pouco, especialmente com a falta crônica de uma defesa antiaérea estruturada. "É como se a Colômbia tivesse só três Gripen", afirma.
O país sul-americano, aliás, está no alvo dos negócios da Saab, com a reabertura de uma disputa afunilada entre o Gripen e o F-16 americano. Franzén diz que o Peru, que opera antigos caças soviéticos, também demonstrou interesse —abrindo a possibilidade de uma linha de produção regionalizada centrada na Embraer, parceira do programa.
Confrontando com o fato de que a Guerra da Ucrânia embaralhou cartas e as redistribuiu para a indústria americana no campo, com o recente sucesso do F-35 em disputas, Franzén relativizou lembrando que há "demanda urgente" da Bulgária por caças, que poderiam ser a versão anterior do Gripen, a C/D, e perspectiva de aumento de frotas existentes dessa geração na Hungria e na Ásia (no caso, Tailândia).
O Gripen chega para substituir paulatinamente os venerandos F-5, caças americanos dos anos 1970 que foram modernizados pela Embraer e substituíram os tradicionais Mirage franceses que operavam em Anápolis, como um remendo na defesa aérea.
O Brasil opera 49 desses aviões, além de 28 aparelhos de ataque ao solo AMX, da Embraer, que também serão desalojados pela plataforma multimissão que é o Gripen. O modelo E do avião está sendo comprado pela Suécia também.