Brasília – Aliados do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tentam hoje aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição mesmo com dificuldades para um texto de consenso e em meio ao mal-estar com parlamentares gerado por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), marcou para as 9h o início da sessão de votação. Petistas querem que a proposta seja analisada logo, mas tentam buscar um entendimento sobre os termos da PEC antes que ela vá efetivamente a voto.
A matéria será analisada depois de o STF ter resolvido, ontem, por seis votos a cinco, declarar inconstitucionais as emendas de relator. A decisão causou atrito entre a nova gestão e o Centrão, que tem nas emendas seu principal capital eleitoral. No domingo, o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo, concedeu uma liminar que retira as despesas com o Bolsa-Família do teto de gastos, permitindo que Lula possa assegurar o pagamento de R$ 600 aos beneficiados sem que precise alterar a Constituição.
A proposta de Orçamento de 2023 enviada pelo governo Jair Bolsonaro (PL) ao Congresso Nacional previa um benefício médio de R$ 405. Para cumprir a promessa de manutenção do adicional de R$ 200, o montante necessário é estimado em R$ 52 bilhões. Mesmo com essa possibilidade, petistas dizem que o melhor é aprovar a PEC, que garante recursos não apenas para o Bolsa-Família, mas expande o teto de gastos para que outros programas, como o Minha casa, minha vida, sejam retomados. São necessários pelo menos 308 votos, o que equivale a 60% da Câmara, para alterar a Constituição.
O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reuniria-se com Lula na noite de ontem para debater a articulação em torno da proposta, uma vez que o prognóstico de aprovação na Câmara, que já não era bom, ficou pior depois das determinações do Supremo.
O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reuniria-se com Lula na noite de ontem para debater a articulação em torno da proposta, uma vez que o prognóstico de aprovação na Câmara, que já não era bom, ficou pior depois das determinações do Supremo.
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NEGOCIAÇÕES
A expectativa em torno do julgamento sobre as emendas de relator e a demora de Lula em repartir os ministérios entre partidos aliados já estavam travando a tramitação da proposta. O PT gostaria de aprovar o texto que saiu do Senado Federal, que amplia o teto de gastos em R$ 145 bilhões e autoriza outros R$ 23 bilhões em investimentos fora do limite de despesas, em caso de arrecadação de receitas extraordinárias, por um prazo de dois anos, entre outros itens.
Deputados próximos de Lira dizem que Elmar Nascimento (União Brasil-BA), relator da medida na Câmara, comprometeu-se com aliados de partidos do Centrão, como Republicanos e PP, a reduzir o prazo de validade da medida para um ano – algo a que o PT resiste.
O presidente da Câmara disse a pessoas próximas que é possível chegar a um meio-termo na proposta, como aprová-la com um ano de validade, mas com o valor de R$ 145 bilhões – inferior ao aprovado no Senado, mas superior aos R$ 80 bilhões que uma parte dos deputados querem colocar como teto.
“PLANO A”
De acordo com o senador eleito Wellington Dias (PT-PI), o ideal é aprovar a proposta hoje, mas é preciso chegar a um entendimento. Dias elogiou a decisão de Gilmar por abrir "a porta do Orçamento aos mais pobres", mas afirmou que "o reconhecimento e a decisão do presidente Lula, como ele disse desde o início, é encontrar na política uma alternativa".
"A PEC que já está na Câmara é mais completa. Além de colocar os pobres no Orçamento, o pagamento do Bolsa-Família, serviços essenciais para a população, o funcionamento de um conjunto de órgãos, também trata de investimentos", disse. O futuro ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), também disse que a determinação da corte não enfraquece a ideia de aprovação da PEC, mas, pelo contrário, a fortalece. "O plano A, B e C é a aprovação da PEC", disse. Segundo Costa, não é preciso medir forças com o Congresso, mas "haver diálogo". Segundo Haddad, a PEC continua sendo prioridade no governo Lula. "Sempre jogo no plano A, que é o plano que dá robustez, indica um caminho, vamos tomar medidas logo no começo do ano para resolver o rombo que foi herdado desse governo", disse.
EFEITOS DA DECISÃO DE GILMAR
No domingo, o ministro Gilmar Mendes atendeu parcialmente a um pedido apresentado pelo partido Rede Sustentabilidade e disse ser "juridicamente possível" o uso de crédito extraordinário para a manutenção do Bolsa-Família. Isso abre espaço para que Lula edite uma medida provisória ainda em janeiro para garantir o pagamento no valor atual de R$ 600 do Auxílio Brasil, que será rebatizado. Alguns petistas defendem que o presidente eleito acione este mecanismo no lugar de insistir na aprovação da PEC em meio aos diversos impasses em torno da proposta. Lula, porém, resiste, já que quer garantir também recursos para outros programas.
A decisão de Gilmar Mendes, na prática, dá um alívio parcial ao governo eleito, pois não consegue abrir espaço no Orçamento para a ampliação dos investimentos públicos – outra promessa de campanha de Lula. No início do dia de ontem, aliados do petista chegaram a avaliar que, pela decisão do ministro do STF, todos os gastos do Bolsa-Família (quase R$ 160 bilhões) ficariam fora do teto de gastos. Porém, o partido passou a analisar a decisão com mais detalhamento e uma ala entende que isso valeria para R$ 52 bilhões, valor para elevar o benefício médio de R$ 405 (que já está previsto no projeto de Orçamento) para R$ 600.
Há dúvida se a decisão fura o teto para benefício adicional de R$ 150. Por isso, a Rede Sustentabilidade pretende pedir ao STF um esclarecimento. A ideia é saber se a decisão também permite usar recursos fora do teto para bancar o benefício adicional de R$ 150 por criança de até 6 anos, que foi prometido por Lula na campanha.
O receio de aliados de Lula é que um possível adiamento da votação da PEC possa prejudicar a aprovação do Orçamento de 2023. Após sair de reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o relator do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou que está otimista com aprovação da medida. "Eu não trabalho com essa hipótese (de a PEC não ser votada pelos deputados). Seria um desastre tão grande para o país se a Câmara fizesse isso", disse.
Castro afirmou que somente com a aprovação da emenda constitucional será possível recompor o orçamento de saúde e habitação. "Será que alguém vai achar que é normal, pela primeira vez na história, não termos recursos para a habitação popular? Nós não temos. Só com a PEC que estamos recompondo essa rubrica", completou. Caso haja alterações no mérito da proposta, a PEC teria que passar por nova votação no Senado, ainda nesta semana. O Congresso entra oficialmente em recesso nesta sexta-feira. (Folhapress)