Líderes do Congresso articulam uma mudança no Orçamento do próximo ano para que mantenham o poder sobre os R$ 19,4 bilhões das emendas de relator - que fortaleceram a cúpula da Câmara e do Senado e são criticadas pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O STF (Supremo Tribunal Federal) declarou nesta segunda-feira (19) a inconstitucionalidade das emendas de relator. O placar foi de 6 votos a 5 pela derrubada do mecanismo.
A ideia em discussão pela cúpula do Congresso é remanejar os R$ 19,4 bilhões para outros tipos de emendas, deixando margem para critérios políticos na distribuição da verba.
Relator do projeto de Orçamento de 2023, o senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou à reportagem que, após a decisão do STF, pretende usar o dinheiro reservado para emendas de relator para ampliar os recursos de outras duas emendas: as de bancada estaduais e as de comissões.
"Vou colocar esses R$ 19,4 bilhões preferencialmente em emendas de comissão. Tem comissão de educação, de assistência social, de saúde, de infraestrutura, de esporte, de turismo, etc. Os presidentes das comissões poderiam decidir para onde vão as emendas", disse Castro.
Questionado se essa proposta não deixa margem para críticas sobre a falta de transparência na divisão das emendas, o senador disse que o Supremo derrubou as emendas de relator apesar do esforço do Congresso para aprovar critérios claros na distribuição dos recursos. "O Supremo não aceitou o critério que nós estabelecemos", declarou Castro.
Na última sexta-feira (19), o Congresso Nacional aprovou um projeto de resolução que fixava regras para a distribuição das emendas de relator, em um esforço da cúpula do Legislativo para tentar evitar o fim do mecanismo.
A distribuição dos recursos seguiria novos parâmetros. Até 5% deveriam ser provenientes de indicações conjuntas do relator do Orçamento e do presidente da CMO (Comissão Mista de Orçamento).
Outros 15% seriam repartidos, em igual valor, entre o presidente da Câmara e do Senado - os valores seriam distribuídos da forma com que o deputado e o senador quisessem.
As maiores fatias ficariam com a indicação de senadores (23,33%) e de deputados (56,66%), seguindo a proporcionalidade partidária. A distribuição seria feita formalmente pelo líder de cada bancada na Câmara e no Senado.
Castro se reuniu nesta segunda com o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Já o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem conversado com aliados sobre como usar os recursos reservados no projeto do Orçamento para as emendas de relator.
Deputados próximos de Lira concordam com a ideia de Castro. Desde a eleição de Lula, o centrão já havia desenhado esse novo formato antes mesmo de o Supremo derrubar as emendas de relator.
Hoje existem quatro tipos de emendas: as individuais (que todo deputado e senador têm direito), as de bancada (parlamentares de cada estado definem prioridades para a região), as de comissão (definida por integrantes dos colegiados do Congresso) e as do relator (que são distribuídas por critérios políticos e permitem que congressistas mais influentes possam abastecer seus redutos eleitorais).
As emendas individuais são repartidas igualmente entre os parlamentares. Além disso, há uma trava para ampliar o valor delas.
Por isso, a solução que vem sendo costurada é repassar o dinheiro das emendas de relator para as outras - com prioridade para as de comissão. Ainda não há a fatia exata da divisão do valor de R$ 19,4 bilhões.
No caso das emendas de bancada, há uma subdivisão. Uma parte é impositiva (o governo precisa obrigatoriamente executar). Outra parte não tem impositividade.
A proposta do relator é ampliar a verba das emendas não impositivas.
A sugestão de Castro - diluir o valor das emendas de relator em emendas de bancada e comissão- também foi apresentada por ele em entrevista à Folha de S.Paulo em maio, quando foi escolhido relator do Orçamento de 2023.
O senador disse, na época, que considerava o montante destinado às emendas de relator uma "anomalia" e que o formato da distribuição dos recursos tinha "baixa qualidade".
"A emenda de relator tem um poder discricionário muito maior. Isso faz a emenda ter uma qualidade baixa, inferior às emendas de bancada e comissão. Já está na minha cabeça trabalhar no sentido de aperfeiçoar esses processos", disse.
À época, Castro dizia que o fortalecimento das emendas de bancada e comissão em detrimento da de relator era um "conceito", mas que havia resistência na "realidade política". Com a decisão do STF, no entanto, o cenário se torna mais favorável à mudança sugerida pelo senador.