A primeira semana do novo governo foi pontuada pela posse dos ministros de Estado. Em seus discursos, os integrantes da Esplanada desenharam o que se pode esperar na administração pública a partir deste ano.
Os chefes das pastas prometem um governo mais diverso, com respeito a minorias e inclusão de seus membros em cargos ministeriais. Na economia, os ministérios falam em reforma tributária como prioridade absoluta, e pregam austeridade fiscal. Porém, grande parte dos programas do novo governo será na área social.
Embora ainda esteja no início, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pediu um "ritmo acelerado de entregas" à equipe ministerial, e deve entregar um cronograma de ações ao fim do mês.
Um dos ministros que ganhou mais destaque em sua posse foi o chefe dos Direitos Humanos, Silvio Almeida. Com discurso forte, servindo de contraponto ao governo passado de Jair Bolsonaro, Silvio firmou compromisso com trabalhadores, mulheres, negros, pessoas LGBTQIA, pessoas em situação de rua, pessoas com deficiência, idosos, anistiados, vítimas de violência, fome e falta de moradia, empregadas domésticas, além de "todos os que têm direitos violados".
"Vocês existem e são valiosos para nós. Com esse compromisso, quero ser ministro de um país que ponha a vida e a dignidade humana em primeiro lugar", declarou. Como prioridade da pasta, ele citou o combate à violência estatal, como a morte de negros pela polícia, e a um direito administrativo que "permite agressão contra todos os excluídos e marginalizados" do Brasil.
"Não podemos pensar os direitos humanos apenas como amarras à ação ou instrumento para remediar tragédias. Precisamos impregnar a administração pública com a defesa dos direitos de todas e todos e promover os direitos humanos como instrumentos da criação de um novo Brasil", declarou o novo ministro.
Na campanha presidencial de 2018, Bolsonaro chegou a declarar que "conosco não haverá essa politicagem de direitos humanos. Essa bandidagem vai morrer, porque não enviaremos recursos da União para eles".
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, toma posse amanhã. Porém, ela sinalizou como deve ser sua atuação no novo governo. Após a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, citar dificuldades para contratar pessoas negras em sua pasta, Anielle declarou, em entrevista coletiva, que estuda a criação de um banco de dados com currículos de pessoas negras para a Esplanada.
"Eu já apresentei a ela algumas ideias, e a gente vai falar mais adiante. Eu não posso falar ainda, mas uma delas, por exemplo, que foi ideia do nosso ministério, é a gente ter um banco de pessoas, de currículos, público mesmo, em ligação com ministérios transversais, para que a gente possa vir a preencher todas essas vagas", explicou Anielle.
Outro detalhe que aponta a preocupação do novo governo com a diversidade foi o uso de linguagem neutra em pelo menos seis solenidades de posse durante a semana passada.
Reforma tributária
Já está empossado o quarteto econômico no governo Lula: Fernando Haddad, na Fazenda; o vice-presidente Geraldo Alckmin, no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Simone Tebet, Planejamento e Orçamento; e Esther Duek, Gestão e Inovação.
As quatro pastas foram desmembradas do antigo superministério da Economia, chefiado por Paulo Guedes, em uma composição parecida com a usada por Lula em seus governos anteriores. Ao tomar posse, os chefes das pastas econômicas reforçaram a promessa por responsabilidade fiscal e citaram, em peso, a reforma tributária como uma das prioridades.
"Buscaremos também um sistema tributário mais transparente. Sobretudo, mais justo e mais simples. E, por isso mesmo, mais eficiente, evitando a cumulatividade e retirando o peso tributário das famílias de baixa renda", declarou Haddad ao assumir a cadeira.
Alckmin ecoou o discurso, e citou especificamente as duas medidas que estão em tramitação no Congresso. "Quem estabelece a data é o Parlamento, por ser uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição). Mas eu diria que ela está bastante madura", disse a jornalistas após a solenidade.
"O ministro Fernando Haddad já destacou que é prioridade da área econômica. A reforma tributária pode fazer o PIB (Produto Interno Bruto) crescer, dar mais eficiência econômica e ajuda a reduzir o custo Brasil", acrescentou o vice.
A ministra do Planejamento também defendeu a medida. "Comungamos com a visão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, da necessidade premente de cuidar dos gastos públicos e da aprovação urgente de uma reforma tributária, para garantirmos menos tributos sobre o consumo", discursou ao ser empossada.
A principal reforma visada pelo governo é a unificação de tributos em um Imposto de Valor Agregado (IVA). O modelo é utilizado na maioria dos países, e simplifica a contribuição especialmente para empresas, que precisam gastar menos recursos com contabilidade. No Congresso, a discussão ocorre há pelo menos duas décadas, e duas propostas já estão pacificadas: a PEC 110 e a PEC 45, ambas de 2019. A principal diferença entre as duas é sobre a adoção ou não de um modelo dual, com unificação também de impostos estaduais. Integrantes do governo esperam que a reforma seja aprovada entre os seis e oito primeiros meses.
Chamou atenção também que todos os dirigentes econômicos declararam respeito à política fiscal, em meio à preocupação por integrantes do mercado financeiro de uma possível "gastança" por parte do novo governo. Os ministros deixaram claro o investimento em programas sociais, mas "sem descuidar, em nenhum momento, da responsabilidade fiscal", segundo Tebet.
Cronograma
Liberar os recursos para o Bolsa Família foi o primeiro ato assinado por Lula no Planalto, ainda em 1º de janeiro. Durante a semana, os novos ministros apontaram uma série de programas sociais que devem ser implementados nos próximos meses. Como prometido pelo presidente durante a campanha eleitoral, a sinalização é de que o investimento em programas sociais será prioridade.
O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, anunciou durante a semana que a pasta estuda a criação de um programa para renegociação de dívidas dos brasileiros, batizado de Desenrola Brasil. A iniciativa deve incluir os endividados pelo consignado do Auxílio Brasil, após medida do governo Bolsonaro.
"Tão logo o projeto esteja pronto, certamente o presidente Lula vai lançar para o Brasil", afirmou o ministro. A estimativa da pasta é atender 80 milhões de brasileiros endividados. Apenas com o consignado do Auxílio Brasil, são 3,5 milhões, que contraíram R$ 9,5 bilhões em débitos.
Segundo o ministro Rui Costa, chefe da Casa Civil, pode-se esperar um ritmo acelerado de entregas pelo novo governo, o que foi cobrado pelo próprio presidente Lula.