Jornal Estado de Minas

ANÁLISE CRIMINAL

Invasores bolsonaristas podem pegar mais de 15 anos de prisão

Os bolsonaristas que invadiram e depredaram Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto cometeram diversos crimes e podem pegar, se somadas as penas, mais de 15 anos de prisão em regime fechado, disseram à BBC News Brasil professores de Direito Penal.





Segundo os criminalistas, os invasores podem ser enquadrados em crimes contra as instituições democráticas, de associação criminosa e danos ao patrimônio público. Já há imagens mostrando obras de arte de valor inestimável, como um quadro que seria de Di Cavalcanti, destruídas ou danificadas.


"Eu não sou uma pessoa punitivista de modo geral. Mas esse é um crime contra o Estado Democrático de Direito. Devem ser punidas todas as pessoas que estão nesse ato e os organizadores. É claramente um ataque à própria democracia", avalia a advogada Maíra Fernandes, vice-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.


O professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo, Allamiro Velludo Salvador Netto, destaca que os financiadores das invasões também devem ser enquadrados nesses tipos penais, ainda que não tenham estado pessoalmente nos atos.





"O direito penal brasileiro não pune exclusivamente aquele que pratica o verbo do delito. Usando uma analogia com o homicídio, não é só aquele que aperta o gatilho, mas aquele que fornece a arma, indica onde a vítima está", explica.


"Aquelas que forneceram meios materiais, dinheiro, logística, os ônibus, se for identificado que houve contribuição causal, serão responsabilizadas pelos mesmos delitos."


Veja os crimes que os invasores cometeram como devem ser punidos:

Crimes contra a democracia

Milhares de bolsonaristas invadiram e depredaram o Planalto, o Supremo e o Congresso Nacional (foto: UESLEI MARCELINO/Reuters)

Segundo Allamiro Velludo Salvador Netto e Maíra Fernandes, as pessoas que participaram da invasão deste domingo cometeram crimes contra as instituições democráticas. Trata-se de uma lei sancionada em 2021 em substituição à antiga Lei de Segurança Nacional.


Dois artigos, especialmente, se aplicam aos invasores, de acordo com os criminalistas. Um deles é Art. 359-L, que pune com reclusão de 4 a 8 anos quem: "Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais."





O segundo é o Art. 359-M, que pune com reclusão de 4 a 12 anos quem: "Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído".


"Me parece que nessas manifestações é óbvia uma tentativa de impedir o exercício dos poderes constitucionais, houve invasão aos órgãos dos três Poderes. E há também tentativa de deposição do governo recentemente constituído", disse Salvador Netto à BBC News Brasil.


Para o professor de Direito Penal da USP, uma mesma pessoa pode ser enquadrada nesses dois crimes ou em um deles. Se for enquadrada nos dois, a punição pode chegar, se as penas máximas forem aplicadas e somadas, a 20 anos de reclusão.





"A princípio, existiria um concurso de delitos. Existe um sistema do Direito Penal que, se eu tenho uma série de delitos, eu atribuo esses vários delitos e eles são postos em concurso", explica Salvador Netto.


"O juiz pode somar as penas ou fazer um acréscimo à pena, por haver múltiplos delitos. À princípio, neste caos, posso imputar a uma ou a várias pessoas uma coletividade de delitos", diz o professor.

Crimes de dano ao patrimônio

Invasores também podem ser acusados de cometer crimes de dano qualificado, ao destruir o patrimônio público (foto: Adriano Machado/Reuters)

Maíra Fernandes e Salvador Netto lembram ainda que os invasores podem ser acusados de cometer crimes de dano qualificado, ao destruir o patrimônio público. Imagens mostram bolsonaristas quebrando vidraças, jogando objetos ao chão e quebrando portas. Obras de arte também foram danificadas.


Esses atos podem ser enquadrados no Art. 163, do Código Penal, que pune quem: "Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia". Por se tratar de bens públicos, a pena é maior: vai de seis meses de detenção a 3 anos e multa.





Maíra Fernandes destaca que no Planalto, Supremo e Congresso há várias obras de arte, além de serem prédios arquitetônicos protegidos por lei. Portanto, os invasores podem ser enquadrados em outros dois artigos que tratam específicamente de danos a bens protegidos.


O Art. 62 pune com reclusão de um a três anos quem "destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial".


Já o Art. 63 pune com reclusão de um a três anos quem "alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental".


É o caso dos edifícios-sede dos Três Poderes, cujos projetos arquitetônicos são de Oscar Niemeyer. Dentro deles há cadeiras, sofás, mesas, tapetes, esculturas e pinturas de artistas e designers consagrados.





"As imagens que circulam mostram claramente uma série de depredações", destaca o professor de Direito Penal da USP Salvador Netto.

Crime de associação criminosa

Por fim, Maíra Fernandes destaca que, se ficar comprovado que as invasões foram planejadas e articuladas entre os bolsonaristas, eles podem ser acusados de associação criminosa.


O artigo 288 do Código Penal prevê pena de um a três anos quando três ou mais pessoas se associam "para o fim específico de cometer crimes". A pena é aumentada até a metade se a associação for armada ou se houver participação de criança ou adolescente.


"Se esses atos foram planejados, essas pessoas estão em associação criminosa para cometer esses crimes", diz a advogada criminalista.


Para Salvador Netto, é necessário que o Judiciário aja com eficiência para punir as invasões, diante da gravidade do caso.





"Esse episódio, até do ponto de vista de imagem, ele é sem precedentes na história democrática brasileira. Eu me recordo dos episódios de 2013, quando a gente viu muito mais pessoas do que tinha hoje no Congresso, na Praça dos Três Poderes. Mas era um movimento difuso, sem cara específica", lembra.


"Já o movimento atual é de pessoas descontentes com o resultado da eleição, que não aceitam o resultado da urna. O Judiciário, junto com o aparato de segurança pública, precisa apurar e punir os responsáveis. Principalmente as lideranças precisam ser responsabilizadas. Não deve ser de forma inquisitorial nem para além da lei, mas respeitando a lei tal qual ela está."