Líder do partido de ultradireita Chega e apoiador declarado do ex-presidente brasileiro, o deputado André Ventura pediu a palavra na sessão e discursou chamando o atual chefe do Executivo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de bandido. A declaração provocou vaias e gritos de repúdio de dezenas de parlamentares.
"Nós compreendemos perfeitamente a fúria e a angústia de milhões de brasileiros ao verem seu país governado, e eu peço desculpas às autoridades brasileiras acreditadas em Portugal, por um bandido", disse o político, que chegou a gravar um vídeo de apoio a Bolsonaro na campanha eleitoral de 2022.
A fala motivou ainda uma repreensão imediata do presidente do Parlamento, que também foi o autor da proposta de condenação aos atos na capital brasileira. "Essa é uma expressão ofensiva em relação ao presidente de um país muito amigo de Portugal", disse Augusto Santos Silva, afirmando que se sentia obrigado pelo regimento da Casa a pedir que Ventura não se referisse daquela forma ao líder do Brasil -"ou ao de qualquer outra república".
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Ao retomar o discurso, o ultradireitista acatou a advertência, mas logo retrucou -"É difícil dirigir-nos ao presidente do Brasil de outra forma"- e citou compreender os bolsonaristas que formaram acampamentos em frente a quartéis do Exército desde a confirmação do resultado da eleição. Esses grupos pediam por uma intervenção militar, entre outras demandas antidemocráticas.
Em meio às palavras simpáticas aos golpistas, Ventura destacou que foi um dos primeiros líderes partidários em Portugal a condenar "o ataque às instituições e a violência" em Brasília, salientando que a "democracia é a forma de combate".
Terceiro colocado nas eleições presidenciais de 2021 e conhecido por falas discriminatórias, o deputado finalizou acusando o presidente do Parlamento luso de "cegueira ideológica", por não condenar também o que chamou de "violência comunista" na América Latina -em provável referência a governos de esquerda na região.
Na sequência, representantes de outros partidos que discursaram condenando amplamente os ataques golpistas em Brasília, aproveitaram para criticar a posição do líder do Chega. "É com voz firme que condenamos o que se sucedeu no Brasil", disse o vice-líder da bancada do Partido Socialista, Pedro Delgado Alves, que emendou ataques à fala de Ventura. "[É descabido] dizer que compreende as razões de quem sobe a rampa do Palácio do Planalto para invadir as instituições brasileiras, ignorando o Estado de Direito, o resultado das eleições e a forma como em democracia se resolvem diferenças e dilemas."
O socialista ainda criticou Bolsonaro, lembrando ataques do político à democracia. "O que ficou demonstrado foi a robustez das instituições brasileiras, que mostraram que nem um cabo e um soldado nem sequer uma turba de bárbaros chegam para fechar o Supremo Tribunal Federal", disse, em referência a uma fala do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, em 2018.
Representante da bancada do Bloco de Esquerda, a deputada Joana Mortágua destacou que "foi uma dor e uma tragédia ver bolsonaristas extremistas invadirem o Palácio do Planalto", traçando paralelos entre o roteiro do ataque e a invasão do Capitólio dos EUA por apoiadores de Donald Trump em janeiro de 2021.
Inês Sousa, líder do PAN (Pessoas-Animais-Natureza), salientou que a violência atingiu até "animais das forças de segurança", em alusão às imagens de golpistas agredindo um policial da cavalaria. "Quem está no espectro democrático só pode ter um posicionamento: de repúdio e censura à destruição feita no Brasil."
Apesar dos ânimos exaltados, que levaram o presidente do Parlamento a intervir mais de uma vez, a condenação aos ataques em Brasília foi aprovada com unanimidade -inclusive, portanto, com votos do Chega de André Ventura.
O texto da resolução expressa "profunda solidariedade com todas as instituições atingidas e manifesta o seu inequívoco apoio às autoridades brasileiras na reposição da ordem e da legalidade, sublinhando a necessidade de defender e salvaguardar o pleno funcionamento das instituições democráticas e reafirmando os laços fraternos que unem os povos português e brasileiro".
O governo luso, comandado pelo primeiro-ministro socialista António Costa, tem manifestado apoio público a Lula. O petista passou por Lisboa em novembro, ainda como presidente eleito, e falou sobre o desejo de estreitar relações com o país europeu; o presidente Marcelo Rebelo de Sousa prestigiou a posse do petista. Enquanto esteve na Presidência, Bolsonaro não fez visitas oficiais a Portugal.