O cartão corporativo da Presidência da República foi usado em 2021 e 2022 para ao menos 137 abastecimentos em postos de combustível em datas e cidades coincidentes com a realização das chamadas "motociatas" patrocinadas por apoiadores de Jair Bolsonaro (PL).
Nesses dois anos, o então presidente alavancou a realização desse tipo de evento --em que geralmente pilotava moto sem capacete, seguido de vários apoiadores--, de cunho eleitoral e sem qualquer relação com a função pública que exercia.
Os valores debitados no cartão corporativo da Presidência incluem não só gastos diretos do presidente, mas da equipe que o acompanha. O saque aparece geralmente vinculado ao CPF de um assessor, mas não há informação sobre quem se beneficiou desses abastecimentos de combustível.
Bolsonaro participou em 2021 e 2022 de mais de 30 motociatas em praticamente todos os estados do país.
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Entre os dias 13 e 15 daquele mês, foram realizados 37 pagamentos em postos de combustíveis, em valores de R$ 32 a R$ 104.
As despesas foram debitadas no cartão de pagamentos vinculado ao CPF de Alexandre Silva Almeida, motorista da Presidência. Os estabelecimentos ficam na capital paulista, em Americana e Jundiaí.
O Posto Moraes foi o que mais concentrou as compras. Foram também realizados gastos com combustível em Quixadá, no Ceará, por ocasião de uma motociata realizada por Bolsonaro e apoiadores naquela cidade no dia 23 de março do ano passado. Os registros indicam cinco compras no total de R$ 3.200, todas no Posto Mack XI.
O fim do sigilo do cartão corporativo de Bolsonaro mostra gasto de ao menos R$ 4,7 milhões em dias em que o ex-presidente estava sem agenda de trabalho, curtindo férias ou feriadões --em especial em Guarujá (SP)--, assistindo a jogos de futebol ou participando das motociatas.
O gasto com cartão corporativo é apenas uma parte das despesas custeadas pelos cofres públicos. A soma não inclui, por exemplo, passagens aéreas. Como a Folha de S.Paulo mostrou no final de 2021, as motociatas em apoio a Bolsonaro já haviam custado até então R$ 5 milhões, o que incluía gastos assumidos pelos estados para garantir a segurança da população e da comitiva de Bolsonaro.
Os gastos foram publicados em resposta a um pedido feito pela agência Fiquem Sabendo por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação).
Como a Folha de S.Paulo mostrou em maio, Bolsonaro aproveitou uma série de feriadões, folgas autoconcedidas e dias de expediente normal para converter em lazer ou praticar atividades sem relação com o cargo que ocupava.
Em praticamente todos esses momentos houve gastos do cartão corporativo relacionados ao lazer presidencial.
A reportagem tentou contato com ex-assessores do presidente e com seus advogados, mas não obteve resposta. Nas redes sociais, Fábio Wajngarten, ex-chefe da Secretaria de Comunicação do governo Bolsonaro e integrante da campanha à reeleição do presidente, escreveu: "Para quem conhece minimamente os hábitos do presidente e sua família saberia sem nenhuma surpresa que não haveria nenhum gasto extravagante no cartão corporativo. Essa é a verdade, o resto é narrativa mentirosa".
O perfil oficial de Bolsonaro no Telegram publicou nesta quinta que "além de ter gasto menos que Lula e Dilma em seus quadriênios de mandatos presidenciais, o cartão corporativo custeou parte do resgate de brasileiros em Wuhan/China, por ocasião da Covid, em 2020".
Ainda não é possível haver uma comparação exata dos gastos de Bolsonaro com os de seus antecessores.
As faturas do cartão corporativo da Presidência são publicadas mensalmente no Portal da Transparência do governo federal, que reúne informações de 2013 até fim de 2022. No entanto, os tipos de gastos e as empresas que receberam os pagamentos não são detalhados.
Essas informações foram divulgadas agora pelo governo Lula, que também abriu dados de despesas desde 2003.
Porém os números do Portal da Transparência indicam que ainda há gastos de Bolsonaro a serem divulgados. As faturas do cartão em 2022, por exemplo, ultrapassam a marca de R$ 10 milhões, enquanto as informações detalhadas desse ano somam cerca de R$ 5 milhões.
A legislação define que o cartão, que no caso de Bolsonaro é gerido por assessores, serve para despesas imediatas como compra de materiais, alimentação e diárias de assessores, entre outras.
O maior gasto com o cartão desde 2003 é com o mercadinho gourmet de Brasília La Palma, que segundo os dados recebeu R$ 3,5 milhões em todos esses anos, em valores não corrigidos.
O La Palma não se manifestou. Uma funcionária informou um e-mail da área administrativa para o envio de perguntas ao proprietário, Rogério Muniz, mas não houve resposta até a conclusão desta reportagem
Excluindo o último ano, no período de 2019 a 2021, a média anual dos gastos de Bolsonaro com cartão corporativo foi de R$ 8,6 milhões.
Já corrigindo pela inflação do período, a média dos gastos anuais de Lula, de 2003 a 2010, com cartão corporativo foi de R$ 12,99 milhões.
No governo Dilma Rousseff (2011-16), a média anual foi de R$ 10,2 milhões. No período Michel Temer (2016-18), a cifra média ficou em R$ 5,6 milhões.