O tema gera divergências entre especialistas sobre um paradoxo que cerca as decisões do magistrado: elas são necessárias para proteger a democracia ou são exageradas e criam precedentes perigosos para situações futuras?
Dentro do Supremo, a resposta majoritária é a primeira opção.
Em um dos mais recentes episódios, assim como em outros casos, a corte referendou a ordem judicial inédita do ministro de determinar de ofício, ou seja, sem provocação de órgãos de investigação ou parlamentares, o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).
Os questionamentos envolvendo a atuação de Moraes incluem a concentração de casos em suas mãos, atropelo da PGR (Procuradoria-Geral da República), decisões de ofício (sem provocação), censura, veto ou demora para dar acesso aos autos por parte da defesa de investigados, uso excessivo de prisões em vez de medidas cautelares diversas, entre outros pontos.
Na última semana, em decisão incomum, ele mandou juízes de primeira instância realizarem audiência de custódia com cerca de 800 presos após os atos de vandalismo, mas não deu a eles o poder de definir o destino das pessoas que foram detidas.
O magistrado afirmou que apenas ele mesmo poderia decidir se eles deveriam ser soltos ou mantidos na prisão.
Advogado criminalista e mestre em direito criminal, Ruiz Ritter diz que atentados contra a democracia demandam a devida responsabilização, mas pondera que isso não pode ser feito com atropelos às regras do devido processo legal.
"Prisões cautelares sem estrita necessidade, nos termos da lei, são práticas ilegais graves e que fragilizam a própria democracia no longo prazo, diante da perda de confiança da sociedade na correta administração da Justiça. O mesmo se pode dizer de atuações judiciais de ofício em investigações", afirma.
O professor e doutor em direito constitucional Ademar Borges diz que a gravidade e os "riscos antidemocráticos envolvidos" justificam "medidas enérgicas".
"É bastante conhecida na literatura jurídica a ideia de que os tribunais constitucionais são especialmente vocacionados para a adoção de medidas típicas de democracia militante ou combativa."
E completa: "Não por acaso, a concentração dessa competência no STF foi determinante para o sucesso das medidas de democracia combativa no campo penal até agora".
O professor da FGV Direito Rio Thomaz Pereira afirma que, caso a PGR denuncie os envolvidos na invasão, a discussão sobre a tipificação do crime de terrorismo despertará um debate interessante.
Pereira cita a possibilidade de o Supremo entender que o fato de os vândalos terem agido para causar terror seja suficiente para caracterizar o crime de terrorismo.
"Se fizer, vão ter pessoas que vão criticar por conta da importância da proteção, de interpretar tipos penais de maneira estrita."
Algumas das decisões de Moraes também foram consideradas censura por alguns professores de direito. Entre elas, a que mandou bloquear em definitivo em 2022 a conta do PCO (Partido da Causa Operária). O perfil da sigla de esquerda havia se referido ao ministro como "skinhead de toga".
Nos últimos dias, o jornalista americano Glenn Greenwald mostrou que Moraes deu ordem para redes bloquearem perfis, mas pedindo para que os alvos não fossem avisados --ou seja, também não puderam se defender.
Em postagem na qual listava o bloqueio, entre outros, do influenciador Monark e do deputado federal eleito Nikolas Ferreira (PL-MG), o jornalista disse neste domingo (15) que suas objeções a Moraes vão muito além da liberdade de expressão".
"Acho perigoso que um juiz tenha tanto poder: iniciar suas próprias acusações e depois declarar os acusados culpados sem julgamento ou aviso."
O chamado inquérito das fakes news está na origem das polêmicas decisões do ministro que fazem interpretação expansiva de leis e da Constituição.
O então presidente do STF, Dias Toffoli, determinou em 2019 a instauração da apuração sem provocação da PGR e escolheu Moraes como relator, sem a realização de sorteio, como ocorre em inquéritos abertos na corte.
Na época, a medida sofreu grande resistência no meio jurídico e dentro do próprio STF. Prova disso é que Toffoli só submeteu a decisão ao plenário da corte mais de um ano depois, em 2020.
Àquela altura, o cenário havia mudado. A ampliação dos ataques contra os magistrados pela militância bolsonarista e pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) mudou o humor dos ministros. Parte deles inicialmente era crítica ao inquérito, mas depois se tornou favorável por ver na atuação de Moraes um meio para proteger a instituição.
O julgamento representou o primeiro respaldo do conjunto da corte à atuação do ministro. A necessidade de proteger o STF e seus integrantes da militância bolsonarista e das ameaças em redes sociais superou a avaliação crítica.
Pesou na decisão também o comportamento do procurador-geral, Augusto Aras. A avaliação interna na corte é que o chefe da Procuradoria foi omisso em relação aos ataques ao STF, o que forçou o tribunal a adotar medidas incomuns para garantir proteção.
A corte lançou mão de uma interpretação extensiva do regimento interno que prevê a abertura de inquérito de ofício quando ocorrer um crime nas dependências do tribunal para decidir que ameaças contra ministros na internet também autorizam a instauração de investigação sem prévia provocação da PGR.
Nos bastidores, os ministros afirmam que os atos de vandalismo acabaram por respaldar ainda mais o inquérito das fake news, uma vez que agora houve de fato o cometimento de crime na sede do STF, como prevê o regimento.
Outra decisão de Moraes respaldada pela maioria do tribunal e que se tornou alvo de críticas pela forma como ocorreu foi a prisão do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), em 2021. O ministro justificou o flagrante pelo fato de as ofensas a integrantes do STF terem sido disponibilizadas na internet pelo deputado.
Outra ordem controversa do ministro foi a que autorizou buscas contra empresários bolsonaristas. Moraes atendeu a pedido da PF que tinha como base somente reportagem sobre conversas de teor golpista, sem diligência preliminar para subsidiar o pedido.