(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas 'CORPORATIVISMO'

Vetos de Bolsonaro aliviam punição de militar golpista

Dentre os vetos, foram derrubados artigos que aumentavam pena quando crimes contra Estado de Direito fossem cometidos por militares ou outros agentes públicos


23/01/2023 03:35 - atualizado 23/01/2023 08:01

Ex-presidente Bolsonaro
Ex-presidente Bolsonaro (foto: EVARISTO SA / AFP)
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou trechos da Lei do Estado Democrático de Direito que poderiam, entre outros efeitos, agravar a pena de militares ou parlamentares que participaram ou impulsionaram os atos golpistas do dia 8 de janeiro, em Brasília.

A Lei do Estado Democrático foi aprovada no Congresso para substituir a Lei de Segurança Nacional, herança da ditadura militar. O novo dispositivo entrou em vigor em 2021, em meio a uma escalada nas declarações golpistas de Bolsonaro, que chegou a colocar em dúvida a realização das eleições de 2022.

O Congresso aprovou a nova legislação, que depois foi sancionada pelo presidente, mas com cinco vetos que pouparam militares, políticos e propagadores de fake news.

Na visão de especialistas ouvidos pela Folha, o texto, não tivesse os trechos rejeitados, poderia ajudar a enquadrar golpistas envolvidos na invasão dos três Poderes, no dia 8.

Dentre os vetos, foram derrubados os artigos que aumentavam a pena quando crimes contra o Estado de Direito fossem cometidos por militares ou outros agentes públicos, inclusive com a perda respectivamente de patente e cargo ou função.

"A questão é simples: houve o ato de tentar dar um golpe. Se for militar, por exemplo, [a lei] poderia aumentar a pena dele e ainda dar outras consequências, como a perda de patente", afirma o ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul Lenio Luiz Streck, que trabalhou na elaboração da nova lei.

No caso de parlamentares, eles não poderiam perder o mandato, mas sim, caso o veto não existisse, ter a punição aumentada --o texto rejeitado previa acréscimo de um terço na pena para crimes cometidos por agentes públicos e aumento de metade para militares.

"O texto fala de perda de função ou cargo. A perda do mandato ainda ficaria para as mesas das Casas legislativas decidirem, o que é uma previsão constitucional", pondera Fabiana Santiago, professora de direito e autora de um livro sobre a Lei de Segurança Nacional.

"Um militar [envolvido na invasão] provou o não comprometimento com as instituições democráticas, assim como o funcionário público. Claro, podem haver processos administrativos, mas é um caminho mais complicado. Com aplicação da lei penal, seria uma sanção muito mais condizente com a gravidade da conduta", diz o professor de direito constitucional da PUC-SP Georges Abboud.

Outro veto foi ao trecho que previa punição de até cinco anos, mais multa, para quem promovesse ou financiasse "campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral".

Streck entende que, não houvesse o veto, o texto poderia enquadrar aqueles que incentivaram os atos, inclusive parlamentares -desde que por meio de mentiras relacionadas às eleições.

Abboud acrescenta que podem ser consideradas como comprometedoras da higidez das eleições tanto fake news e atentados contra partidos feitos durante o processo eleitoral quanto notícias falsas sobre o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o presidente eleito ou as urnas, por exemplo, mesmo após o fim da votação.

"Comprometer a higidez do processo eleitoral não me parece só algo voltado exclusivamente à realização da votação. É também a disseminação de notícias que geram revolta ou não aceitação do resultado das urnas", disse.

Santiago concorda, e afirma que, fosse o dispositivo limitado ao espaço de tempo do período eleitoral, ele deveria estar dentro da legislação eleitoral, não do Código Penal.

Ela pondera, no entanto, que a aplicação desse artigo --caso ele não tivesse sido rejeitado-- ainda teria que ser debatida, pois não é claro se é passível de punição apenas quem produz o conteúdo falso ou também quem o propaga.

"Por mais que o objetivo da norma não seja punir quem reproduz o conteúdo nas redes, essa pessoa é essencial para a configuração do estrago à higidez eleitoral", afirma.

Um outro trecho vetado dava direito a partidos políticos entrarem com ação em caso de inércia ou pedido de arquivamento pela Procuradoria-Geral da República (PGR) -marcas do órgão no governo de Bolsonaro, quando sua autoridade máxima, Augusto Aras, pediu para arquivar o inquérito dos atos antidemocráticos.

Ambos os advogados afirmam que, caso os vetos sejam derrubados pelo Congresso, aqueles que usaram fake news para impulsionar o ato golpista do dia 8 ou participaram da invasão aos três Poderes não podem mais ser enquadrados nesses artigos pois a lei não poderia retroagir.

O tema entrou na mira do PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que trabalhará para que o Congresso Nacional paute a análise dos vetos de Bolsonaro nos 30 primeiros dias da próxima Legislatura --os trechos vetados passariam a valer como lei a partir do momento de uma eventual derrubada.

Desde a semana da invasão dos três Poderes, deputados do partido estudaram propor um projeto de lei para alterar o texto da Lei do Estado Democrático com a finalidade de endurecer a punição a deputados ou senadores que participassem ou apoiassem atos antidemocráticos como os de 8 de janeiro, o que incluiria a previsão de inelegibilidade.

Ao mesmo tempo, parlamentares da sigla entendem que o melhor é deixar o Poder Judiciário agir contra os golpistas e focar as ações legislativas nos vetos e na abertura de eventuais processos administrativos no Conselho de Ética.

"A gente também não pode ficar inventando coisa. Se o Judiciário, o Ministério Público e as polícias não precisarem, é desnecessário [promover mudanças na legislação], uma perda de tempo em um país que tem que cuidar do emprego, da educação, da saúde", afirmou à Folha o líder do partido na Câmara, Zeca Dirceu (PT-PR).

O PT e o PSOL protocolaram na PGR denúncias contra parlamentares, eleitos ou em mandato, que teriam relação com os atos.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), já afirmou que não vê elementos suficientes para que a Procuradoria peça a condenação dos congressistas.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)