Fica no estado a maior parte do território Terra Indígena Yanomami, que segundo o Ministério Público Federal tem mais de 20 mil garimpeiros atuando de maneira irregular.
No último sábado (21/1), o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou estado de emergência na saúde indígena do território, que deteriorou em grande parte pela atuação do garimpo.
Levantamento feito pela Folha de S.Paulo com base no banco de dados da ANM mostra que, de quase 8.500 processos minerários para o estado, existem apenas duas permissões ativas para lavra garimpeira, a PLG. A autorização de lavra garimpeira é a última etapa do processo e permite a exploração comercial da área.
Há quase 300 outros processos ativos de requisição de lavra garimpeira no estado sem permissão para exploração.
Garimpo ilegal
Uma das áreas autorizadas estão no nome do bolsonarista Rodrigo Cataratas, alvo de diversas operações da Polícia Federal, e de um grupo integrado por nomes ligados ao garimpo ilegal no Pará. Elas ficam a cerca de 30 km da Terra Indígena Yanomami.
Lavras regulares próximas a regiões de exploração ilegal são comumente utilizadas para esquentar o ouro extraído de forma irregular, como mostram investigações da Polícia Federal -o método consiste em registrar o minério como se tivesse saído do local permitido e depois vendê-lo.
Cataratas foi candidato a deputado federal no ano passado pelo PL, partido de Bolsonaro e recebeu apoio do Movimento Garimpo É Legal, organização que busca regularizar a atividade em áreas proibidas. Ele não foi eleito.
Também é investigado por suspeita de compra de votos e foi denunciado pelo MPF de Roraima como chefe do garimpo ilegal na terra Yanomami. Seu filho, Celso, chegou a ser preso, mas conseguiu o direito de responder em liberdade.
O grupo liderado por Cataratas é dono de empreendimentos que receberam recursos do governo federal, principalmente para o transporte aéreo relacionado à saúde indígena, como a Folha de S.Paulo revelou em setembro de 2021.
Duas de suas empresas receberam R$ 39,5 milhões da União desde 2014, sendo R$ 23,5 milhões no governo Bolsonaro. A sede da Cataratas em Boa Vista já foi alvo de ação de apreensão de helicópteros.
Segundo investigação da Polícia Federal, a licença usada por ele foi emitida de forma irregular e tem "inconsistências graves" em seu processo.
Procurado pela reportagem, ele afirmou que sua licença ambiental, emitida pelo governo do estado de Roraima, foi suspensa recentemente e que não chegou a iniciar a exploração do local. "Estamos aguardando a revogação da suspensão para iniciar a exploração de fato", disse.
O garimpo Cataratas na cidade de Amajari, em Roraima, teve solicitação feita em 2014 para uma área de cerca de 45 hectares a cerca de 25 km da área da Terra Indígena Yanomami.
A autorização foi concedida apenas em outubro de 2019 para diamante e minério de ouro. Em 2022, ele ainda conseguiu adicionar a exploração de cassiterita à licença. O minério tem se tornado o protagonista dos garimpos da região.
Segundo a atual ministra da Saúde, Nísia Trindade, o garimpo é a principal causa da crise sanitária dos indígenas de Roraima.
Governo Bolsonaro
Em outubro de 2022, o governo Bolsonaro autorizou a PLG de uma outra licença para lavra garimpeira -a segunda no estado- com pouco menos de 50 hectares de área e a pouco mais de 30 km da Terra Indígena Yanomami, na cidade de Caracaraí, no rio Branco, que inclusive passa pela capital Boa Vista.
A tramitação deste procedimento foi mais rápida que o de Cataratas. O processo começou em maio de 2020 e recebeu a autorização da ANM em agosto de 2022.
O titular da lavra é Nikolas Godoy, que tem empresas de pecuária em Mato Grosso do Sul, uma exportadora de minérios e é sócio da Uniouro, cooperativa de garimpeiros que fica em Itaituba, no Pará.
O representante legal da lavra é Guilherme Aggens, dono de duas consultorias de mineração sediadas também no Pará. Ele é engenheiro florestal e nos últimos anos deu palestras defendendo o garimpo sustentável e atuou no lobby pela legalização da atividade em terras indígenas.
Durante o governo Bolsonaro, Aggens se encontrou com Onyx Lorenzoni, então ministro da Casa Civil, e com Ricardo Salles, titular do Meio Ambiente. A reportagem não conseguiu contato com os dois.
Nota do Ministério Público Federal
Em nota pública divulgada nesta segunda-feira (23/1), o Ministério Público Federal, por meio da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), atribuiu a grave situação de saúde e segurança alimentar sofrida pelos povos Yanomami resulta da omissão do Estado brasileiro em assegurar a proteção de suas terras.
O documento traz a atuação judicial e extrajudicial na busca por soluções efetivas para a proteção dos povos indígenas que habitam o território Yanomami, mas pondera que, apesar dos esforços empreendidos, “as providências adotadas pelo governo federal foram limitadas”.