Brasília - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse, ontem, em visita à Argentina, que teve “boa conversa” com o novo comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, que assume o lugar do general Júlio César Arruda, demitido por “fratura de confiança” em relação aos atos golpistas de 8 de janeiro. O petista deu declarações ao lado do presidente Alberto Fernández.
“Escolhi um comandante do Exército e não foi possível dar certo. Tirei e escolhi outro comandante. Tive uma boa conversa com ele e ele pensa exatamente com tudo que tenho falado sobre as Forças Armadas. Elas não servem político, elas não existem para servir um político. Existem para garantir a soberania do nosso país, sobretudo contra possíveis inimigos externos, para garantir tranquilidade ao povo brasileiro e fazer outras coisas em função de desastres que possam acontecer no nosso país”, disse Lula.
“Está claro na Constituição. O que aconteceu é que Bolsonaro não respeitou a Constituição e nem as Forças Armadas. Tenho certeza que vamos colocar as coisas no lugar e o Brasil vai voltar à normalidade”, completou.
Ainda sobre o papel dos militares, o presidente brasileiro declarou: “O que vou dizer não é só para militares. Penso que todos da carreira de Estado brasileiro não podem se meter na política no exercício de sua função, porque essa gente tem estabilidade, essa gente não pertence a nenhum governo, essa gente pertence ao Estado. Portanto, elas precisam aprender a conviver democraticamente com qualquer pessoa que esteja na Presidência”, afirmou. “O Itamaraty não tem que servir o Lula, tem que servir qualquer outro presidente. E assim vale para os militares. Não têm que servir o Lula”, completou.
O chefe do Executivo também comentou sobre os ataques golpistas: “Aconteceu um fenômeno no Brasil. Se pedir para que eu explique, não sei explicar. Mas Bolsonaro conseguiu maioria em todas as forças militares, da polícia dos estados, a PRF, uma parte da PM e uma parte das Forças Armadas, isso é reconhecido por qualquer cidadão que faça política no Brasil. Agora temos um papel de muita responsabilidade que é fazer com que o país volte à normalidade e as forças policiais e militares voltem à normalidade”, declarou.
Punição
Já o ministro da Defesa, José Múcio, disse, ontem, durante cerimônia da troca do comando do Exército, que Lula não dará perdão aos militares que apoiaram ou participaram dos atos golpistas. “Lula não vai perdoar ataques golpistas. As investigações vão até o fim”, avisou o ministro.
Múcio também disse que a demissão do general Júlio César Arruda foi motivada pela falta de confiança. “Desde a questão dos acampamentos, do dia 8, houve quebra de confiança. De maneira que fica muito difícil trabalhar quando as coisas ficam sob suspeita, se ia ou não tomar a providência”, acrescentou Múcio.
Há consenso entre ministros, secretários e o próprio Lula de que o ex-comandante do Exército teria trabalhado contra a desmobilização dos acampamentos de bolsonaristas extremistas em frente ao quartel-general do Exército, no Setor Militar Urbano (SMU), em Brasília.
Segundo Múcio, Tomás Paiva está “entusiasmado” com o cargo e vai precisar fazer “costuras internas”. “[Tomás] prometeu servir o país no comando do Exército. Está entusiasmado. Evidentemente que existem algumas costuras internas para fazer, a coisa foi muito rápida, mas nós tínhamos que fazer o que foi feito”, disse o ministro da Defesa.
Durante cerimônia em homenagem aos militares mortos em missão no Haiti, na semana passada, durante terremoto ocorrido no ano de 2010, Tomás Paiva discursou em defesa da democracia, das urnas eletrônicas e da alternância de poder.
“Ser militar é isto, é ser profissional, é respeitar hierarquia e disciplina, é ser coeso, é ser íntegro, é ter espírito de corpo, é defender a pátria, é ter uma instituição de estado apolítica, apartidária. Não interessa quem está no comando, a gente vai cumprir a missão do mesmo jeito. Isso é ser militar. É não ter corrente”, disse Paiva durante solenidade realizada no último dia 18, em São Paulo (SP).
"Quando a gente vota, tem que respeitar o resultado da urna. Não interessa. Tem que respeitar. É isso que se faz. Essa é a convicção que a gente tem que ter. Mesmo que a gente não goste. Nem sempre a gente gosta. Nem sempre é o que a gente queria. Não interessa. Esse é o papel de quem é instituição de Estado. Instituição que respeita os valores da pátria, como de Estado", acrescentou.
Durante a fala, o general afirmou que o respeito às premissas do Exército não anula a cidadania exercida individualmente por cada um dos militares. As palavras foram dadas em meio aos apelos inconstitucionais de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por uma intervenção militar contra o recém-iniciado governo Lula.
"Isso não significa que o cara não seja um cidadão. Que o cara não possa exercer o seu direito, ter a sua opinião. Ele pode ter, mas ele não pode manifestar. Ele pode ouvir muita coisa, muita gente falando que ele faça isso, faça aquilo, mas ele faz o que é correto. Mesmo que o correto seja impopular. Porque a democracia pressupõe liberdade, garantias individuais, políticas públicas e, também, é o regime do povo, alternância do poder. É o voto", completou o novo comandante do Exército. O discurso pode ser visto na página do Comando Militar do Sudeste no YouTube.