Superlotação, celas e refeições: como estão os bolsonaristas presos
Um relatório produzido pela Defensoria Pública da União detalha as condições dos bolsonaristas presos pelos ataques terroristas no dia 8 de janeiro
Vinícius Prates
25/01/2023 12:00 - Atualizado em 25/01/2023 12:50
Um relatório de 71 páginas produzido pela Defensoria Pública da União (DPU) aponta as condições prisionais dos bolsonaristas que estão detidos preventivamente, após os ataques ao Congresso Nacional, em Brasília (DF), no dia 8 de janeiro. O extenso documento elaborado pelo órgão aponta superlotação, problemas estruturais e até mesmo falta de comunicação com familiares dos presos.
O relatório foi produzido pela DPU em conjunto com a Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) e pelo Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura (MNPCT), com base em visitas, realizadas entre os dias 10 e 13 de janeiro, nas penitenciárias que recebem os golpistas que atacaram as sedes do governo federal. Confira alguns detalhes sobre as condições dos presos.
Superlotação
Conforme o relatório, diante do número expressivo de cidadãos detidos, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAPE) do Distrito Federal montou uma força-tarefa para conseguir receber todos os presos no Centro de Detenção Provisória (CDP) II. Além disso, cederam servidores de outras unidades e áreas da Secretaria para dar conta de dar assistência às prisões.
Foi informado à DPU que entre 95% - 97% das pessoas que chegaram às prisões não eram do Distrito Federal. Segundo a inspeção realizada no dia 10 de janeiro - dois dias após os atos de vandalismo - só os blocos VI e IV (que estavam desativados) do CPD tinham capacidade total de 196 pessoas. Porém, em celas que tinham capacidade para 8 pessoas, foi preciso alocar 12 detentos.
"O responsável informou ainda que havia previsão de chegada de, pelo menos, 400 detidos. Portanto, o quantitativo de vagas que restavam no Bloco IV era francamente insuficiente para abrigar o número de pessoas esperadas", detalha o relatório.
Ainda segundo o relatório, no dia 13 de janeiro, presos relataram à DPU que algumas celas já estavam com 22 detentos, em um local com 8 camas.
"Em conclusão, foi possível verificar que a unidade não tem capacidade de acolher todas as pessoas detidas, visto que ainda há um grande contingente a ser processado e encaminhado ao estabelecimento. Vale lembrar que o número total de pessoas detidas, cerca de 1.500, corresponde a aproximadamente 10% da população prisional total do DF", diz o relatório.
Segundo o texto, não foram identificadas pessoas declaradas LGBTQIA+, porém, havia um bloco específico para essa população.
A visita à penitenciária feminina também ocorreu no dia 10 de janeiro. Lá, as alas "apresentavam bom aspecto externo e não foi reportada situação de desabastecimento de materiais de higiene ou alimentação". Contudo, uma das preocupações da diretoria também era a superlotação.
Durante a visita, a diretora da penitenciária ressaltou que temia que a unidade prisional não suportasse o aumento exponencial de mulheres detidas.
Com isso, um bloco do CDP I, vazio, foi reservado para mulheres, que "porventura não pudessem ser acomodadas na Penitenciária Feminina do DF".
Para a DPU, a situação era grave, uma vez que a previsão de alocação de mulheres em uma unidade masculina contraria a Lei de Execuções Penais.
Na primeira visita ao CDP II, ainda no dia 10 de janeiro, o órgão presenciou 12 pessoas em cada cela. De acordo com o relatório, as celas tinham quatro beliches com duas camas. Dessa forma, quatro detentos dormiam no chão.
"As celas tinham uma pia, um chuveiro com água fria e um vaso sanitário. O banheiro fica à vista de quem passa no corredor, não havendo nenhuma privacidade para realizarem suas necessidades. As portas das celas são chapeadas e há algumas ventanas, que permitem iluminação e ventilação mediana no local", detalhe.
De acordo com a administração da penitenciária, todos os detidos recebiam kit de higiene pessoal e de limpeza. Contudo, alguns dos detidos relataram no dia, à DPU, que ainda não tinham recebido os itens, como roupa de cama e toalha.
"Alguns custodiados estavam com a roupa padrão da unidade, de short e blusa brancos, outros ainda estavam com a roupa do corpo. O servidor informou que estavam providenciando roupas para todos", detalham.
Em outra visita, no dia 12 de janeiro, novamente a DPU constatou a ausência de fornecimento, para todos os custodiados, de kit de higiene, em especial, de sabão e desodorante.
Retornando no outro dia, 13 de janeiro, foi verificado que alguns detentos ainda estavam com a mesma roupa do dia da prisão.
Nas celas da penitenciária feminina, também não há banho quente disponível, o que foi objeto de reclamação de algumas detidas entrevistadas pela DPU.
Elas também reclamaram da insuficiência de cobertores. Os distribuídos seriam muitos finos e elas alegam que precisam de mais para não passar frio à noite. Queixaram de falta de toalhas para banho e trocas de roupas íntimas para higiene menstrual
Os bolsonaristas recebiam quatro refeições por dia. Apenas detalhes das refeições na penitenciária feminina foram divulgados, mas, conforme o relatório, os detentos estavam reclamando da “má qualidade” dos alimentos e do “pouco fornecimento de frutas”.
Além disso, foi relatado um descarte de grande parte das marmitas, tanto do almoço quanto da janta. O argumento dos presos é que eles não conseguiam comer a refeição devido ao “gosto ruim e ao meu preparo”.
Às mulheres eram servidos: café da manhã (achocolatado e pão), almoço (proteína, arroz e feijão), jantar (proteína, arroz e feijão) e ceia (pão e uma fruta).
A marmita com a refeição pesa 600 gramas. O acesso à água para consumo e higienização fica disponível 24 horas na torneira das celas.
Tratamento nas penitenciárias
Conforme os relatos, de maneira unânime, os detidos pontuaram que foram tratados de "forma respeitosa" tanto pelos policiais penais, quanto pela Polícia Civil.
Das queixas dos cidadãos estava a ausência de medicamentos de uso contínuo, como hipertensão ou para problemas cardiovasculares.
Apesar disso, durante a visita da DPU, foi presenciado atendimentos médicos pela equipe da saúde.
Falta de comunicação
Um grande número de detentos reclamavam da falta de comunicação. De acordo com os relatos, nem todos conseguiram contato com os familiares. Algumas pessoas que também tiveram parentes e companheiros detidos alegavam nãosaber o paradeiro deles.
"A maioria não tem assistência jurídica particular. Algumas pessoas relataram que ainda não tinham conseguido fazer contato com seu advogado."
COVID-19
Conforme o relatório, todos os presos foram submetidos a um teste rápido para COVID-19.
Na penitenciária masculina, três detentos testaram positivo para a doença do coronavírus e foram separados dos demais presos. Na feminina, algumas cidadãs também testaram positivo, mas o número de detentas com a doença não foi informado.
Bens pessoais
De acordo com as informações repassadas à DPU, os bens foram recolhidos, identificados e guardados. Apenas valores em dinheiro foram deixados em posse das pessoas.
"A Administração Penitenciária mencionou, por exemplo, o caso de uma pessoa que estava de posse do valor de R$3.000,00 (três mil reais) em dinheiro. Outro cidadão, apontado como um policial civil aposentado, portava um cofre com uma arma. Os bens pessoais estavam alocados em um banheiro desativado da área do banho de sol pois, segundo a Administração, não havia outro local adequado para guardar o grande volume de bens que as pessoas traziam".
Na penitenciária feminina, a defensoria alegou que as condições eram de maior "vulnerabilidade" que a dos homens.
"Diferentemente dos homens, que tiveram relativizadas algumas regras do cárcere em razão da excepcionalidade da circunstância, como a possibilidade de ficar com roupas de cores pretas e até mesmo camufladas, as mulheres narraram que foram impedidas de ficar com determinados itens, como sutiãs de cor preta. Os homens presos no CDP permaneceram de posse dos valores em dinheiro e alianças, enquanto as mulheres foram privadas de todos os itens pessoais", alegam.
Segundo a DPU, algumas mulheres, já no dia 13 de janeiro, estavam sem a possibilidade de trocar de roupas desde o momento da prisão. "Foram atendidas mulheres que estavam utilizando cobertores para se cobrir, enquanto lavavam suas roupas. Foi constatada a ausência de chuveiro em uma das celas (cela 11) e ausência de descarga automatizada na cela 13, ala A, Bloco VI. As mulheres utilizavam sacolas para encher de água da torneira e realizar a higienização".
Realocação das mulheres trans na Penitenciária Feminina
No dia 13 de janeiro, a defensoria procurou analisar a situação das mulheres trans na penitenciária feminina. Com a superlotação na cadeia, a direção teve que fazer algumas mudanças. Com isso, 17 mulheres trans foram removidas de um bloco para celas que são destinadas para visitas íntimas. Dessa forma distribuíram em média de 12 até 13 pessoas, em celas com capacidade máxima para abrigar 8 pessoas.
"Restou claro a frustração delas por serem retiradas abruptamente de suas alas de convívio, bem como a quebra de suas rotinas, como o direito ao banho de sol e visita social que tiveram prejuízo. Encontram-se agoniadas e ansiosas por estarem em celas minúsculas, e sem previsão de retornarem para as suas antigas alas de convivência", descreve a DPU.
Conforme o relatório, as 17 mulheres foram destruídas em média de quatro até cinco. Elas relatam que estão dormindo em condições precárias já que só têm uma cama nas celas de visitas íntimas e as demais têm que dormir no chão.
"Reclamaram também que não têm direito de trabalharem na oficina de costura juntamente com as outras mulheres, mas que gostariam de ter mais uma oportunidade para fins de obter remissão de pena. Atualmente só conseguem remissão pelo projeto "Ler Liberta" e por artesanato. Dizem ainda que conseguem estudar e ter acesso ao ENCCEJA e ENEM anualmente, mas que no momento, por estarem nas celas de visitas íntima que se encontram sem iluminação adequada no corredor (lâmpadas queimadas), não conseguem ler as apostilas depois das 18hs".
Segundo os relatos, nenhuma das mulheres está conseguindo dar continuidade ao tratamento de hormonioterapia, "já que é difícil ter acesso aos hormônios, seja em comprimidos ou injetáveis que só podem ser adquiridos com receita médica".