Como a Folha mostrou, o risco de pessoas armadas e possível confronto entre vândalos e a Polícia Militar foi o motivo apresentado por generais do Exército ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para que o desmonte do acampamento não fosse realizado na noite do ataque às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro.
Diante da sugestão, Lula deu aval para o Exército realizar a operação de desmonte somente no dia seguinte, pela manhã — ação que resultou na prisão de mais de 1,2 mil pessoas no Setor Militar Urbano.
"O Exército tem 220 mil homens, e no governo passado foram autorizados quase 800 mil CACs. Então tem 800 mil pessoas no Brasil que tiveram licença para andar armada. Então você pode prever e desconfiar de tudo que poderá acontecer", disse Múcio à Bandnews TV.
O número de armas de fogo nas mãos dos CACs chegou a 1 milhão em julho de 2022. A quantidade era de 350 mil em 2018, antes da política armamentista do governo Bolsonaro.
O ministro ainda relatou que as conversas na noite do dia dos ataques foram tensas, com "palavras ásperas e tudo".
"Evidentemente, aquela troca de diálogo que todos tomaram conhecimento entre o secretário de Segurança que foi nomeado naquela noite [interventor Ricardo Cappelli] com quem estava no comando do Exército foram palavras duras, que nós precisamos ir lá meia-noite e meia, fui acompanhado do ministro Flávio Dino e do ministro Rui Costa, para negociar que as pessoas que estavam lá fossem prestar depoimento", completou.
Durante a entrevista, Múcio foi questionado se Lula havia dado aval para que o desmonte ocorresse na manhã do dia 9 de janeiro. O ministro, no entanto, evitou responder à pergunta.
"Quem deu poder para que os acampamentos, que as manifestações fossem todas desmontadas, foi a Justiça, o ministro Alexandre de Moraes. O presidente Lula sempre desejou desmontar aquilo. Eu conversei muito com aquele povo [do Exército], sabia da dificuldade de desmontar aquilo, porque aquilo era uma coisa muito mais sólida e organizada do que uma manifestação de civis", afirmou.
Múcio ainda disse que "tudo aconteceu na hora certa" e repetiu que o principal erro foi ter permitido que as caravanas que chegaram no fim de semana do ataque se juntassem ao acampamento
"Tudo isso será apurado e os culpados serão punidos", concluiu.
Como a Folha revelou, Lula teve um breve diálogo com o comandante militar do Planalto, general Gustavo Henrique Dutra, durante a noite de 8 de janeiro. No momento, havia uma tensão entre os militares e o interventor Ricardo Cappelli.
A ordem de Cappelli era para os policiais entrarem no acampamento em frente ao QG do Exército e prenderem os golpistas ainda durante a noite. Dutra, no entanto, vetou a entrada da PM no local, posicionando três tanques de guerra e uma tropa da Força para fazer um cordão de isolamento.
Segundo relatos, o general havia ligado para o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Gonçalves Dias, para conseguir respaldo do Planalto para que a operação de desmonte fosse realizada somente na manhã do dia seguinte.
G. Dias, no entanto, passou o telefone para Lula, que estava ao seu lado. Na conversa, o presidente reforçou que todos deveriam ser presos e o acampamento teria de ser desmontado.
Lula, porém, foi alertado para os riscos de que a operação à noite poderia causar confronto e terminar em mortes, diante da falta de planejamento. Segundo pessoas com conhecimento do assunto, o presidente acatou as ponderações e concordou com a possibilidade de a operação ser realizada no dia seguinte.
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, ainda afirmou na entrevista que avalia o que fazer com o dia 31 de março — data em que os militares comemoraram, durante o governo Bolsonaro, o aniversário do golpe militar de 1964.
Múcio disse que vai "negociar" com os militares sobre o que fazer na data, "para que cheguemos a uma consonância do que os dois lados querem". "Se der certo, é bom para quem venceu e quem perdeu. Se der errado, é ruim para quem venceu e quem perdeu", disse o ministro.
O ministro ainda confirmou que o general Dutra sairá do comando militar do Planalto, como revelou a Folha, em passagem de comando confirmada antes da crise de 8 de janeiro e prevista para março.
Múcio ressaltou que o governo não pressiona para retirar o general do posto, porque o esforço da Defesa é "despolitizar as Forças Armadas. "Prefiro deixar que [a eventual antecipação] seja uma decisão do comandante do Exército", completou.