Reeleito governador do Rio Grande do Sul em outubro do ano passado, seis meses depois de renunciar ao cargo, Eduardo Leite (PSDB) assumiu na última quinta-feira (2/2) a presidência nacional da sigla tucana, após o ex-deputado pernambucano Bruno Araújo deixar o cargo de forma antecipada.
De olho no Palácio do Planalto, o político assume o protagonismo do partido em um momento de reconstrução, no qual o PSDB conta com apenas três governadores, três senadores e 13 deputados federais. Em entrevista ao podcast EM Entrevista, do Estado de Minas, Leite também criticou a polarização política no país e fez questão de ressaltar as suas diferenças tanto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como com o ex-chefe do Executivo Jair Bolsonaro (PL).
“Não considero que ser antagonista ao PT possa significar, de alguma forma, se aproximar do bolsonarismo e de suas características, pois somos, também, muito diferentes”, declarou o governador gaúcho.
O que ficou de mais importante da reunião entre Lula e os governadores?
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Atos golpistas: PGR denuncia mais 152 pessoas por participaçãoTebet diz não temer 'fogo amigo' do governoLula recebe credenciais de nove novos embaixadores no BrasilNo Eixo Leste-Oeste, (o pedido) consiste especialmente na duplicação da BR-290 e na conclusão da Ponte do Guaíba. E, também, obras de integração com países do Mercosul — pontes que unem à Argentina e Uruguai, a dragagem de um canal para uma hidrovia entre o Uruguai e o Brasil, na Lagoa Mirim, e outras obras de infraestrutura, como um gasoduto para trazer gás de Vaca Muerta, na Argentina. Foi, inclusive, alvo da discussão do presidente Lula com o presidente da Argentina (Alberto Fernández) na recente visita que fez a Buenos Aires.
O mais importante ponto da reunião feita com o presidente foi o fato de os estados apresentarem, como prioridade, a recomposição de suas receitas, duramente impactadas no ano passado por medidas equivocadas, lideradas pelo governo federal e pelo Congresso Nacional, com a perda de arrecadação dos estados no ICMS. (Houve) uma forçada redução de impostos provocada no ano passado. O governo federal fechou 2022 com arrecadação 9% maior, enquanto no Rio Grande do Sul a arrecadação caiu 11%.
Tivemos essa perda, principalmente, por uma redução forçada de impostos, em decisão tomada em nível federal, impactando os entes subnacionais. Não é um dinheiro do governador ou do governo, mas da educação e da saúde, que cofinancia programas federais. A tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) não é reajustada há mais de 15 — talvez 20 anos. Recursos para a merenda escolar também vinham sem reajustes ao longo dos últimos anos.
O Minha casa, minha vida ou Casa Verde e Amarela, chame como quiser, é insuficiente para pagar todo o custo da construção das habitações. Os estados complementam recursos. Temos subfinanciamento nos programas federais de um lado e, do outro, estados perdendo arrecadação. É claro que isso compromete a capacidade de entregar os resultados à população. Frisamos o quão importante é termos a recomposição dessas receitas.
O governo federal anunciou a criação de uma comissão para debater, junto ao STF, a recomposição das perdas de ICMS sofridas pelos estados. O que é preciso fazer, de imediato, para garantir algum tipo de ressarcimento? O senhor prefere as transferências diretas ou o abatimento de parte das dívidas locais?
É o que a comissão vai encaminhar. As leis aprovadas no ano passado colocaram a previsão de que as perdas apuradas em 2022 fossem ressarcidas aos estados. É o que estamos pleiteando. Há uma portaria do Ministério da Economia, publicada no fim do ano passado, prevendo o formato dessa recomposição. Para o Rio Grande do Sul, que tem uma dívida alta com a União, o formato do perdão da dívida pode ser um caminho.
Tanto melhor se houver a recomposição com transferências diretas da União. Mas é isso que o comitê, agora, tem de se propor a resolver. O importante é que haja a recomposição. Para o Rio Grande do Sul, é um valor considerável, que chega a mais de R$ 4 bilhões, podendo alcançar R$ 7 bilhões no total. Queremos que o tema seja resolvido com rapidez, pois o estado precisa manter a capacidade de prover os serviços essenciais à população.
Há defesa pública do governo por uma reforma tributária. Como recebeu as sinalizações econômicas emitidas, até este momento, por Lula e pelo ministro Fernando Haddad?
A reforma tributária, sem dúvida alguma, é estratégica para o país. É a principal reforma capaz de nos dar mais e melhor competitividade e produtividade. Boa parte dos entraves econômicos do país estão relacionados a um complexo sistema tributário. Temos uma situação em que os empreendedores, em vez de gastar seu tempo empreendendo, criando coisas novas e podendo gerar riqueza e empregos, têm de gastar boa parte do tempo administrando um complexo sistema tributário, com impostos municipais, estaduais e federais — com dificuldade de classificação dos itens da produção, o que gera riscos de penalidades.
Mesmo que ele se esforce em ser um bom contribuinte, está sempre sob a insegurança de, eventualmente, uma interpretação sobre a classificação daquele produto mudar — e ele ser punido por ter classificado de um jeito ou de outro. O aperfeiçoamento do nosso modelo tributário é fundamental para ganharmos produtividade no país. Torço para que o governo faça disso, de fato, uma tarefa política sob a qual debruce as maiores atenções.
O chamamento de Bernard Appy para integrar a equipe do Ministério da Fazenda é uma boa demonstração. Mas, de outro lado, quando vocês (repórteres) me pedem para analisar medidas econômicas, nos causam algumas preocupações aqueles temas relacionados à saúde fiscal do governo. O governo precisa demonstrar clareza de responsabilidade nas contas públicas para termos credibilidade internacional e dar segurança a investidores e empreendedores de que o país não se verá em um problema fiscal logo mais adiante.
É um governo que está começando. Temos de dar o benefício do tempo para que apresente as medidas. Há uma promessa do ministro Fernando Haddad de, até o início de março, apresentar qual será o novo arcabouço fiscal do Brasil a partir da lógica do governo em curso. Vamos aguardar quais serão as apresentações.
Poderia citar um acerto e um erro dos primeiros 30 dias do governo Lula?
É difícil fazer essa classificação. O erro é não ter, ainda, essa clareza de agenda econômica, o que gera certa insegurança, uma incerteza. Há uma preocupação. Lá atrás, o Partido dos Trabalhadores protagonizou, especialmente no final do segundo mandato de Lula e no mandato de Dilma, uma política econômica que gerou desequilíbrio fiscal profundo ao país.
O déficit nas contas chegou a mais de R$ 150 bilhões no governo Dilma por gastos desenfreados e pouco compromisso com o equilíbrio fiscal, gerando descrédito ao país. No momento em que o mundo crescia fortemente, o Brasil amargou a pior recessão de sua história. O governo do PT, com o presidente Lula, começa sob essa preocupação. Afinal: qual será a política econômica e a política fiscal deste governo?.
Quanto mais demora a apresentar respostas, mais gera incerteza e insegurança. Relações de negócios precisam envolver confiança. Qualquer empreendedor colocará seus recursos onde tiver segurança e confiança de cumprimento de contratos, das regras das atividades econômicas, gerando resultados a quem está investindo. Essa incerteza é ruim para o país, mas a gente dá, ainda, o benefício do tempo para que o governo encontre seu rumo e apresente seus caminhos.
O acerto é a abertura ao diálogo. No governo passado, do presidente Bolsonaro, não houve uma reunião como a que houve na sexta-feira (27/1), entre governadores e o governo federal. Pelo contrário: não só não houve reunião, como o comportamento do ex-presidente era sempre belicoso, de ataque aos entes subnacionais e aos governadores, terceirizando, sempre, as responsabilidades, os problemas do país. Tudo o que acontecia de ruim no Brasil era culpa de outra pessoa que não o próprio presidente.
Em geral, a culpa era dos governadores, do Supremo Tribunal Federal (STF) e da imprensa, sempre atacando. Isso criava um clima muito ruim para o país. A abertura ao diálogo, trazer de volta à arena política as discussões, é um acerto.
Espero que seja a prática que possamos observar ao longo do mandato do presidente Lula, com quem não tenho convergências — especialmente na área econômica —, mas por quem tenho respeito, especialmente pela legitimidade do voto popular, que o colocou para um terceiro mandato. Então, vamos buscar trabalhar conjuntamente, a serviço dos interesses dos brasileiros que vivem no Rio Grande do Sul.
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, buscou Lula para rever os termos da Recuperação Fiscal. Minas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, estados muito interessados no refinanciamento da dívida, podem se unir para tentar uma repactuação conjunta das bases desse refinanciamento?
O Regime de Recuperação Fiscal foi alcançado a quatro estados: Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás, que fez a adesão. Não é um perdão da dívida, mas uma repactuação do passivo existente entre os estados e a União. É uma ‘escadinha’ em que o estado vai retomando pagamentos gradualmente, até chegar a completar, de forma integral, as parcelas, que serão pagas até a década de 2040. É uma reprogramação dessa dívida.
O Rio Grande do Sul é o único dos estados que conseguiu fazer a adesão administrativamente — os outros precisaram de decisões judiciais para fazer a adesão ou a homologação do plano de Recuperação Fiscal. Nós conseguimos fazer sem entrar na Justiça. Pelas nossas próprias ações, conseguimos aderir. Fizemos a adesão dentro do que a legislação previa, apresentando uma programação que tem as receitas previstas pelo estado pela frente, além das despesas previstas.
No meio do caminho, a União, a partir do Congresso Nacional e pela liderança do governo federal, aprovou uma medida que impactou nossas receitas e promoveu profundo desequilíbrio nas contas dos estados — inclusive no Rio Grande do Sul. Essa decisão, que mudou as regras da arrecadação no meio do caminho, vai impor uma revisão do Regime de Recuperação Fiscal.
Nós programamos, planejamos, nos estruturamos e passamos a agir na forma que prevíamos ser necessário do nosso lado. Só que a União, do lado dela, impactou nossas arrecadações. Então, isso gerou um desequilíbrio que vai ter de ser repactuado. Espero que, conjuntamente, os estados possam, com a sensibilidade do governo federal — que deu causa a esse desequilíbrio – ajustar uma repactuação do Regime de Recuperação Fiscal.
O governador Romeu Zema levantou a hipótese de ‘vista grossa’ do governo federal diante das movimentações golpistas para a tomada dos prédios em Brasília. Em sua visão, essa tese encontra eco diante dos fatos acontecidos?
Acho que é prematuro fazer o levantamento desta suposição. Respeito muito o governador Zema, acho até que em algum momento isso possa ser analisado, mas há, sem dúvida nenhuma, algo muito mais forte que é quem causou, a partir daquela manifestação, um ataque, que foi mais do que aos prédios, mas às próprias instituições e ao que elas representam na nossa democracia.
A agressão partiu de um lado, de grupos golpistas, e são esses que precisam ser prioritariamente investigados. Se houve algum tipo de desídia, de leniência, omissão ou conduta outra que deva ser analisada, é preciso buscar e trazer elementos objetivos para sustentar isso. É prematuro e precipitado levantarmos esse tema quando houve uma agressão específica de um grupo de pessoas, que precisam ser punidas pelos ataques que fizeram às nossas instituições e à democracia brasileira.
O PSDB sofreu perdas na última eleição – não conseguiu manter o governo de São Paulo e viu a bancada federal diminuir. Mas conquistou governos importantes, como o de Pernambuco, e manteve o Palácio do Piratini. Como o senhor encara o desafio de assumir o partido e para onde vai o PSDB agora?
As eleições recentes foram de uma polarização intensa, que estreitou o caminho para o centro democrático, que persistiu e resistiu – e o PSDB resiste dentro desse cenário de polarização. Passado o processo eleitoral, com a bancada formada e os governos estaduais que temos, o que precisamos fazer é trabalhar para, dentro da configuração que tomou a política nacional, nos apresentar com força e vigor para sensibilizar e mobilizar parcelas e grupos da sociedade em torno da nossa agenda. E, para conseguir fazer isso, temos de ter essa agenda apresentada com clareza – inclusive para nós mesmos.
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Dentro do próprio partido é preciso que haja uma discussão que permita, a todos os membros do PSDB, entender a agenda que nos une. Isso ficou mal trabalhado ao longo de anos recentes diante da polarização. Talvez pelo partido ter antagonizado com o PT durante muito tempo, no momento em que o espaço de antagonismo ao PT passou a ser exercido por outra força política, notadamente pelo bolsonarismo, talvez alguns tucanos tenham ficado confusos diante desse cenário político alterado em relação ao que, historicamente, havia – e tenham se aproximado de Bolsonaro por conta do antagonismo ao PT que era exercido pelo PSDB.
É importante fazermos essa discussão internamente, porque não considero que ser antagonista ao PT possa significar, de alguma forma, se aproximar do bolsonarismo e de suas características, pois somos, também, muito diferentes. Temos divergências programáticas e ideológicas com o PT, mas temos uma diferença profunda na forma como faz política o bolsonarismo – e em muitas das pautas que defende o bolsonarismo, especialmente nas que desrespeitam parcelas da sociedade e grupos importantes da coletividade. Não respeitam a diversidade e os temas ambientais, que são importantes para nós, por exemplo.
O partido vai precisar promover essa discussão para dentro, para que haja uma clara compreensão, por todos os membros, sobre quais são as agendas que nos unem. Não significa que a gente tenha de concordar em absolutamente tudo – isso não temos nem dentro da família da gente; não vai ser dentro de um partido político que teremos convergência absoluta. Mas a espinha dorsal do que o PSDB defende precisa ficar clara para todos.
A estratégia de comunicação dessa agenda que o partido tem precisa ser trabalhada de forma estratégica junto àqueles da sociedade que mais queremos mobilizar em torno da nossa agenda, para chegarmos com força nos próximos processos eleitorais, apresentando caminho de sensatez, equilíbrio, bom senso e moderação, mas com firmeza de convicção em torno das agendas que queremos defender e ver prosperar no debate político para o Brasil.
O senhor disse que o PSDB tem diferenças tanto com o PT quanto com o bolsonarismo. Na atual conjuntura, é possível dizer com qual dos campos o partido tem mais diferenças?
Somos diferentes dos dois. Não preciso ser medido na régua estreita que, na verdade, até os aproxima em algumas questões. O PSDB olha para as questões sociais com preocupação. Em nossa visão, é papel, sim, do governo, em um país com profundo abismo social, ser promotor da igualdade. E, consequentemente, exercer, de forma firme, o combate às desigualdades. Isso significa colocar o governo não apenas para dar igualdade de oportunidades à população com a educação, que precisa ser promotora da inclusão no mercado de trabalho, da capacidade crítica e da cidadania.
Precisa ser o governo, também, um reparador das desigualdades. Isso significa ter políticas de transferência de renda, de assistência social e programas de habitação. Um olhar para as pessoas que já ficaram para trás e precisam ter a mão do governo estendida para trazê-las, com dignidade, ao exercício da cidadania plena. Olhamos para isso com atenção. Do outro lado, não podemos ter o desequilíbrio das contas. Precisamos ter combate firme e efetivo à criminalidade.
Não tem de fazer uma opção entre ter um governo enxuto e que combata com força a criminalidade ou ter um governo sensível socialmente e que se abra à diversidade. Entendemos que, neste imenso país que temos, é importante trilhar esses caminhos conjuntamente. Precisamos combater a desigualdade e precisamos respeitar o equilíbrio fiscal, modernizar a máquina pública com privatizações e reformas estruturantes, para que o governo seja capaz, justamente, de sustentar as políticas públicas de inclusão, que custam dinheiro e são impactantes no Orçamento – e que precisam de orçamento adequado e equilibrado para serem sustentáveis no tempo.
Agora, passada a eleição, o senhor pode revelar em quem votou no segundo turno da disputa presidencial? Escolheu um dos candidatos ou anulou o voto?
Sou um político com praticamente 20 anos de vida pública. Fui vereador (em Pelotas), presidente da Câmara Municipal, secretário municipal, prefeito e governador. Posso ser julgado pela minha própria história, pela minha forma de agir na política, pela minha forma de atuar, e pelo governo que fiz – olhando tanto pelo social quanto para a modernização da máquina pública.
É por isso que quero ser julgado: por quem eu sou e como ajo estando em governos, e não simplesmente pelo voto que eu tenha dado em uma eleição polarizada, que machucou e ainda machuca o país, pois a polarização ainda está presente. Quero superar essa etapa de polarização – e não ficar vivenciando ela repetidas vezes, porque acho que é muito ruim para o país.
Por isso, ainda reservo o meu voto. Não por não estar satisfeito com ele, mas porque não fui feliz, tanto quanto não foram milhões de brasileiros, de viver essa polarização, essa guerra, que colocou brasileiros contra brasileiros, irmãos contra irmãos, famílias contra famílias, e dividiu a população. Prefiro ser analisado e julgado politicamente pelas minhas ações como político; não pelo voto que dei como cidadão.