A atual administração reabriu a mesa permanente de negociação com o funcionalismo, que já havia funcionado em gestões anteriores do PT e ficará sob a condução da ministra de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck.
A intenção é conceder um reajuste salarial ainda neste ano, após pelo menos quatro anos de congelamento. A maior parte dos servidores está há seis anos sem reposição salarial.
"O objetivo aqui é tirar a granada do bolso de vocês", disse Haddad durante solenidade de reabertura da mesa. O evento conta com representantes de 80 entidades sindicais, além de ministros do governo.
A citação à granada faz referência a uma declaração do ex-ministro da Economia Paulo Guedes em uma reunião ministerial de 22 de abril de 2020. O vídeo do encontro foi divulgado por ordem do STF (Supremo Tribunal Federal) a pedido do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, que acusava o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de tentar interferir na Polícia Federal.No vídeo, Guedes aparece celebrando uma lei aprovada no auge da pandemia de Covid-19, que autorizava um socorro a estados e municípios, mas tinha como contrapartida o congelamento dos reajustes.
"Todo mundo está achando que estão distraídos, abraçaram a gente, enrolaram com a gente. Nós já botamos a granada no bolso do inimigo. Dois anos sem aumento de salário", disse Guedes à época.
Nesta terça, Haddad criticou diretamente a declaração de seu antecessor. "Aquela cena no Palácio do Planalto é uma das cenas mais vergonhosas que já vi na vida. Como alguém que está na chefia de um ministério tão importante diz que serviço público é inimigo a ser destruído, como se fosse inimigo de guerra?", afirmou.
O Orçamento de 2023 já reserva R$ 11,6 bilhões para a ampliação da remuneração dos funcionários públicos ativos, inativos e pensionistas do Poder Executivo.
O maior impasse no momento é se esse reajuste vai contemplar ou não os militares, categoria que obteve maiores benefícios durante a gestão Bolsonaro.
A intenção do novo governo é aplicar um percentual linear para as categorias. No ano passado, membros da gestão Bolsonaro estimaram que o valor previsto no Orçamento seria suficiente para um aumento de 4,85% a partir de janeiro. Como o reajuste a ser negociado para este ano valerá por um número menor de meses, será possível ampliar esse percentual.
Se os militares forem incluídos, porém, a reposição será mais tímida para as demais categorias, dada a necessidade de manter o gasto já previsto no Orçamento.
Por isso, há uma discussão sobre a exclusão dos militares da negociação. Há, porém, um risco político envolvido nessa opção, uma vez que a relação da atual administração com as Forças Armadas já começou sob desgaste.
Em janeiro, Lula demitiu o então comandante do Exército, general Júlio Cesar de Arruda, em meio a uma crise de confiança aberta após os ataques do dia 8 de janeiro, em Brasília.
O cálculo de membros do atual governo é que os militares foram contemplados por aumentos e benesses na gestão anterior, enquanto os demais servidores ficaram com salários congelados.
Em 2019, o governo Bolsonaro propôs e obteve aprovação de uma lei que modificou as regras de aposentadoria e pensão dos militares, mas estipulou uma série de aumentos no soldo da categoria. A lei também ampliou os valores do adicional de habilitação (pago conforme a categoria de cursos feitos pelo militar), entre outras gratificações.
Enquanto isso, cerca de 1 milhão de servidores ativos, aposentados e pensionistas estão com a remuneração congelada desde 1º de janeiro de 2017, quando foi concedida a última parcela de aumento.
São servidores de órgãos como Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Funai (Fundação Nacional do Índio), Abin (Agência Brasileira de Inteligência), além de carreiras médicas e ligadas à Previdência.
As categorias desse grupo tiveram um aumento médio de 10,8%, proposto ainda no governo Dilma Rousseff (PT) e que foi parcelado em dois anos (2016 e 2017).
Outros 253 mil servidores tiveram o último reajuste aplicado em 1º de janeiro de 2019. Foi a quarta parcela de um aumento total médio de 27,9%. Nesse segundo grupo estão carreiras de Estado, como a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal.
Os servidores do Executivo ampliaram a cobrança por reposição salarial após a aprovação, no final de 2022, de aumentos salariais para ministros do STF, além do presidente da República, ministros e parlamentares. Com o reajuste, eles passarão a ter remuneração mensal de R$ 41,7 mil a partir de 1º de abril deste ano, chegando a R$ 46,4 mil a partir de 1º de fevereiro de 2025.
Como há uma defasagem maior nas carreiras da base do funcionalismo, que já têm remuneração menor, há uma possibilidade em estudo de promover dois tipos de reajuste linear: um maior para essas categorias que tiveram o último aumento em 2017, e outro menor para as demais, que tiveram o salário atualizado até 2019.
A expectativa é que as negociações avancem nos próximos meses. Nas últimas semanas, chefes de órgãos já têm buscado o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, responsável pela política de pessoal, para defender a reposição salarial aos seus servidores. Uma das demandas é que o reajuste seja feito por MP (medida provisória), para ter validade imediata.
Em um aceno de boa vontade, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), anunciou a liberação de R$ 350 milhões para o pagamento de direitos trabalhistas de servidores, referentes a anos anteriores. O desembolso deve beneficiar cerca de 10 mil funcionários.
Participaram da solenidade de reabertura da mesa os ministros Rui Costa (Casa Civil), Márcio Macêdo (Secretaria-Geral), Luiz Marinho (Trabalho), Carlos Lupi (Previdência), Camilo Santana (Educação), além de Haddad, Tebet e Dweck.