Jornal Estado de Minas

MUNDO

Lula propõe a Biden governança global para o clima

Na primeira reunião entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Joe Biden como presidentes do Brasil e dos EUA, realizada na Casa Branca, em Washington, nesta sexta-feira (10), o petista convidou o líder americano para discutir um mecanismo de governança global que force os países a acatar decisões na área climática.





 

Em declarações feitas na presença de jornalistas no Salão Oval, gabinete do presidente americano, os dois presidentes ressaltaram a importância da preservação ambiental e reforçaram a necessidade de fortalecer instituições em defesa da democracia.

 

"A questão climática, se não tiver uma governança global forte e que tome decisões que todos os países sejam obrigados a cumprir, não vai dar certo", afirmou o petista ao democrata. "Não sei qual é o fórum, não sei se na ONU, não sei se é no G20, não sei se é no G8, mas alguma coisa temos que fazer para obrigar os países, o nosso Congresso, os nossos empresários a acatar decisões que tomamos em nível global."

 

Biden, por sua vez, afirmou que vê o Brasil como "parceiro natural para enfrentar os desafios atuais, globais e especialmente as mudanças climática".





 

A reunião a sós entre Lula e Biden deveria ser de apenas 15 minutos, mas a conversa durou cerca de 50 minutos. De lá, os dois líderes tiveram uma reunião expandida, com a comitiva ministerial que acompanha o petista e o gabinete do presidente americano.

 

 

 

Em clima caloroso, bem diferente do encontro que teve com o ex-presidente Jair Bolsonaro em junho do ano passado, Biden disse a Lula ser "uma honra recebê-lo de volta na Casa Branca, um grande prazer".

 

Leia: Lula fala sobre fake news e Biden comenta: 'Parece familiar' 

 

Assim como já havia feito em viagem à Argentina em janeiro, o presidente brasileiro se referiu a Bolsonaro uma série de vezes nas declarações iniciais a Biden, ainda que sem citar o nome do antecessor. "Tivemos um presidente que mandava desmatar, mandava garimpeiros entrarem em áreas indígenas, mandava garimpar nas florestas que demarcávamos como reserva na Amazônia."





 

Os dois presidentes foram vítimas de tentativa de golpe de apoiadores de seus antecessores que negavam os resultados das eleições —em 6 de janeiro de 2021 em Washington e 8 de janeiro de 2023— e a defesa da democracia é um dos temas principais nos diálogos entre os dois lados. "Temos alguns problemas para trabalhar juntos: (a primeira coisa) é nunca mais permitir que haja um novo capítulo do Capitólio e que nunca mais haja o que aconteceu no Brasil", afirmou Lula. Biden havia iniciado sua fala dizendo que as "duas nações são democracias fortes que foram duramente testadas e prevaleceram".

 

Lula: Lula, com Biden, critica Bolsonaro: 'Menosprezava relações internacionais' 

 

Quando Lula disse que o dia de Bolsonaro "começava e terminava com fake news", Biden afirmou que a descrição "soa familiar", em comentário referindo-se a Donald Trump que gerou risadas pela sala.

 

Lula chegou à Casa Branca, às 17h50, no horário de Brasília, e cumprimentou Joe Biden com um aperto de mãos que simbolizou a reaproximação entre Brasil e EUA após dois anos de relações dormentes.





 

Ele chegou acompanhado da primeira-dama, Janja Lula da Silva, e foi recebido pelo presidente americano no jardim dos fundos da Casa Branca. Eles seguiram para o Salão Oval, onde se reuniriam a sós antes de um encontro maior com os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Mauro Vieira (Relações Exteriores), Marina Silva (Meio Ambiente) e o assessor especial Celso Amorim, junto a secretários do governo Biden.

 

A primeira-dama Jill Biden tomaria um chá com Janja, mas a agenda foi cancelada porque a americana, segundo o governo americano, não estava se sentindo bem —ela fez um teste para Covid, e o resultado foi negativo. Janja então faria um tour pela Casa Branca enquanto os presidentes se reuniam. Dos jardins da Casa Branca era possível ouvir apoiadores do petista com caixa de som, megafone e gritos de "Lula".

 

Leia: Lula nos Estados Unidos: 'Bolsonaro é cópia fiel de Trump' 

 

A visita de Lula a Washington foi cercada de expectativas, depois das relações tensas da Casa Branca com Brasília no período em que Biden conviveu com Bolsonaro no comando do país —apoiador de primeira hora do ex-presidente Donald Trump, o ex-presidente ainda ecoou alegações de fraude na eleição americana. Biden e Bolsonaro nunca se falaram por telefone e só se reuniram uma vez.





 

Pela manhã, Lula se encontrou com o senador americano Bernie Sanders e com parlamentares democratas na residência onde está hospedado em Washington.

 

Um dos principais líderes da esquerda nos EUA, Bernie se envolveu na eleição brasileira e capitaneou ações de parlamentares americanos por respeito à democracia no Brasil. Ele aprovou no Senado, no fim de 2022, uma resolução instando a Casa Branca a romper relações em caso de golpe de Estado.

 

De acordo com Bernie a jornalistas, Lula defendeu na conversa "a necessidade de fortalecer os fundamentos democráticos no Brasil, nos EUA e em todo o mundo, porque há uma ameaça massiva de extremistas da direita que tentam minar a democracia".

 

Depois, se reuniu com os deputados Alexandra Ocasio-Cortez, Pramila Jayapal, Sheila Jackson Lee, Brad Sherman e Ro Khanna. AOC, como Ocasio Cortez é conhecida, afirmou que o brasileiro "é uma inspiração". A democrata disse que há muitos brasileiros em seu distrito em Nova York e que conhecia programas sociais criados em governos petistas, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, ambos citados em português.





 

Enquanto o petista recebia os representantes americanos, um grupo de três bolsonaristas apareceu próximo à Blair House, onde o presidente está hospedado, para protestar contra ele, chamando-o de ladrão. Outros apoiadores gritaram a favor de Lula.

 

O bolsonarista Alessandro Lúcio Boneares, ligado ao grupo de imigrantes Yes Brasil, dirigiu três horas do estado de Nova York até Washington para protestar contra o presidente. Com um megafone, ele gritava "Lula ladrão, seu lugar é na prisão", acompanhado de duas outras pessoas com cartazes contra os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e dizendo que a eleição brasileira havia sido roubada.

 

Os bolsonaristas e manifestantes de grupos anti-Bolsonaro discutiram. Membros de entidades de esquerda de todo o país também se organizaram para manifestar apoio ao petista. Os ativistas representavam diferentes grupos, desde brasileiros do Defend Democracy in Brazil até americanos do Partido para o Socialismo e Libertação. Também foram ao local membros da organização Codepink e da coalizão Act Now to Stop War and End Racism (Answer).





 

Uma das razões para Lula ter se hospedado na Blair House, não em um hotel, era evitar protestos. O local é cercado quando há autoridades estrangeiras, e a segurança é feita pelo Serviço Secreto americano.

 

Lula e Biden se conheceram em 2009, quando o hoje presidente americano era vice de Barack Obama e o petista estava em seu segundo mandato. A nova embaixadora americana no Brasil, Elizabeth Bagley, viajou a Washington para acompanhar a visita. Ao se encontrar com Lula na última semana, em Brasília, afirmou que estava "muito confiante de que eles serão melhores amigos", pois ambos têm "personalidades envolventes". Disse ainda que Biden vê Lula "não apenas como líder de seu país, mas regional e global".

 

A presença de Bagley na Casa Branca contrasta com a situação do Brasil. A visita de Lula à capital dos EUA aconteceu em um momento de troca no comando da embaixada brasileira em Washington.

 

O novo governo indicou Maria Luiza Viotti como nova representante do governo no país, mas o nome dela ainda precisa ser aprovado pelo Senado. O embaixador atual, Nestor Forster, muito identificado com o bolsonarismo, ainda não deixou o posto, mas tirou férias durante a visita para evitar uma saia justa.

 

No período, a embaixada é comandada por Bernardo Paranhos Velloso, hoje número dois na instituição.

 

Uma visita presidencial com uma embaixada "acéfala" fez com que a viagem fosse toda organizada diretamente por Brasília, com pouca participação da representação brasileira no exterior.