A conta chegou para extremistas que participaram da depredação dos prédios dos Três Poderes em 8 de janeiro, em Brasília. Ontem, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou à Justiça Federal o primeiro pedido de condenação definitiva de pessoas, empresas e sindicatos envolvidos nos atos golpistas. O órgão quer que eles paguem R$ 20,7 milhões, valor referente aos estragos causados nos edifícios.
Na ação protocolada pela AGU, são citadas 54 pessoas físicas, três empresas, uma associação e um sindicato. Todos são acusados de infringirem o artigo 187 do Código Civil, que consiste em: "Ato ilícito quando o titular de um direito (no caso em específico o direito à livre manifestação e reunião pacífica), ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".
"Nesse sentido, é adequado falar que num regime democrático, como no sistema brasileiro, contraria os costumes da democracia e a boa-fé a convocação e financiamento de um movimento ou manifestação com intento de tomada do poder, situação essa que evidencia a ilicitude do evento ocorrido", acrescenta.
A AGU menciona os "chamamentos/convocação para participação no evento, quando já se fazia referência expressa a desígnios de atos não pacíficos (ou de duvidosa pacificidade) e de tomada de poder", destaca. "Fato que demonstra uma articulação prévia ao movimento com finalidade não ordeira, sendo o financiamento do transporte um vetor primordial para que ele ganhasse corpo e se desenvolvesse nos termos verificados."
Não há divisão igual do valor entre os citados no processo. Os réus respondem em regime de solidariedade, o que significa que todos são responsáveis por cobrir a totalidade do montante. A ideia é que o sistema busque o valor que cada um tem até chegar ao especificado no pedido à Justiça.
De acordo com a AGU, o cálculo de R$ 20,7 milhões é a soma dos prejuízos na Câmara dos Deputados, no Senado, no Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal (STF). No dia do vandalismo, os extremistas quebraram vidros, portas, janelas, computadores, impressoras, arrancaram cadeiras, destruíram obras de arte, molharam carpetes e até roubaram togas dos ministros da Corte, além de objetos da União.
Na avaliação da AGU, ficou demonstrada a prática de "atos ilícitos que causaram danos ao patrimônio público federal, com a quantificação/estimativa mínima do dano".
O órgão sustentou que "cabe analisar, neste segundo momento, a questão atinente ao preenchimento dos demais requisitos necessários para a responsabilização dos demandados por esses danos", diz um trecho.
Até agora, a AGU tem um total de quatro ações protocoladas contra acusados de financiar ou participar diretamente dos atos antidemocráticos. A Justiça determinou o bloqueio de bens dos envolvidos para que, em caso de condenação posterior, os valores sejam utilizados para ressarcir os cofres públicos.
Respondem a essas ações 178 pessoas físicas, além das três empresas, uma associação e um sindicato, já mencionados. O órgão deve ingressar em breve com pedido para converter em ação civil pública as outras três cautelares, que dizem respeito aos presos em flagrante pela depredação dos prédios da Praça dos Três Poderes.
Para o advogado criminalista Edson Vieira Abdala, a iniciativa da AGU tem respaldo constitucional. "A lei civil prevê a reparação de ato ilícito decorrente de ação ilegal e criminosa, podendo cautelarmente resguardar bens dos envolvidos, a fim de que o pagamento ocorra. Nesse ponto, o órgão está agindo com rapidez e qualificação jurídica destacada", ressaltou.
O advogado Cezar Ziliotto, especialista em direito administrativo, destacou que a AGU entende que, nesse caso, quem financiou a convocação e o financiamento de um movimento "em tese" ilícito praticou um ato que vulnera a democracia e a boa-fé. "'Em tese' porque vai ser apurado judicialmente; mas, enfim, há um grande indicativo, para não dizer total, de que é ilícito (pois, ao fim e ao cabo, foi destruído patrimônio público, foram invadidas as instituições, foi ameaçada a própria democracia). Então, houve, em última instância, a prática de um ato ilícito que causou danos", apontou.
O valor de R$ 20,7 milhões ainda não é definitivo. Isso porque vai depender de uma instrução probatória e da exata demonstração do efetivo dano que foi causado ao patrimônio público.
"A ação se baseia na prática desse abuso de direito, até porque, no entender da AGU, houve livre consciência: as pessoas tinham a consciência de que aquelas iniciativas já continham uma ilicitude, porque elas pregavam a quebra do regime democrático, a supressão do Estado Democrático de Direito", acrescentou Ziliotto.